Regularização de territórios de quilombos: mudanças na legislação
Desde o início de 2005, os movimentos sociais têm apontado a existência de problemas no processo de titulação de territórios quilombolas. Entre os entraves, seria possível assinalar a
lentidão do procedimento e os resultados exíguos obtidos pelo governo federal na sua política de regularização de territórios étnicos.
Pelos dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário, apenas três comunidades do Pará foram tituladas, em 2004. Para o ano de 2005, é esperada a conclusão dos processos de titulação de dez áreas nos estados do Pará, Bahia, Maranhão, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Amapá e Piauí. A titulação dos territórios quilombolas provoca um enfrentamento direto com as estratégias de monopolização de terra no Brasil. O país apresenta altos índices de concentração fundiária e as políticas desenvolvimentistas do governo federal não garantem a existência de mecanismos compensatórios nem a consulta a comunidades impactadas pelos megaprojetos. Além disso, a pouca agilidade conferida aos dispositivos que regulamentam a aplicação do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) agravam o problema.
Historicamente, as políticas de regularização fundiária tiveram uma trajetória conturbada no Brasil. As minorias politicamente desfavorecidas, étnicas ou de classe, sempre foram deixadas em segundo plano nos programas oficiais para o setor.
O direito de propriedade segue enquanto lógica hegemônica da retórica dos grupos que controlam setores importantes de poder. Quanto aos quilombolas, argumentos tendenciosos
desvalorizam sua lógica de apropriação cultural do território e seu direito de auto-deteminação. Estimativas não oficiais apontam para a existência de mais de 2 mil comunidades que juntas poderiam somar 5 por cento do total do território nacional.
A regularização fundiária das áreas quilombolas é um poderoso instrumento de redistribuição de terras no Brasil, proporcionando oportunidade de autonomia e auto-sustentabilidade para populações excluídas de meios dignos de existência. (Veja artigo de Alfredo Wagner de Almeida, www.cohre.org/quilombos).
Manter uma significativa parcela da população negra brasileira subjugada a relações cotidianas, onde a permanência em suas terras é constantemente negociada por meios informais, é assegurar a manutenção de relações tradicionais de clientelismo e condenar pessoas a conviver com a incerteza quanto a garantia do respeito a seus direitos à propriedade e moradia adequada.
Neste contexto, é importante a análise da legislação que estabelece os procedimentos para regularização dos territórios quilombolas no Brasil. O art. 68 do ADCT/CF que garante aos
remanescentes das comunidades dos quilombos a propriedade de suas terras levou cerca de 13 anos para ser regulamentado. Hoje, é normatizado pelo Decreto 4.887/2004 que substituiu o anterior e pela IN 20, publicada em setembro de 2005.
O Decreto 4.887/2003 avança ao adotar dispositivos previstos na legislação internacional de direitos humanos de proteção ao direito à terra e moradia e ao estabelecer critérios e competências para a titulação dos territórios. Porém, algumas limitações ainda permanecem.
O procedimento de titulação é extenso, a combinação de ações administrativas e judiciais, como a desapropriação e reassentamento, exaurem o procedimento em termos de tempo de
tramitação, dispêndio de recursos financeiros e sobrecarga burocrática das próprias comunidades que não estão familiarizadas com esses trâmites.
Além disso, há imprecisão quanto aos critérios de solução de conflitos fundiários. Embora sejam arroladas uma série de situações que podem levar a conflitos de uso do solo, o decreto não é objetivo ao definir os critérios que pautam os “interesses de Estado’’ em relação aos territórios quilombolas ou os instrumentos a aplicar nas situações de conflito. A legislação tão pouco assegura mecanismos de participação ou consulta às comunidades, caso ocorram conflitos fundiários durante o procedimento de titulação. A forma de participação quilombola também é ambígua. Embora esteja assegurada ao longo das ações de titulação, não está especificada no texto do decreto.
O decreto exige a formação de associações legalmente constituídas nas Comunidades de Quilombos para que a titulação se efetive, mas este não é um processo simples ou barato pois implica na chancela de advogados e pagamento de taxas de registro. Somase a isso o fato de que o novo Código Civil tornou o processo de registro das sociedades civis mais complexo.
Por outro lado, mesmo que o decreto determine a criação de um Conselho Gestor para monitorar as ações de titulação não garantiu a participação de representantes das comunidades quilombolas nesta instância. Várias são as limitações do decreto, todas passíveis de debate com os setores da sociedade envolvidos nas diferentes fases de discussão sobre o procedimento de titulação. Com a intenção de agilizar o processo de regularização dos territórios quilombolas, o INCRA aprovou a Instrução Normativa 20/2005, através da Resolução n. 20, de 19 de setembro de 2005, que substituiu a IN 16/2004.
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