Juiz proíbe invasão de fazenda reivindicada por quilombolas
Justiça proíbe invasão de fazenda
Girleno Alencar
SÃO JOÃO DA PONTE – O juiz da Vara de Conflitos Agrários de Minas Gerais, Renato Luis Dresch, fixou uma multa diária de R$ 500,00 para a Associação de Moradores de Brejo dos Crioulos caso ela comande a invasão da Fazenda Primavera, pertencente a João Gonçalves Godinho, localizada em São João da Ponte. A área é reivindicada pelos remanescentes de escravos, pois integraria um antigo quilombo – acampamento de escravos fugitivos.
O juiz acatou a ação de manutenção de posse requerida pelo fazendeiro e aponta em sua sentença que o direito à propriedade é assegurado até mesmo se a fazenda estiver em área de antigo quilombo, desde que cumpra sua função social. O presidente da Associação dos Moradores de Brejo dos Crioulos, Francisco Cordeiro Barbosa, anunciou que recorrerá da sentença. O juiz foi induzido ao erro. Os remanescentes não tem como pagar qualquer indenização ou multa, afirma. A comunidade, na zona rural de São João da Ponte, reúne remanescentes de escravos.
Na ação que impetrou na Vara de Conflitos Agrários, o fazendeiro João Godinho requereu a manutenção de posse, sob alegação de que foram retirados três quilômetros de arame da cerca da propriedade, segundo ele um indicativo da iminente invasão da área. A fazenda é produtiva, reconhecida como modelo na exploração agropecuária, com cerca de 1,5 mil cabeças de gado, conforme registro do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). Tenho ainda oito trabalhadores devidamente registrados, diz.
Em sua defesa, os quilombolas apresentaram à Justiça estudos antropológicos da Fundação Palmares, instituição do Governo federal, apontando a área como sendo de um antigo quilombo. Os remanescentes de escravos já invadiram, na mesma região e com a mesma justificativa, uma fazenda pertencente a Miguel Veo Filho, desocupada depois por determinação judicial.
Se os quilombolas querem requerer a Fazenda Primavera como sendo parte da área de um antigo quilombo, devem entrar com ação anulatória do registro, pois o registro imobiliário está revestido de fé pública, argumenta o juiz. O Governo federal não pode regularizar imóveis que já estejam ocupados em nome de remanescentes. Nem mesmo o laudo antropológico atestando a área como de um antigo quilombo não autoriza o confisco do imóvel, completa o magistrado.
Há necessidade de instauração de prévio procedimento administrativo de desapropriação, observando se há ou não cumprimento da função social. Portanto, o simples fato de haver reconhecimento de que o imóvel está situado em antiga área quilombola não enseja o perdimento da propriedade. Há necessidade de prévia e justa indenização em processo expropiatório, ressalta Renato Dresch na sentença.
Remanescentes de escravos vão recorrer
SÃO JOÃO DA PONTE – O presidente da Associação dos Moradores de Brejo dos Crioulos, Francisco Cordeiro Barbosa, mais conhecido como Ticão, anunciou ontem que recorrerá da sentença, pois garante que os quilombolas não foram responsáveis por nenhum ato de vandalismo na propriedade reivindicada.
Nossa suspeita é de que alguém fez isso para nos incriminar, acusa. O fazendeiro João Gonçalves Godinho, proprietário da Fazenda Primavera, rebate a suspeita.
A Fazenda Primavera está bem no centro da área quilombola, que abrange 14 fazendas no total entre São João da Ponte e Varzelândia, no Norte de Minas. As terras foram dos nossos antepassados, que fugiam da escravidão. Elas foram tomadas de nós e agora queremos de volta o que é nosso. É nosso direito, diz.
O líder quilombola destaca que, atualmente, remanescentes de escravos já ocupam a Fazenda Aurora, de 1.400 hectares, também dentro da área do antigo quilombo. Ela foi invadida em setembro do ano passado, mas, após acordo com o fazendeiro Nélio Figueiredo Neves, celebrado na Vara de Conflitos Agrários, os quilombolas tiveram a permanência garantida pelo menos até outubro deste ano, tempo suficiente para que façam a colheita de suas plantações.
Incra
Os fazendeiros no antigo quilombo querem vender suas fazendas. A Fazenda Bonanza, de Dilson Godinho, é um dos exemplos. Ela foi invadida pelos sem-terra da Liga Operária e Camponesa (LOC), mas está na área dos quilombolas. Eles aceitam passar as terras para nossa causa, diz o líder quilombola. O Incra alega que depende apenas do fazendeiro fixar o valor da terra. Vamos pressionar o Incra a definir uma solução para o assunto, ressalta Ticão.
O coordenador da Comissão Pastoral da Terra no Norte de Minas, Avilmar Ribeiro, que acompanha a luta dos quilombolas, anunciou ontem que a ordem judicial da Vara de Conflitos Agrários será cumprida. Os quilombolas não vão invadir a Fazenda Primavera, garantiu.
Minha proposta é que a Justiça solicite ao Incra a cadeia dominial das terras, conferindo os documentos originais do registros cartoriais. Assim ficará comprovado que as terras foram griladas, afirma.
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