Quilombolas entram na era da internet
Quilombo plugado
Comunidade quilombola de Ivaporunduva, no Vale do Ribeira, ganha telecentro para fortalecer a capacitação e a educação de jovens e adultos, acompanhar a execução de benefícios e direitos e oferecer espaço de leitura e lazer. A idéia é abrir o acesso aos computadores para outros quilombos da região.
Mateus Ribeiro da Silva tem 7 anos e está vidrado com os computadores instalados perto de sua casa. Ele e sua amiga Talia Pedroso de Moraes, 8 anos, passam as tardes rondando a sala onde as máquinas estão ligadas. “Já usei umas dez vezes”, conta ela. “Eu gosto de escrever estórias de bruxa e de jogar”, diz ele. Os meninos moram no quilombo de Ivaporunduva, às margens do rio Ribeira de Iguape, no interior de São Paulo. No começo de outubro, Ivaporunduva foi contemplado com a instalação do primeiro telecentro em uma comunidade quilombola do Vale do Ribeira.
O quilombo foi plugado por meio de uma parceria entre o Banco do Brasil, o Instituto Socioambiental, a Associação Quilombo de Ivaporunduva e o governo federal, por meio do programa Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), do Ministério das Comunicações, que visa promover a inclusão digital no País. Enquanto o BB entrou com dez computadores e o governo com a antena que permite conexão via satélite, o ISA prestou a assessoria para o funcionamento do centro e treinamento dos moradores do quilombo. Todos os computadores estão equipados com software livre.
A antena que permite a conexão via satélite é fundamental para o telecentro porque a comunidade não tem linha telefônica. Isso provoca dias de pane, quando todos os computadores perdem acesso à internet, principalmente em dias nublados ou com chuva constante. Mas, para quem não tem telefone e agora está conectado à rede mundial de computadores, a novidade não deixa de empolgar – principalmente os mais novos. “Já tem criança fazendo trabalho da escola buscando informações na internet”, diz Alexandro Marinho, coordenador da associação local.
Alexandro diz que a rede também poderá potencializar o desenvolvimento dos projetos de alternativas econômicas de Ivaporunduva, como a produção e comercialização da banana orgânica, do artesanato em palha de bananeira e mesmo do turismo. “Em breve poderemos criar uma página sobre os quilombos do Vale do Ribeira”, vislumbra. O quilombola diz que o telecentro também irá fortalecer a capacitação e a educação de jovens e adultos.
Estudar as palavras
Olavo Pedro da Silva Filho, 24 anos, afirma que a internet é antes de tudo “conhecimento”. “Como a gente fica meio isolado aqui no bairro, recupero na rede reportagens que passaram na televisão e depois envio para meus amigos”. Olavo diz que ele e seus vizinhos estão consumindo todo tipo de informação, cada um a partir de seu gosto próprio. “Tem aquele que fica procurando os gols da rodada, Obrigado(a), outro não sai da sala de bate-papo e ainda tem o que passa horas pesquisando coisas da nossa história”. Leandro Veiga, de 15 anos, por exemplo, tem aproveitado o tempo para navegar na internet. “Leio sobre esportes, que gosto muito, mas acho que o melhor de tudo é que agora temos como estudar as palavras”.
Alexandro e Olavo foram dois dos três jovens quilombolas que passaram por um treinamento para dominar as ferramentas básicas do pacote do software livre. Têm agora a responsabilidade de passar esse conhecimento adiante, possibilitando o acesso de todos ao computador e à internet. “Já temos 74 pessoas inscritas na lista de treinamento”, diz Alexandro. “Nossa idéia é incentivar inclusive que outros quilombos da região acessem os computadores”.
Alguns adultos estão entre os inscritos para o treinamento. Se interessam em conhecer e aprender a mexer na novidade, principalmente no programa de correio eletrônico. “Quero saber se posso conferir e atualizar meus documentos por aí”, diz a artesã Marina Forquim, 44 anos. Sua colega Maria da Guia, uma das lideranças da comunidade, quer aprender a usar as máquinas para checar em que pé estão os processos de aposentadoria das mulheres mais velhas da comunidade e os auxílios-maternidade daquelas que estão grávidas. “Vai ser ótimo acompanhar nosso direitos sem ter que ir sempre para a cidade”, diz ela.
Os principais usuários até agora, porém, são as crianças e jovens entre 10 e 25 anos. Enquanto elas se acotovelam diante das telas dos computadores, o campinho de futebol do quilombo – antes o único espaço de lazer da comunidade – vai se acostumando a ter, no novo telecentro, um concorrente pelo título de lugar mais disputado de Ivaporunduva. Um bem-vindo concorrente.
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