Núcleo de Estudos incentiva a identidade cultural de quilombolas
Desde os tempos da escravidão, a cultura quilombola vem sendo desprezada pela população em geral, sendo seus integrantes vistos como perigosos, marginais e parias. No entanto, os habitantes dos quilombos possuem hábitos e costumes frutos de uma cultura rica e bela, cultivada precária e desapercebidamente por eles. É justamente esse quadro que a pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos de Pesquisas de Etnicidade (Nepe), do Programa de Pós-Graduação em Antropologia, tenta mudar.
Levantando um perfil histórico e antropológico sobre os quilombolas, o Núcleo procura valorizar (e fazer com que os próprios quilombolas valorizem) a rica cultura lá preservada. A finalidade da pesquisa é contribuir com o levantamento da identidade étnico-cultural quilombola no estado de Pernambuco, afirma o professor Bartolomeu Figueirôa de Medeiros, mais conhecido como Frei Tito.
Desde as técnicas de artesanato em barro e em palha até as danças e rituais sociais e religiosos, eles têm muito a mostrar. E isso tudo acaba sofrendo discriminação da sociedade, acostumada a vê-los como perigosos e, com isso, segregando-os. O pior é que as décadas de discriminação conseguiram minar a própria auto-estima dos quilombolas, que acabam desvalorizando sua própria cultura, desaparecendo um pouco cada vez mais. Mas a mera presença de pesquisadores da UFPE parece ajudar a melhorar um pouco o caso: quando vêem que a universidade tem interesse por eles e participam e divulgam sua cultura, acabam se interessando também.
A gente interage com essas comunidades através da proposta do trabalho de identificação delas. Para fazer esse trabalho de identificação, a gente começa investigando os mitos de origem da comunidade, explica frei Tito. Essas narrativas, geralmente contadas pelos membros mais velhos do quilombo e pelos mais velhos do município onde se situa o quilombo, contam a origem da comunidade, o que é depois avaliado juntamente com a relação desse povo com a terra.
Surgidas a partir de uma ocupação anterior à Lei Áurea, em 1888, ou posterior a essa data, as terras raramente têm documentação legal. Em alguns casos, como o de Conceição das Crioulas, em Salgueiro, foram compradas pelas irmãs fundadoras da comunidade, aproveitando as leis da época (o II Reinado). Em outros, o território resultou de uma doação verbal do proprietário da fazenda onde os negros eram escravos, após o 13 de maio, com a intenção de mantê-los trabalhando na propriedade. O problema é que os cartórios no Sertão do Estado, onde as doações foram posteriormente regularizadas, muitas vezes foram alvos de incêndios criminosos, isso quando a terra foi trocada de dono legal e o novo proprietário não reconheceu a propriedade dos quilombolas.
Após esse levantamento histórico, vêm as pesquisas sobre as chamadas relações interétnicas, as relações entre os habitantes do quilombo e os outros moradores da área e a busca por um perfil econômico dos quilombos, onde predomina a pobreza: a maioria deles está no limite ou abaixo da linha de miséria estabelecida pela ONU e pela Unesco.
Em algumas comunidades existem costumes curiosos, como o casamento, que é consumado quando o noivo seqüestra a noiva e a leva para morarem juntos. O seqüestro é consentido, mas ainda assim é algo inusitado para aqueles que não conhecem a cultura. Outro ponto interessante é a mazurka, dança tradicional de algumas das comunidades que, com a mazurka polonesa, tem em comum apenas o nome, assemelhando-se mais a (ou se constituindo) um tipo de coco de roda.
Um ponto marcante e que serve de definidor é a questão religiosa. Segundo identificou a pesquisa, praticantes de um catolicismo rural e sincrético, os quilombolas reúnem crenças cristãs com a umbanda urbana, a crença em espíritos e em identidades da jurema (religião indígena antes conhecida como catimbó). As curas espirituais também estão muito presentes, como ilustra frei Tito: Fazemos levantamento dos benzedeiros, das benzedeiras, dos rezadeiros e das rezadeiras nessas comunidades, como é que exercem essa atividade e também os conhecimentos tradicionais ligados à medicina raizeira e fitoterápica.
Um costume que a pesquisa tenta salvar é o artesanato artístico e utilitário em palha e as técnicas do fabrico de renda mais antigas, mais artesanais. Muito acaba sendo deixado pra trás, numa tentativa de se adequar aos padrões da sociedade circundante. Mas com o incentivo do Nepe e do Governo Federal, isso tem sido revertido.
O fato é que apesar de serem mais de 90 as comunidades quilombolas no interior do Estado (segundo as Superintendências do Incra em Pernambuco), nem todas têm consciência de sua negritude e dos direitos que a Constituição lhes garantem. Um dos objetivos do trabalho é justamente divulgar o uso das atividades locais com finalidade econômica, ajudando assim a sustentar a comunidade: seja vendendo artesanato, seja prestando os serviços de benzedorismo e de fitoterapia. Procura-se estimular a comunidade a conseguir sua renda com aquilo que lhe é característico.
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