II Encontro de Etnodesenvolvimento Quilombola
Quilombolas de três comunidades do RJ trocaram experiências e fortaleceram a luta pela terra durante os dois dias do II Encontro de Etnodesenvolvimento Quilombola promovido por KOINONIA.
Nos dias 29 e 30 de abril a escola pública Professora Cecília Ferraz, em Itacuruçá, (RJ) foi sede do II Encontro de Etnodesenvolvimento Quilombola, que reuniu as comunidades da Ilha da Marambaia, localizada em Mangaratiba; Alto da Serra, localizada no distrito de Lídice, e Preto Forro, em Cabo Frio.
O evento contou com a presença de mais de cem quilombolas, entre idosos, jovens e crianças.O encontro é parte do Projeto Piloto Etnodesenvolvimento Quilombola, desenvolvido por KOINONIA em parceria com o Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Esse projeto tem o objetivo de capacitar as comunidades envolvidas para desenvolverem projetos de desenvolvimento sustentável. As oficinas de capacitação começaram em agosto de 2005 e serão encerradas em dezembro deste ano.
Memória
“Esperamos que o encontro seja proveitoso e que fortaleça nossa luta pelo título”. A fala de Vânia Guerra, presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia (Arqimar), deu início ao encontro que teve a comunidade da Ilha da Marambaia como anfitriã. Segundo a organização do evento, estava previsto que o encontro se realizasse dentro da Ilha, mas devido às proibições de entrada por parte da Marinha, isso não foi possível.
A primeira atividade proposta aos participantes foi fazer uma retrospectiva do I Encontro de Etnodesenvolvimento Quilombola, realizado na comunidade de Alto da Serra em dezembro de 2005. Os participantes foram divididos em grupos e relataram a importância do primeiro encontro.
Para José Maurício Arruti, coordenador do programa Egbé Territórios Negros de KOINONIA, esses encontros são muito importantes para que as comunidades troquem informações e deixem de ser isoladas. Houve quem destacasse como marcante a despedida, quando a comunidade de Preto Forro disse que esperava Alto da Serra para realização de um novo encontro.
Apresentações
Como sempre acontece nessas ocasiões, houve tempo dedicado às apresentações. Benedito Leite, conhecido por Seu Dito, contou a origem da comunidade de Alto da Serra e aproveitou para destacar a importância do contato com outras comunidades: “Precisamos de união, uma pessoa só não tem força.” Isaías Leite, presidente da Nós da Roça – Associação de Trabalhadores Rurais do Alto da Serra -, completou a fala de seu pai afirmando: “Hoje conhecemos nosso direito e vamos lutar por ele”. Ele agradeceu o trabalho que está sendo desenvolvido por KOINONIA com as oficinas do projeto Etnodesenvolvimento Quilombola e disse que o conhecimento que vem de fora é muito importante.
Também participou da apresentação da comunidade de Alto da Serra Débora Leite, mais uma integrante da associação. Ela destacou a importância do conhecimento de direitos para os quilombolas no Brasil: “O negro no Brasil não tem direito a nada, quanto mais desconhecimento melhor porque assim ele não lutará pelos seus direitos.” A apresentação de Alto da Serra foi encerrada com uma manifestação de apoio aos quilombolas da Ilha da Marambaia: “Estamos nessa luta da Marambaia, não vamos deixá-los sozinhos”, afirmou Sebastião dos Santos, que outro representante da associação.A seguir aprensentaram-se os representantes da comunidade Preto Forro, formada por cerca de 10 famílias que lutam pela terra e enfrentaram problemas com grileiros. Segundo a comunidade, a união dos moradores foi fundamental e os tornou mais fortes para reivindicar seus direitos.
As apresentações foram encerradas com os depoimentos dos representantes da Ilha da Marambaia. Dionato Eugênio, conhecido como Seu Naná e um dos moradores mais antigos da Ilha, agradeceu a presença das comunidades no encontro. Sônia Machado, também quilombola da Marambaia, se disse revoltada com a situação que a comunidade vive na Ilha, mas ao mesmo tempo emocionada com o apoio que os participantes do encontro manifestaram: “Nós temos que continuar peitando, não nos calando, porque é isso que a Marinha quer”, afirmou Sônia.
Alessandra Guerra, de 20 anos, contou que a situação dos jovens moradores da ilha também é muito difícil: “Não temos luz, não temos transporte e não temos trabalho na ilha. É muito difícil freqüentar a escola”.
Após os depoimentos das comunidades, os participantes assistiram uma apresentação de capoeira realizada pelos quilombolas da Ilha da Marambaia. Em seguida cada comunidade produziu uma linha do tempo em que destacaram os marcos de sua história, desde da origem da comunidade até os atuais conflitos fundiários.
Posição da Fundação Cultural Palmares
O primeiro dia de atividades do encontro foi encerrado com um pronunciamento da Diretora de Proteção do Patrimônio Afro-brasileiro da Fundação Cultural Palmares (FCP), Bernadete Lopes. Segundo ela, que já visitou 228 comunidades remanescentes de quilombo por todo país, a forma como a elite brasileira age para impedir os processos de regularização das terras quilombolas é sempre a mesma – e isso é bom porque permite que a FCP e outros que defendem a causa quilombola estejam melhor preparados para reagir. Lopes considera que o processo de regularização fundiária das comunidades quilombolas ainda avançou muito pouco. Por outro lado, a FCP conseguiu fazer com que a temática quilombola passasse a ser uma questão nacional e contribuiu para que diminuísse a força da idéia de quilombo como ‘terra de escravos fugidos’. Ela informou ainda que hoje existem 127 comunidades quilombolas identificadas pela Fundação Cultural Palmares. “Estamos a serviço de vocês”, afirmou Bernadete explicando que hoje a FCP garante assessoria jurídica a todas comunidades remanescentes de quilombo.
Diante dessa afirmação, quilombolas da Marambaia questionaram Bernadete sobre a atuação da FCP no caso deles, perguntando se a Fundação irá pressionar o governo federal a titular as terras remanescentes de quilombo da Ilha. Segundo a diretora, a FCP deve defender as comunidades, mas considera que os conflitos envolvendo órgãos governamentais como Ibama, Aeronáutica e Marinha apresentam mais obstáculos para alcançar resoluções. Ela orientou a comunidade a solicitar oficialmente o apoio da FCP à causa da Marambaia.
Bernadete Lopes encerrou sua participação afirmando que a Campanha Marambaia Livre! será muito importante para resolução do caso dos quilombolas da Ilha da Marambaia.
Ato Público pela titulação das terras quilombolas da Ilha da Marambaia
O segundo dia do encontro foi dedicado ao Ato Público pela titulação das terras quilombolas da Ilha da Marambaia. A manifestação contou com a presença de representantes das comunidades de Campinho da Independência, localizada em Paraty, e de Santa Rita do Bracuí, localizada em Angra do Reis. Também estavam presentes autoridades governamentais e integrantes de entidades da sociedade civil.
Saiba mais sobre o Ato Público pela titulação das terras quilombolas da Ilha da Marambaia lendo a notícia no OQ: CAMPANHA MARAMBAIA LIVRE! REÚNE MAIS DE CEM QUILOMBOLAS EM ITACURUÇÁ
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