Culinária ancestral
Programa estimula o cultivo de alimentos da cultura africana nos terreiros e comunidades quilombolas
O presidente da FAO, Jacques Diouf, veio a Salvador para conhecer projeto que beneficia afrodescendentes
Por Ana Carolina Araújo
A Bahia encontrou uma nova forma de trabalhar no combate à fome: estimular que os negros resgatem sua cultura alimentar ancestral, bastante ligada à agricultura familiar, através das atividades desenvolvidas em terreiros de candomblé e em comunidades quilombolas. Interessado na iniciativa, que ganhou o nome de Projeto Kaitumba, o presidente da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Jacques Diouf, veio a Salvador para participar, na manhã de ontem, da XV Plenária de Segurança Alimentar e Nutricional da População Negra do Estado da Bahia, que aconteceu no Terreiro Mansu Kuekuê Inkinasaba Filha. Também vieram a Salvador para o encontro o
representante da FAO no Brasil, José Tubino, e o secretário nacional de Segurança Alimentar do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Onaur Ruano.
O Kaitumba é capitaneado pela Rede de Comunidades Organizadas da Diáspora Africana (Kôdya), em parceria com Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (Acbantu). As atividades incluem as hortas e unidades de beneficiamento, além de cozinhas comunitárias, que ministram cursos de preparo de alimentos de acordo com a cultura africana tradicional. Todo o trabalho é feito com apoio da Secretaria Municipal de Reparação (Semur) e recursos do Ministério da Saúde e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), através do programa Fome Zero.
Durante o encontro, os representantes da várias entidades insistiram em destacar a necessidade de motivar as comunidades à agricultura familiar, tendo o desenvolvimento como produto dos programas assistenciais. “É uma emoção ver uma comunidade afrodescendente trabalhando por uma segurança alimentar sustentável, usando sua força, trabalho e inteligência para o seu crescimento, de sua família e do seu país”, vibrou o presidente da FAO, Jacques Diouf.
Medalha – A declaração de Diouf se refere às famílias do terreiro, que fica em Cajazeiras, que passaram da dependência da cesta básica à venda de seus produtos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da Conab. O programa compra a produção de agricultores familiares para atender às famílias cadastradas no Fome Zero. No encontro de ontem, o programa baiano recebeu a medalha do Dia Mundial da Alimentação, direcionada a grupos que tenham trabalhos bem sucedidos na área de segurança alimentar e erradicação da fome.
Em 2005, comunidades de cerca de 600 terreiros de candomblé, além de quilombolas e dos grupos afetados pela contaminação de chumbo em Santo Amaro, foram cadastradas pela Acbantu e passaram a receber cestas básicas mensalmente. Embora o recurso seja federal, toda a articulação dos beneficiados é organizada pelas entidades locais.
“Essa é a fórmula do sucesso para programas deste tipo. Precisamos articular os poderes públicos e a sociedade civil”, declarou o secretário nacional de Segurança Alimentar, Onaur Ruano. Ele lembrou ainda que não existe nenhuma ligação entre a escolha das comunidades para receberem recursos e sua matriz religiosa. “Chegamos aonde a comunidade se organiza. Neste caso, o que os une é a matriz religiosa, mas poderia ser qualquer outra coisa”.
Fidelidade à terra
Muitas famílias negras deixam sua cultura e terra natal em busca da vida na cidade, e acabam passando necessidades piores. “A fidelidade ao que a terra dá a essas comunidades, unida à articulação do poder público, é sem dúvida a melhor forma de garantir sua segurança alimentar”, explicou o representante da FAO no Brasil, José Tubino.
Conscientes do problema, os coordenadores dos terreiros onde o programa acontece estão apostando na implantação das cozinhas comunitárias, que deve acontecer ainda este ano em terreiros de candomblé em Salvador, Santo Antônio de Jesus e Santo Amaro. Para Lindalva Santana, do Terreiro Mansu Kuekuê, essas cozinhas serão um estímulo para a transmissão dos legados ancestrais, ligados à preparação de alimentos e medicamentos naturais.
Inteirada com a realidade local, a Conab elaborou uma lista de produtos diferenciada para distribuição nos terreiros baianos. Aipim, água de coco, pescada e banana da terra estão entre os produtos, ausentes da cesta básica em outras partes do país, mas que fazem parte da culinária tradicional africana.
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