Terras podem ser de quilombo
Famílias reivindicam, junto ao MPF, 3.748 hectares que envolvem a área habitada da vila
DOURADOS – Após o conflito de 10 anos envolvendo índios e colonos no Distrito de Panambi, que culminou favorável à demarcação das terras em favor dos indígenas, começa agora uma nova disputa, desta vez envolvendo os agricultores de Picadinha e os negros que vivem em uma pequena quilombola.
As 12 famílias que residem em 40 hectares de terras pedem a demarcação de uma área de 3.748 hectares, localizada a partir da Base Operacional da Polícia Rodoviária Estadual – do lado direito para quem segue para o Distrito de Itahum -, até a área habitada da localidade de Picadinha.
O presidente da Associação da Comunidade Negra Rural Quilombola Dezidério Felippe de Oliveira (Arqdez), Ramão Castro de Oliveira, disse ontem a O PROGRESSO que no próximo dia 10 haverá uma audiência para tratar do assunto com o procurador Charles Stevan Mota Pessoa.
Ramão Oliveira estava ontem em Campo Grande tentando viabilizar alguns projetos à comunidade junto a Coordenação Nacional dos Quilombos. A Associação vai completar um ano no próximo dia 12.
As famílias residentes nos quilombos são descendentes de Dezidério Felippe de Oliveira, que viveu na região antes da abolição da escravatura. Ele chegou no início no século XX fugido de Minas Gerais, se instalando na localidade de Vista Alegre, em Maracaju. Em 1905 se instalou na região de Picadinha, onde constituiu família e viveu em comunidade até morrer.
Ramão Castro de Oliveira conta que seu bisavô nasceu em 1867, em Uberaba (MG). Era casado e tinha 12 filhos. Em 1905 veio para Dourados tocando uma comitiva e, por desentendimento com o capataz, decidiu ficar.
Ele foi escravo e testemunho da abolição da escravatura em 1888. Em Dourados, conseguiu a posse de 3.748 hectares de terra na cabeceira do córrego São Domingos, onde hoje está localizado o Instituto Agrícola do Menor (Iame) e a localidade urbana de Picadinha. Dezidério trabalhou como lavrador, foi inspetor de quarteirão e participou da Revolução de 1924.
Conforme Ramão Castro, Dezidério morreu em 1935 e só após a sua morte as terras foram tituladas definitivamente. Isso, segundo ele, gerou as invasões de fazendeiros e grande parte dos herdeiros foi obrigada a sair da área, principalmente pela pressão que vinham sofrendo e pela falta de condições financeiras para produzir.
A área já foi reconhecida como área de quilombo pela Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. A entidade foi criada em 1988. O processo de demarcação, no entanto, foi interrompido pelo Incra de Mato Grosso do Sul.
No Estado já há duas comunidades beneficiadas com terras tuteladas. São cerca de 130 famílias vivendo em uma área de 2.434 hectares. A Furnas do Dionísio, em Jaraguari, com 1.031,89 hectares, tem 100 famílias. A Furnas da Boa Dorte, em Corguinhos, tem 1.402,89 ha, e conta com 40 famílias. As duas foram reconhecidas em 2000.
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