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Sociedade civil denuncia desertos verdes e árvores transgênicas

Sociedade civil denuncia desertos verdes e árvores transgênicas

Em evento organizado pelo Fórum Brasileiro de Organizações e Movimentos Ambientalistas (FBOMS), em Curitiba, o tema das monoculturas de eucalipto e pinus voltou à cena. Especialistas reforçaram as denúncias contra o processo da criação de “desertos verdes” que vem acontecendo em estados como RS, BA, ES, BA e MG.

Por Jonas Valente

CURITIBA – Três semanas atrás, duas mil camponesas ligadas à Via Campesina destruíram um laboratório da empresa Aracruz Celulose no Rio Grande do Sul para denunciar os efeitos negativos da plantação de eucalipto em larga escala tanto do ponto de vista ambiental quanto da estrutura fundiária do estado. “Nos mobilizamos no dia 8 para denunciar as desgraças que o agronegócio vem gerando ao Brasil: destruição da agricultura camponesa, aumento da concentração de terras, do desemprego e êxodo rural, e uma enorme destruição ambiental”, explica nota divulgada pela Via.

No evento paralelo à 8ª reunião das partes da Convenção Sobre Diversidade Biológica (COP-8) organizado pelo Fórum Brasileiro de Organizações e Movimentos Ambientalistas (FBOMS) o tema das monoculturas de eucalipto e pinus voltou à cena. Em debate realizado nesta segunda (27), especialistas reforçaram as denúncias contra o processo da criação de “desertos verdes” que vem acontecendo em estados como Rio Grande do Sul, Bahia, Espírito Santo, Bahia e Minas Gerais. O nome faz referência à este tipo de monocultura, que apesar de erguer muitas árvores traz danos ao meio ambiente do local em que é implantada, em especial ao solo das áreas de plantio.

O espaço de denúncia foi marcado pela defesa do ato realizado pelas mulheres da Via Campesina. “A recente açao de 2000 mulheres camponesas contra o viveiro da Aracruz Celulose no Rio Grande do Sul, Brasil, evidencia às claras o nível de rejeição que gera esse modelo florestal, e a necessidade de que os governos e essa convenção adotem medidas para impedir que este tipo de monoculturas socialmente e ambientalmente negativas continuem espalhando-se”, diz a Declaração da Rede Latino-Americana contra as Monoculturas de Árvores que foi distribuída pela organização do evento. “A Aracruz faz barbaridades no Espírito Santo e Bahia a mídia não diz nada, agora a ação das camponesas do Rio Grande do Sul é notícia durante duas semanas seguintes sempre numa perspectiva negativa”, questiona Ana Paula Fagundes, do grupo Defesabiogaúcha.

Segundo Ana Paula, a distorção da mídia fica ainda mais questionável se
avaliado o quadro dramático da implantação dos desertos verdes no País. Ela explica que estas plantações tem assolado o Brasil em um modelo perverso, no qual o país sofre todos os impactos para não obter retorno nenhum sobre esta atividade. “A celulose vai para o hemisfério norte para virar papel higiênico, folder e papelão, e no Sul é que fica a destruição. Um exemplo é a Aracruz, que exporta 98% da celulose produzida. Para que estamos entregando todas nossas terras? E que retorno há nisso? Nenhum. Só destruição ambiental”, criticou.

A opinião foi partilhada por Simone Lovera, da Global Forrest Foundation,
para a qual a monocultura de árvores vem servindo apenas para que empresas possam obter madeira a um custo reduzido para produção fora do país. Segundo a ativista, hoje os países ricos produzem 100 vezes mais madeira do que os países pobres. Enquanto isso, nas áreas usadas para plantação de eucalipto verifica-se a baixa recuperação de solo, redução da absorção de água e pouquíssimos empregos gerados. “Hoje o déficit hídrico é um dos grandes riscos. Estas monoculturas tiram muita água e muitos nutrientes do solo e o crescimento acelerado pode aumentar este tipo de impacto”, alertou Ann Petermann, da organização Global Justice Ecology.

Segundo Carla Villanova, do Núcleo Amigos da Terra do Brasil, um estudo da revista Science revelou que em uma região ocupada pela monocultura de Eucalipto foi detectada redução de 52% no fluxo de água dos rios e 13% dos córregos e rios simplesmente secaram. Para Simone Lovera, é preciso combater o argumento de que este é a única forma de responder à demanda pela madeira no mundo. A ativista defendeu que é possível produzir madeira de forma sustentável, fortalecendo as espécies nativas e a economia local. “Precisamos sair deste ciclo de superprodução, é preciso fortalecer a governança nas comunidades”, disse.

ÁRVORES TRANSGÊNICAS

Outra preocupação manifestada pelos presentes ao debate foi o avanço das monoculturas de árvores geneticamente modificadas (AGM). Segundo Ann Petermann, hoje existe um avanço considerável de áreas ocupadas por estas plantas, cujo impacto ainda não pode ser precisado. Ela citou como exemplo o melhoramento genético que vem sendo feito em células destas árvores para impedir a ação de insetos. “Isso pode prejudicar o equilíbrio ambiental dos ecossistemas pois interfere diretamente na cadeia alimentar”, alertou.

Segundo documento assinado por diversas redes, como Amigos da Terra e Global Forrest Coalition, os potenciais efeitos da liberação comercial das árvores transgênicas incluem a destruição da biodiversidade e da fauna e flora silvestres, a perda de água potável, a desertificação dos solos, o colapso dos ecossistemas e sérios impactos sobre a saúde humana. “Apesar de todas estas previsíveis consequências desastrosas, não foram levadas a cabo avaliações profundas no risco da liberação das árvores transgênicas”, critica o documento.

Na avaliação das entidades da sociedade civil presentes ao evento, a omissão dos governos vem se materializando nas discusssões da COP-8. A Rede Latino Americana contra as Monoculturas de Árvores lançou debate carta que será enviada aos delegados da reunião pedindo a criação de mecanismos de combate a monoculturas e a aprovação da moratória do plantio de árvores geneticamente modificadas. “Essa Convenção continua sem pronunciar-se claramente contra as monoculturas de árvores, e de fato continua assumindo que se trata de florestas plantadas, disfaçando assim o caráter destruidor destas plantações de grande escala”, critica o texto.

Nas negociações da COP-8, a polêmica tem envolvido somente a liberação de árvores transgênicas. O principal obstáculo para que a posição dos movimentos a favor da moratória seja aprovada vem das delegações do Canadá e Austrália. Enquanto um grupo de países pede que cesse o plantio de árvores geneticamente modificadas seja interrompido enquanto são feitos estudos mais aprofundados sobre os impactos ambientais, sociais e para a saúde humana, estes dois países defendem que o tema seja definido apenas na COP-9 e que enquanto isso sejam sistematizadas informações das iniciativas em andamento. Ou seja, não há interrupção e a análise do problema é postergada. A Austrália em particular tem grande interesse pois hoje é um expoente da produção de tecnologia para a modificação genética de eucaliptos.

ESTUDO DE CASO

No debate, foi mostrado de forma mais aprofundada o caso do Rio Grande do Sul, que tem sido um dos alvos preferenciais de empresas como Aracruz, Votorantim e StoraEnso. Segundo Carla Villanova, do Núcleo Amigos da Terra Brasil, hoje há 400 mil hectares de eucalipto, pinus e acácia no estado, com perspectiva de chegar a mais de 1 milhão nos próximos anos. Segundo a pesquisadora, o avanço do deserto verde no Rio Grande do Sul é preocupante pois o governo do estado lançou programa de criação de diversos polos produtores de celulose.

Ela explica que este projeto está sendo viabilizado através do literal loteamento das áreas dos Pampas (Sul do estado). “Este processo é facilitado pois as empresas estão se aproveitando do baixo preço das terras resultante da crise da pecuária na região e estão comprando inclusive áreas que deveriam ser protegidas por serem de importância ambiental e terras de fronteira, cuja venda comprometeria a soberania nacional”, completou Ana Paula Fagundes. Dados apresentados dão conta da destruição de 130 mil hectares de campos por ano. Para Ana Paula Fagundes, este problema não é apenas do Rio Grande, pois além de destruir o ecossistema do estado o processo tem impactos na Amazônia, que está se tornando a nova fonteira da criação de gado.

A principal crítica dos debatedores foi não só a conivência mas o estímulo dado pelos governos federal e estadual. “O governo não só injetou na Aracruz R$ 218 milhões nos últimos dois anos como é sócio da empresa através do BNDES, com 12,5% das ações”, criticou Carla Villanova. “O Governo Federal investiu R$ 1,5 bilhão na fábrica da Aracruz em Eunápolis (BA)”, denunciou Melquíades Spinola, do Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (CEPEDES).

Bahia e Espírito Santo são outros estados nos quais a ação da Aracruz vem
sendo denunciada pelos movimentos sociais. Em relação ao caso baiano, o
representante do CEPEDES expôs filme contando um pouco do histórico da ação da empresa no estado, com ocupação ilegal de terras, destruição da mata e prejuízos ao meio ambiente. A crítica à empresa foi endossada por Domingas Deodina, quilombola da região do norte do Espírito Santo.

“Na nossa região, os efeitos maléficos do deserto verde da Aracruz são diversos: as famílias que ainda permanecem se vêem cercadas por eucaliptos com forte segurança, a energia quase não chegou por que a empresa se negava a retirar os eucaliptos da beira da estrada e três crianças morreram envenenadas, sendo que a Aracruz colocou no laudo que a causa da morte foi alcoolismo”, testemunhou. Segundo Domingas, dos anos 70 até agora houve uma redução de 10 para 1,5 mil famílias quilombolas na região.

< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

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