Nota pública de quilombola sem repúdio à decisão do TRF
Nota Pública das Comunidades Quilombolas – Região de Bom Jesus da Lapa – Oeste da Bahia
Nós, comunidades remanescentes de quilombos da região oeste da Bahia, movimentos sociais e organizações não governamentais, abaixo assinados – reunidos nos dias 09 e 10 de agosto no Centro de Treinamento de Líderes, em Bom Jesus da Lapa, com o MEC, SEPPIR, INCRA, Fundação Cultural Palmares, Universidades, prefeituras e secretarias municipais de educação para discutir políticas públicas para as comunidades quilombolas – vimos manifestar nosso total REPÚDIO à lamentável, injusta e ilegítima decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª região,do Rio Grande do Sul, que, acompanhando por unanimidade o voto do Desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, acatou recurso impetrado pelos donos de terras no Rio Grande do Sul contra a Fundação Cultural Palmares no Mandado de Segurança 20471000394218-6, suspendendo
os efeitos da portaria nº 19/2004, através da qual 28 comunidades são oficialmente reconhecidas e certificadas como remanescentes de quilombos pela FCP, declarando ainda o relator que o decreto 4887/2003 fere o direito de propriedade.
A decisão repudiada está em total descompasso com o contexto nacional, onde assistimos a um avanço significativo no reconhecimento institucional dos direitos na área da promoção da igualdade racial, com uma série de medidas de políticas afirmativas adotadas pelo Governo Federal, a exemplo da Lei 10639 que torna obrigatória a inserção no currículo escolar do “Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” , o incremento da política de cotas na universidade e a eleição deste ano de 2005 como Ano Nacional de Promoção da Igualdade Racial. A decisão do Juiz fere também cartas internacionais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, recentemente ratificada pelo Brasil e que garante a proteção e o respeito aos modos de viver e fazer das comunidades remanescentes de quilombos, incluindo o direito ao reconhecimento e à titulação de suas terras e o acesso aos recursos naturais não só no aspecto de garantia da sobrevivência, mas também como forma de preservação de sua cultura.
Fruto também de mais de 500 anos de luta e resistência do povo negro, avançamos na política de reconhecimento e titulação das terras remanescentes de quilombos junto aos órgãos públicos brasileiros, com a promulgação do Decreto 4887/2003, respaldado no art. 68 do ADCT da Constituição Federal, através do qual o Estado busca reparar uma dívida histórica que tem para com o povo que construiu e deu identidade a esse país, e que vinha sendo injustamente alijado de suas terras, de sua cultura e saberes pela elite dominante desse país.
Não aceitaremos retrocessos nessa longa caminhada de luta. A lei e o judiciário que sempre estiveram a serviço dos interesses dessa elite não hão de prevalecer.
Esperamos e lutaremos pela vez da JUSTIÇA, pela vez de um judiciário comprometido com a defesa dos direitos fundamentais reconhecidos na Constituição Brasileira.
Continuamos firmes e fortes na nossa resistência e seguimos solidários com todas as 28 comunidades de vários estados do Brasil que foram reconhecidas pela portaria 19/2004. Sentimo-nos também ultrajados em nossos valores de dignidade, respeito e identidade cultural com essa decisão judicial, sobre a qual, com o mesmo suor, união e luta de sempre,o povo quilombola há de ser vitorioso.
QUILOMBOLAS UNIDOS JAMAIS SERÃO VENCIDOS!
“Quilombola que não defende outro quilombola é traidor do seu povo” ( Bira Castro, Presidente da Fundação Cultural Palmares)
Bom Jesus da Lapa, 10 de agosto de 2005
Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas – Bahia
Coordenação Regional dos Quilombos – Regional Oeste Bahia
CETA – Movimento de Assentados e Acampados
Central das Associações do Projeto Agro-Extrativista São Francisco
Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores de Bom Jesus da Lapa
Comunidade quilombola de Rio das Rãs – Bom Jesus da Lapa
Comunidade quilombola de Araçá / Cariacá – Bom Jesus da Lapa
Comunidade quilombola de Lagoa do Peixe – Bom Jesus da Lapa
Comunidade quilombola de Parateca/ Pau d´Arco – Malhada
Comunidade quilombola de Juá Bandeira – Bom Jesus da Lapa
Comunidade quilombola de Mangal/Barro Vermelho – Sítio do Mato
Comunidade quilombola de Piranhas – Bom Jesus da Lapa
Comunidade quilombola de Nova Batalhinha – Bom Jesus da Lapa
Comunidade quilombola de Agreste – Riacho de Santana
Comunidade quilombola de Jatobá – Muquém do São Francisco
Movimento Negro Unificado – MNU – Bahia
Comissão Pastoral da Terra – CPT – Diocese de Bom Jesus da Lapa
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia- AATR
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