Decisão judicial prejudica quilombolas
Miriam Hermes
Bom Jesus da Lapa (Sucursal Regional Oeste)
Comunidades quilombolas e movimentos sociais da região oeste da Bahia manifestaram descontentamento com a decisão que suspendeu os efeitos da Portaria 19/2004, por meio da qual 28 comunidades de 12 Estados foram oficialmente reconhecidas e certificadas como remanescentes de quilombos pela Fundação Cultural Palmares (FCP). Na Bahia, quatro comunidades foram atingidas: Nova Batalhinha e Araçá, de Bom Jesus da Lapa, e Sacutiaba e Riacho de Sacutiaba, no município de Wanderley, todas na região oeste.
No dia 8 deste mês, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal, da 4ª Região do Rio Grande do Sul, acatou recurso impetrado por 12 proprietários de imóveis daquele Estado contra a FCP. Na decisão judicial, o relator justificou que a Portaria 19/2004, baseada no Decreto 4887/2003, fere o direito de propriedade, e todas as comunidades inscritas na portaria foram atingidas, extrapolando os limites daquele Estado.
A advogada Luciana Valéria, do departamento jurídico da FCP, viajou ontem para Porto Alegre “para tomar ciência do teor da decisão, pois ainda não fomos intimados e ficamos sabendo por meio da imprensa”. De acordo com a advogada, “com certeza, nós vamos recorrer e reverter a situação”.
Repúdio
Durante encontro de comunidades remanescentes de quilombos, movimentos sociais, organizações não-governamentais e representantes de universidades, governo federal, FCP e secretarias municipais de Educação para discutir políticas públicas para as comunidades quilombolas da região oeste da Bahia, a notícia da decisão judicial teve efeito de uma bomba, de acordo com os coordenadores da Comissão Pastoral da Terra de Bom Jesus da Lapa.
Reunidas, as comunidades quilombolas manifestaram repúdio, por meio de nota pública, “à lamentável, injusta e ilegítima decisão”, conforme o documento que cita a promulgação do Decreto 4887/2003, respaldado no artigo 68 da Constituição Federal, “através do qual o Estado busca reparar uma dívida histórica que tem com o povo que construiu e deu identidade a este País e que vinha sendo injustamente alijado de suas terras, de sua cultura e saberes pela elite dominante”.
Eles destacam ainda que não aceitarão “retrocessos nesta longa caminhada de luta” e que a decisão judicial fere as cartas internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, recentemente ratificada pelo Brasil e que garante a proteção e o respeito aos modos de viver e fazer das comunidades remanescentes de quilombos.
Erro histórico
Para o deputado federal Luiz Alberto (PT-BA), a decisão da Justiça Federal do Rio Grande do Sul é um erro histórico e está desconectada da realidade. Ele diz que a luta tem sido árdua, “num país de profundas desigualdades”, para que as comunidades cheguem ao processo de demarcação das áreas e que deverão ser acionados todos os dispositivos legais que protegem estas comunidades.
Em todo o Estado da Bahia, existem cerca de 400 comunidades de remanescentes de quilombos em processo de regularização. Na região oeste, apesar de existir um grande número de comunidades, apenas duas estão tituladas e com todo o processo de demarcação concluído (Rio das Rãs, em Bom Jesus da Lapa, e Mangal/Barro Vermelho, em Sítio do Mato). Em toda a região, persistem conflitos entre os remanescentes e fazendeiros.
Entenda o caso
– A Portaria 19/2004 certifica 28 comunidades remanescentes de quilombos em 12 Estados da Federação (BA, RS, MG, SC, MA, RN, SE, GO, PB, PA, RO e PI).
– Doze fazendeiros do município de Maquiné, litoral do Rio Grande do Sul, entraram com mandado de segurança contestando certificação.
– No dia 8 último, uma decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal concede liminar, que tinha sido negada em primeira instância.
– A suspensão da portaria afeta todas as 28 comunidades certificadas.
– Na Bahia, quatro foram atingidas, sendo duas na margem do Rio São Francisco, em Bom Jesus da Lapa, e duas na margem do Rio Grande, no município de Wanderley.
< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>