Emoção e força cultural marcam abertura do III Encontro Afro-Goiano
Evento promovido pelo Sebrae em Goiás já reúne cerca de 1,5 mil pessoas e a previsão é que esse número chegue a 2,5 mil pessoas
Cidade de Goiás – O som do rufar dos tambores nas ruas mais parece um chamado da mãe África. Em frente e dentro do auditório do Cine Teatro São Joaquim, muitos descendentes de escravos trajam, orgulhosos, roupas e boinas coloridas, trajes típicos do candomblé e usam cabelos tipo rastafari. Belos rostos iluminados com risos alegres, ou mesmo o choro emocionado de quem traz, na alma e no corpo, a força da história e da cultura afro.
Neste clima, foi aberto, na noite de quinta-feira (11), a pouco mais de um dia para a comemoração do fim da escravatura no País, 13 de maio, o III Encontro Afro-Goiano promovido pelo Sebrae em Goiás, na Cidade de Goiás, antiga capital do Estado. Hoje, a cidade é Patrimônio da Humanidade, com sua arquitetura do século XVIII praticamente toda preservada, a maioria construída por escravos.
O encontro tem o objetivo resgatar e transformar a história e a cultura afro em benefícios dos afro-descendentes. A intenção é estimular iniciativas empreendedoras nessas comunidades em Goiás, inclusive onde está o maior quilombo do País, o kalunga, com população aproximada de 5 mil descendentes de escravos.
“Queremos não só resgatar e valorizar a importância das comunidades afro-descendentes para a formação da nossa sociedade, mas sobretudo ajudar a transformar os costumes, a culinária, os rituais, as crenças, as danças, a música, a beleza e todos os valores negros, em negócios sustentáveis, melhorando a qualidade de vida, elevando a auto-estima e gerando emprego e renda para as comunidades negras”, resumiu o superintendente do Sebrae em Goiás, Gilvane Felipe, ao abrir o encontro.
Gilvane exemplificou as dificuldades enfrentadas pelos negros no País lembrando que há, no Brasil, 82 milhões de negros, equivalente a 45% do total da população. Porém, lembrou Gilvane, eles não alcançam os benefícios que têm, hoje, a população branca, estando, por exemplo, em índices inferiores no que se refere a qualidade de vida e rendimento. O mesmo quadro, lembrou, é evidenciado no pouco progresso em relação a conquistas de profissões de maior prestígio social e de poder político e no estabelecimento de negócios próprios.
Gilvane explicou que é exatamente levando em conta esses indicadores e por ter como princípio ser parceiros dos brasileiros, que o Sebrae está promovendo ações de reconhecimento e resgate da cultura dos afro-descendentes, agregando o fomento ao empreendedorismo, o que classifica como “uma das mais fantásticas ferramentas para se chegar ao tão sonhado desenvolvimento sustentável e, com ele, promover a inclusão social e econômica”.
Essa expectativa é confirmada pelo presidente da Associação Nacional dos coletivos de Empreendedores e Empresários Afro-Brasileiros (Anceabra), João Bosco Oliveira Borba. “Como construímos esse País, temos como direito o acesso à riqueza, ao desenvolvimento e à auto-estima. E aqui se instala uma relação muito positiva com o Sebrae”, disse. Ele ressaltou que “o Brasil, para crescer, precisa do desenvolvimento da comunidade negra”.
Marcas da história
Esse reconhecimento foi feito pelo prefeito da Cidade de Goiás, Abner Curado, com um exemplo concreto: “A Cidade de Goiás não seria o que é hoje se não tivéssemos a participação, a informação e, principalmente, a vivência cultural negra que faz parte da nossa história”, disse. As marcas dessa história trazidas na alma de cada descendente de escravos, transbordaram nas lágrimas da superintendente de Igualdade Racial do governo de Goiás, Marta Ivone de Oliveira.
Descendente de escravos, Marta relacionou várias ações desenvolvidas para essa população, como a identificação e reconhecimento de 138 comunidades afro-descendentes. Mas não suportou a emoção de estar e discursar na cidade em que bisavó, que chama de Dona Cota, foi queimada na Inquisição. “Ela era benzedeira e foi queimada aqui”, contou lembrando que não conseguia sequer vir até a Cidade de Goiás, por não suportar a dor que traz na alma. Foi abraçada e longamente aplaudida por todos que lotavam o auditório.
Na abertura do evento, no Teatro São Joaquim, próximo à casa, hoje museu, da escritora goiana Cora Coralina, também foi assinado um protocolo de intenções entre o Sebrae e a Anceabra. O objetivo é a mútua cooperação técnica, científica e cultural, visando ao desenvolvimento sociocultural das comunidades afro-descendentes. Também foram entregues cheques de financiamentos do Banco do Povo para integrantes de comunidades afro-descendentes.
Participação recorde
Iniciado em 2004, os encontros afro-goianos registram, anualmente, o crescimento da participação de comunidades afro-descendente e especialistas no tema. Em 2005, por exemplo, foram cerca de 600 participações. Neste terceiro encontro, apenas na abertura, já estavam inscritas cerca de 1,5 mil pessoas, incluindo caravanas de outros estados, e autoridades municipais, estaduais e representantes do governo federal.
A previsão é que até sábado, dia 13 de maio, data em que se comemora a assinatura da Lei Áurea, pelo menos 2,5 mil pessoas tenham participado do evento. O encontro contará com 64 oficinas, 42 atrações culturais, quatro debates tipo mesa-redonda e uma mostra com nove filmes.
Os debates foram iniciados ainda na quarta-feira, tratando sobre cultura, empreendedorismo e mercado. participaram Wâia Santanna (pesquisadora e historiadora de Relações Raciais e de Gênero), João Bosco, da Anceabra, e Manoel de Andrade Correia, assessor da Secretaria de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura.
Os debates continuam nesta sexta-feira (12). Entre os temas estão `Políticas Públicas e Populações Afro-Descendentes`, com a participação do gerente de Políticas Públicas do Sebrae Nacional, Bruno Quick. Ele vai tratar sobre os benefícios da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas na criação de ambiente favorável aos micro e pequenos empreendimentos, incentivando o empreendedorismo, inclusive junto à população afro-descendente.
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