Parceria para regularização fundiária dos Kalungas
Incra faz parcerias para agilizar mapeamento de Sítio e dar assistência aos quilombolas Kalungas
A Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para o Distrito Federal e Entorno de Brasília (SR-28), está trabalhando em parceria com IBGE e Agência Goiana de Desenvolvimento Rural e Fundiário (Agência Rural) para agilizar as ações de mapeamento e regularização fundiária da comunidade Kalunga – a de maior área do Brasil, com cerca de 253 mil hectares. A parceria busca atender aos pouco mais de quatro mil quilombolas que moram nas cerca de 28 comunidades Kalungas que existem dentro do Sítio.
Um Termo de Cooperação Técnica assinado entre o Incra, através da SR-28, e a Agência Rural foi publicado no Diário Oficial da União no início de agosto. O documento define objetivos da cooperação, que são: identificar, reconhecer, delimitar, demarcar, regularizar, desobstruir e titular as terras do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga ocupadas por remanescentes de quilombos nos municípios de Monte Alegre de Goiás, Teresina de Goiás e Cavalcante – todos no Nordeste goiano.
Pelo documento, as áreas de ocupação ilegal (sem título de posse) em terras devolutas do governo do estado terão a atuação da Agência Rural, que prevê haver 50% da área nesta condição. A outra parte, de desapropriação de proprietários legalizados, seria da alçada do Incra. Mas os trabalhos se dariam de forma conjunta. O Termo prevê ainda a participação da Procuradoria Geral do Estado, que atuaria com apoio jurídico, avaliação das terras (juntamente com o Incra), prestação de contas e relatórios.
O documento prevê ainda recursos federais da ordem de R$ 16 milhões para serem utilizados pelo Incra na desapropriação de terras, pagamento de benfeitorias e despesas de custeio técnico. A maior parte, R$ 14,2 milhões, é em Títulos da Dívida Agrária (TDA) a serem pagos pela desapropriação de áreas legalizadas dentro do Sítio, de propriedade de pessoas não-quilombolas. As áreas ilegais terão somente as benfeitorias pagas, pois as terras são do estado.
A definição dos limites da área foi estabelecida por uma lei estadual de 1995 que criou o Sítio Histórico Kalunga. A lei tem como base levantamentos arqueológicos de áreas ocupadas há varias gerações por remanescentes de quilombos para lá fugidos da escravidão ou libertados com a Lei Áurea, em 1888. Durante o século XX, fazendeiros foram ocupando as áreas quilombolas e expulsando os Kalungas. Essa lei ganhou força em 2000, quando o governo federal imitiu o Título de Reconhecimento e Domínio da área de 253,19 mil hectares em favor do estado de Goiás. A área é tão grande que forma um enorme retângulo, ocupando um espaço equivalente a 253 mil campos de futebol.
Ações conjuntas
Atualmente o governo federal atual na área em várias frentes, como fornecimento de energia elétrica, construção de casas e abastecimento de água encanada, escolas, etc. O governo do estado atua na assistência técnica, extensão rural e projetos agropecuários para os quilombolas, construção de estradas, assistência à saúde, vacinação de animais, etc. As ações são em conjunto com os governos municipais.
Mas a efetiva ação governamental depende deste primeiro passo, que é composto pela definição precisa dos limites, desapropriação e retiradas de ocupantes não-quilombolas. Como há fazendeiros nos trechos mais planos e apropriados à agricultura e pecuária, com a retiradas deles os Kalungas – que hoje ocupam pés de serra ou áreas cheias de pedras e solo pouco fértil –, irão para tais locais. Com a retirada dos fazendeiros e a mudança dos Kalungas, as áreas isoladas onde muitas pessoas moram seriam transformadas em santuários ecológicos, não necessitando de estradas, energia elétrica, entre outras obras de infra-estrutura.
Na busca por ter seus direitos reconhecidos, muitos Kalungas têm lutado junto com o Incra na regularização fundiária do Sítio. Cirilo dos Santos Rosa é um kalunga típico, com pouca instrução, baixo nível de renda e muita esperança em ver seus 11 filhos com um futuro melhor. “Na minha área trabalho de roça, crio frango e vaca. Ganho uns trocados como guia turístico no Sítio. Tem mês que não consigo nem R$ 100. O governo já está trazendo benefícios, mas precisamos de mais. Precisamos muito de estradas para nos locomover e o progresso chegar aos Kalungas. Espero um futuro melhor para meus filhos”, afirma o Kalunga de 51 anos de idade.
Efetivação
A parceria já está agilizando as ações dos dois órgãos. Isso porque, ainda em agosto, cinco fazendas, com um total de 10 mil hectares, foram notificadas e estão passando por vistorias e avaliações das benfeitorias. Outros 20 processos de desapropriação de imóveis rurais localizados dentro do perímetro do Sítio Histórico Kalunga foram levados de Brasília para o escritório do Incra em Cavalcante, a fim de que sejam feitos levantamentos nos cartórios de registro e elaboração das notificações para realizações de vistorias e avaliações. A previsão é de que até a metade do mês de setembro os proprietários destes 20 imóveis recebam as notificações. Todos eles serão desapropriados por estarem dentro do Sítio. Com o mapeamento da área, haverá a possibilidade de verificar com segurança quais os fazendeiros que estão dentro do Sítio e, assim, agilizar os processos de desapropriação.
Segundo o superintendente da SR-28, Renato Lordello, o mesmo trabalho de mapeamento feito na região Kalunga será estendido aos trechos não-quilombolas para reduzir a pressão por terras. “Temos como objetivo buscar áreas para assentamento de reforma agrária, no sentido de também disponibilizar lotes a sem-terra de trechos mais tumultuados, como o Distrito Federal. Porque dentro do DF há carência de terras, pois a maioria das áreas é de preservação ambiental”, assegura Lordello.
Com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a SR-28 tem desde junho deste ano uma parceria para instalar marcos de referências geodésicas nos três municípios onde o Sítio Kalunga está inserido.
A atividades tem três etapas. Na primeira, que foi realizada entre junho e julho, técnicos com Incra e do IBGE estiveram em Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás, onde escolheram os locais e a implantação dos marcos – que são pontos feitos em concreto armado, fincados ao chão. São seis marcos, dois por município. Na segunda etapa, realizada de 1º a 12 de agosto, foram feitas nos locais dos marcos as medições dos posicionamentos.
A terceira fase se dará no Rio de Janeiro, nos computadores de grande porte do IBGE, nos quais os números, coordenadas medidas em cada marco, serão processadas, calculadas e inseridas no Sistema Geodésico Brasileiro. Esta fase será concluída até o dia 15 de setembro deste ano, com resultado publicado no Diário Oficial da União. A parceria com o IBGE é para atender a Lei 10.267/01, que exige que todo imóvel seja georeferenciado ao Sistema Geodésico Brasileiro. “Esses marcos vão permitir verificar se o imóvel existe, se está naquele local indicado e se foi demarcado corretamente. Isso acaba com a grilagem, que ocorre quando alguém diz ser dono de uma terra que não tem. Os marcos permitem localizar no espaço o imóvel rural que se busca”, assegura Marcos Oliveira, engenheiro agrimensor do Incra e coordenador do projeto de georreferenciamento da SR-28.
Ainda faz parte desta parceria entre Incra e IBGE a implantação de marcos geodésicos e suas respectivas medições e inserções no sistema geodésico brasileiro dos 43 municípios da área de abrangência da SR-28 localizados em Goiás, Minas Gerais e o Distrito Federal. Essas implantações e medições serão iniciadas em 2006.
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