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Bairro ganha obras por ser quilombo

Sede de uma experiência-piloto que reconhece quilombos urbanos, Engenho Velho da Federação terá requalificação urbana

Cleidiana Ramos

A aplicação do decreto presidencial que cria o conceito de quilombos urbanos começa a mostrar-se como o meio de as comunidades da periferia terem mais atenção do poder público. No Engenho Velho da Federação, principalmente nas comunidades em torno dos terreiros de candomblé, o momento é de expectativa para ver concretizados os convênios de intervenção no bairro em reconhecimento da sua condição de quilombo urbano. O governo federal e a prefeitura assinaram, na última segunda-feira, um documento que garante a liberação de R$ 300 mil para a realização de melhorias urbanas na área, priorizando os
locais de acesso aos terreiros.

É uma vitória de um conceito ainda novo, mas que é de grande utilidade para a população negra. Quilombo urbano está sendo definido como uma localidade que tem história de resistência da herança afro-brasileira e um sentido forte de territorialidade e de comunidade. Essa interpretação foi possível com a publicação do Decreto 4.887/2003 que ampliou a definição até então centrada nos espaços rurais herdeiros das comunidades que, historicamente, serviram como espaço de refúgio e luta contra a escravidão.

No caso do Engenho Velho, os terreiros foram fundamentais para que o bairro fosse escolhido para um projeto-piloto, pois são entendidos como marcos de resistência negra.

A escolha do bairro e levantamento dos terreiros ficou a cargo da Secretaria Municipal da Reparação (Semur) e da Secretaria Municipal de Habitação. O projeto prevê melhorias, como construção de escadas, contenção de encostas dentre outras medidas. Além disso, a Praça Doné Runhó será revitalizada, com limpeza e reforma dos gradis, resgatando a importância que ela tem para o povo do candomblé.

Homenagem a uma das altas sacerdotisas do Terreiro do Bogum, uma das poucas casas de tradição jeje na cidade, é a única homenagem pública a uma sacerdotisa das religiões de matrizes africanas.

“A importância desse projeto é que se trata de uma política pública voltada para os territórios étnicos com ênfase na visibilidade que se dá à importância dos terreiros de candomblé para o valorização e resgate da identidade negra”, avalia Gilmar Santiago, secretário municipal da Reparação.

O babalorixá Osvaldino Moreira, conhecido como pai Ducho de Ogum, conta que diante do abandono em que se encontrava a Rua Nossa Senhora Auxiliadora onde fica o seu terreiro, o Ilê Axé Auá Negy, tomou a iniciativa de organizar um mutirão para a construção de uma
escada que dá aceso às áreas que ficavam na parte mais baixa.

“Quem não pôde entrar com material de construção fez doação de comida para os trabalhadores ou até mesmo trabalhou na obra. Se esse projeto contemplar essa área aqui vai ser muito bom, pois a nossa luta é longa”, completa o babalorixá.

A poucos metros do Auá Negy fica o Terreiro Ilê Axé Oyó Bomi da ialorixá Elizabete Santos Conceição, a mãe Bete. A Casa foi fundada em 1967.” Eu tenho muita fé nos orixás e agradeço a eles que o poder público esteja empenhando em resolver essa questão. É uma conquista que chega por meio dos terreiros mas que vai servir para todos, inclusive os que não são do candomblé”, destaca mãe Bete.

“Não importa que a melhoria chegue por causa do terreiro, pois o importante é que está beneficiando a comunidade e essa coisa de religião é cada um respeitando a do outro”, diz Ademar dos Anjos, membro da família evangélica, que mora na 2ª Ladeira da Rua da Paz,
onde fica o Tterreiro Obá Tony.

Projeto em Salvador será copiado

A experiência que está sendo realizada no Engenho Velho da Federação vai servir de exemplo para outros locais do País. A explicação é da ministra, Matilde Ribeiro, 45 anos, titular da Secretaria Especial para as Políticas de Promoção para a Igualdade Racial (Seppir). Na última segunda-feira ela esteve em Salvador participando do seminário “Quilombos Urbanos, políticas públicas de inclusão social em territórios negros das cidades brasileiras”, quando foi assinado o convênio para obras no bairro e falou com A TARDE sobre as ações relacionadas a quilombos que têm sido feitas no Brasil e que tem previsão de investimento até 2007 de mais de R$ 130 milhões.

O conceito de quilombos urbanos é novo. A iniciativa no Engenho Velho da Federação será levada para outros locais?

A Seppir desencadeou um processo de discussão sobre a definição de quilombos urbanos em todo o País e pretende mobilizar a sociedade civil para agir junto com os poderes públicos locais e federal com o objetivo de expandir essa experiência. Serão procurados
principalmente os setores que têm o conceito de territorialidade bem definido, como as comunidades de terreiros e o movimento negro.

Por que o caso das famílias Sacopã e Silva são referência de quilombos urbanos?

A família Silva é uma comunidade localizada no centro de Porto Alegre, considerada um quilombo urbano, que concentra um importante acervo de tradição étnico-racial negra. Por estarem próximas a áreas nobres de grande interesse para o mercado imobiliário, as famílias
foram ameaçadas de expulsão. Iniciaram um processo judicial para obter reconhecimento do seu território e preservação dos seus valores culturais, com base no decreto 4.887/2003, que obriga o Estado a preservar esse patrimônio. A comunidade de Sacopã, no Rio
de Janeiro, tem uma história similar, pois se situa em uma área em que existe grande especulação imobiliária. O processo judicial ainda não foi definido, mas foi iniciado nas mesmas bases da Família Silva. Ou seja, a questão foi federalizada. Uma ação de usucapião seria muito mais frágil no campo judicial.

Que lições podem ser tiradas dessas experiências?

O Decreto 4887/2003 restabelece a compreensão de que o Estado é responsável pela preservação de sua história e da identidade de segmentos que vinham tradicionalmente sendo expulsos de seus espaços.

Como funciona o Projeto Brasil Quilombola?

O Programa Brasil Quilombola é uma iniciativa do governo federal com base no Artigo 68 da Constituição Federal e no Decreto 4887, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por
remanescentes de quilombos, além de definir competências dos órgãos envolvidos na implantação de políticas públicas que garantam o desenvolvimento sustentável dessas comunidades. Envolve ações de quase todos os ministérios, tais como eletrificação rural,
saneamento, transferência de renda, empreendedorismo, educação e saúde.

Quantos quilombos existem hoje no Brasil?

Foram identificados oficialmente 1.951 quilombos.

Qual é o total dessas áreas na Bahia?

Essa informação ainda é desconhecida. Existe um termo de cooperação com o IBGE para fazer a identificação geoespacial de áreas ocupadas pela população negra, que levantará esse e muitos outros dados sobre comunidades quilombolas em todo o País.

< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

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