Negros de Sibaúma querem nova alforria 118 anos depois da Lei Áurea
Após 118 anos da conquista da alforria com a promulgação da Lei Áurea, os negros ainda lutam por liberdade. Agora, por uma liberdade diferente: a de preservar seus costumes e sua terra, garantida por Decreto Federal. Essa é a situação encontrada na comunidade remanescentes de quilombola em Sibaúma, a 90km de Natal e próxima a praia de Pipa. A disputa agora não é mais contra senhores de engenho ou proprietários de suas cartas de alforria, como ocorreu durante 350 anos de regime escravocrata. Hoje, a luta é contra latifundiários, um carcinicultor ou mesmo a especulação estrangeira, que visa a região de paisagem paradisíaca. Há, inclusive, projeto de criação de uma nova Pipa. O Poti visitou a comunidade de Sibaúma (uma das cerca de 50 comunidades negras no Estado) e relata a seguir o cotidiano dessa população quilombola, suas práticas culturais e de sobrevivência. E traz ainda a constatação de desmatamentos em Áreas de Proteção Ambiental ou mesmo placas de ‘‘Vende-se’’ espalhadas em plena duna.
O carro da reportagem parou na entrada da comunidade quilombola para ler os escritos da placa: ‘‘Área de Preservação Ambiental. Lei 1950, de 20 de agosto de 1996. Distrito de Sibaúma, Tibau do Sul. Historicamente o local era antigo quilombo’’. O que se viu adiante quebrou qualquer impressão inicial. O repórter da revista Realidade Talvani Guedes da Fonseca constatou, em 1969, ‘‘uma pequena vila com nove casas à vista, afastadas dez metros uma da outra. Uma rua de um lado só. E ao redor, areia, coqueiros e mato’’. Os cenários da comunidade quilombola de Sibaúma, hoje, possuem hotéis, resorts, praça, escola, posto de saúde e 72 famílias, sendo 47 de remanescentes de quilombo. Nos latifúndios, casas de veraneio, já próximas ao mar ou sobre as dunas. Um restaurante-fazenda foi construído nas margens do rio Catu, que corta o distrito. Viveiros de camarão, também no rio, já devastaram hectares de mangue e mata atlântica, segundo laudo do Ibama.
Algumas poucas famílias mantêm suas tradições e costumes. Ainda vivem da agricultura e pesca de subsistência em faixas de terra afastadas, e evitam freqüentar o centro da comunidade de Sibaúma, com medo da aculturação já presente nos quilombolas. ‘‘Eles não gostam de branquelo’’. Foi essa a afirmação do presidente da Associação de Remanescentes Quilombolas de Sibaúma, Francisco Nicácio, para convencer a reportagem a também evitar contato com essas famílias. Ele nos acompanhou durante todo o trajeto para denunciar o que chamou de injustiça, invasão e destruição do meio ambiente, seja por latifundiários ou por um carcinicultor.
“Ô, meu irmão! Você veio para denunciar as injustiças que sofremos ou para dar voz a estes invasores?”, perguntou Francisco Nicácio (conhecido como Tiego) a equipe de reportagem que caminhava para conversar com o veranista.
“O mesmo direito que ele tem de falar com você, eu também tenho de falar com ele, rapaz!”, revidou o veranista que não quis se identificar. Ele comentou que está no local há 15 anos e que sua propriedade está regularizada. Mas que se retira do local caso receba uma indenização compensatória. E também perguntou ao repórter:
– Qual o melhor, deixar as terras para esses negros ou o desenvolvimento da região?
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