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PI – Líder fala sobre trajetória na luta pelos direitos quilombolas

A ponta-de-lança dos quilombolas do Piauí

por Isabel Clavelin

Corpo franzino, olhar distante e passos lentos caracterizam Maria Rosalina dos Santos. Ela é um dos expoentes na luta pela regularização fundiária e serviços básicos nas áreas de saúde, educação, trabalho e renda das comunidades remanescentes de quilombos. Faz parte do CNPIR (Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial) e da Conaq (Coordenação Nacional de Quilombos).

Tataraneta de escravo, Maria Rosalina dos Santos vive na comunidade remanescente de quilombo de Tapuio, cravada no semi-árido piauiense, próximo do município de Queimada Nova, com 8.332 habitantes, a 522km da capital, Teresina. É no Centro-Sul do Piauí que Maria Rosalina vive com seus pais, trabalhadores da roça, e cinco irmãs também envolvidas no movimento quilombola.

Num bate-papo com o Destaque Seppir, durante a Consulta Quilombola (realizada no final de maio, em Brasília), Maria Rosalina dos Santos fala do sonho de concluir o ensino médio, conquistar um diploma universitário de agrônoma e ver a comunidade Tapuio com melhores condições de vida.

Conferência Nacional

A expectativa que a gente tem é que será um grande momento para que os povos menos favorecidos nesse Brasil, que ao longo da história se encontraram à margem da participação e da inclusão social. Será um grande momento para todos nós, sobretudo para nós do campo, que pouco temos acesso a participar de instantes como esse.

Estado da arte

A Seppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) está sendo um instrumento de mobilizar e sensibilizar os ministérios. Até então isso não existia. Por uma política pública ser destinada a governos estaduais e municipais, esbarramos na execução. Muitas vezes a gente conquista a ação, a Seppir defende e os ministérios abraçam a causa, mas quando chega na ponta há um paredão que faz com que essa política não chegue à comunidade. Continuam usando as comunidades negras como instrumentos de poder. É uma realidade de todo o Brasil.

Isso sem falar que, quando chegam, as ações não têm a cara do Governo Federal e talvez nem a cara do Governo Estadual. Digo isso porque no Piauí isso é preocupante. Os prefeitos estão buscando projetos junto ao Governo do Estado e dizem que só recebemos porque eles buscaram para nós. Isso é uma forma de incluir, mas uma forma continuar a escravidão, a exploração e a exclusão. É preciso que se trabalhe de forma integrada e respeitando a organização das comunidades quilombolas.

Quilombolas do Brasil

Temos um sentimento de irmandade. É isso que nos dá sustentabilidade de enfrentar esse desafio, porque a sinergia é transmitida de Norte a Sul, de Sudeste a Nordeste. Essa resistência está em torno de uma única ação que é abraçar a causa.

Entre nós pode existir a divergência para a construção e isso unifica muito, porque se não criamos essa divergência não temos argumentos para aprofundar a discussão.
Titulação de terras

Já foi feito um processo de levantamento nominal, o qual está no Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária) e Fundação Cultural Palmares. Aguardamos um retorno. Reivindicamos 150 hectares de terra.

Ancestralidade aguerrida

A comunidade vem desde nossos antepassados. Surgiu a partir de meu tataravô. Pra nós ele permanece vivo até hoje, porque a resistência que a gente tem tido de permanecer vivos na nossa comunidade. Essa resistência partiu dele. Somos de uma comunidade que até hoje não conta com escola, energia elétrica, pouco acesso à água potável e assistência à saúde.

Somos ao todo 49 famílias. No entanto, somente 29 permanecem na comunidade. As demais migraram para São Paulo (SP) e Petrolina (PE) em busca da sobrevivência.

CNPIR

É um desafio. Quando defendemos a causa quilombola, as pessoas pensam que não é preciso estabelecer prioridade. Todos somos negros, mas as comunidades quilombolas são mais excluídas do que os grupos que residem na área urbana, que são assistidos por rede de água, energia… Quem está na zona rural sobrevive da coragem e da resistência.

Por outro lado, é bom porque trocamos experiência, aprendemos uns com os outros e compreendemos o diferente. É uma oportunidade de ouvir outros grupos também discriminados pela sociedade brasileira.

Vejo os depoimentos dos ciganos e dos judeus de terem um espaço para serem vistos como cidadãos e cidadãs. É um espaço interessante de conhecimento e construção de propostas de políticas de inclusão social. Ou seja, se faz uma construção dentro do diferente.

Afirmação negra e feminina

A minha militância surgiu por meio das Comunidades Eclesiais de Base e na Pastoral da Juventude. Foi a partir daí que me descobri como pessoa, jovem, mulher e negra. Eu era muito tímida, quando olhava para mim fazendo parte de uma coordenação de Pastoral Diocesana, em que eu era a única negra e com baixo grau de escolaridade.

Com essa participação, acabei me descobrindo e senti o desejo de abraçar essa causa. Comecei a militar na comunidade, fazendo um trabalho lento porque havia resistência de tratar da negritude.

A partir daí, mergulhei nessa discussão. Comecei a militar no movimento sindical de trabalhadores rurais e me filiei a partido político. Ampliei meu foco de ação por ver que havia outros negros que precisavam ser sensibilizados e que eu era capaz de agir.

Articulação

Comecei a participar do movimento nos anos 1990. A avaliação que faço é que hoje a gente já causa preocupação para a sociedade, porque percebem que estamos acelerando o passo nessa articulação.

Essas ações vão ser concretizadas de fato porque a gente está nessa luta e, com certeza, quem resistiu até agora, vai resistir até vencer.

Nossa luta

Nossa luta foi encampada de 1993 para cá. Nos governos anteriores, a gente lutou muito e conseguimos pouco. No governo Lula, a gente tem visto uma diferença: é um Estado que reconhece a dívida histórica do Brasil conosco.

Enquanto os outros, não tinham essa sensibilidade nem prioridade de trabalhar esse recorte. Não é um privilégio. É claro que há muito por fazer. Mas a gente tem visto ser um governo de escuta, enquanto outros nunca nos ouviram.

Desafios e Sonhos

Envolvendo-me com outras militâncias, priorizei a defesa da causa negra. É um desafio muito grande por ser mulher, negra, trabalhadora rural, que ainda não conseguiu concluir o ensino médio. Mas, para mim, estou na universidade da vida. Entendo que ser universitária é fazer a ligação do conhecimento teórico com a prática. Vejo esse potencial em mim. Estou estudando. Um dia vou concluir.

Vejo a necessidade de termos grupos de técnicos agrônomos para dar assistência à agricultura familiar das comunidades quilombolas. Por outro lado, o desafio é fazer esse trabalho sem remuneração, porque tem hora que trava por falta de recurso financeiro para avançar. Até hoje nunca fui trabalhadora assalariada, não porque não sinta necessidade. Mas por falta de oportunidade mesmo.

Família

Minha mãe teve nove filhos, o mais velho faleceu quando pequeno. Somos cinco irmãs e todas integrantes do movimento. Meu pai vai completar 80 anos e minha mãe, 73 anos. São trabalhadores rurais até hoje. Não tem quem consiga arrancar eles da roça. Todas nós, por incrível que pareça, nessa loucura que a gente tem, agendo as reuniões e o trabalho na roça. A gente trabalha com o plantio de milho e feijão.

Religiosidade
Na nossa comunidade, nossos antepassados foram reprimidos na questão da religiosidade de matriz africana. Por isso, somos adeptos do catolicismo. O trabalho de terreiro não foi multiplicado pelos nossos antepassados. Logo, não temos essa identidade.

Mundo político

Participei como candidata a vereadora e, na última eleição, como prefeita. Em nenhuma fui eleita, mas considero ter sido vitoriosa. Como candidata a prefeita, mulher negra e sem nenhum centavo, enfrentei um sistema econômico estrondoso. Mesmo assim, coloquei nossa cara na rua e dizer que somos um grupo para defender a causa e a vida. Não ganhamos a prefeitura, incomodamos e ocupamos espaço.

Relação com o Poder local

Para o poder público municipal e no mapa do município, não existe a comunidade Tapuio. Pelo fato de ter a sua autonomia, tomar decisões próprias. O nível de organização da comunidade já está avançado, graças a Deus! A gente já tem um nível de consciência de que é preciso um envolvimento de toda a comunidade para que as ações cheguem até nós.

Sobrevivemos da agricultura e da pecuária. É uma comunidade que tem tudo para crescer, mas a gente precisa estar lutando por políticas públicas e inclusão social. De tanto a gente discutir, estamos cansados. Queremos a prática dessa inclusão

< O Observatório Quilombola reproduz as informações que recebe de suas fontes na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo. >

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