SP – Visita do secretário da Justiça ao quilombo de Caçandoca
Secretário da Justiça garante apoio a quilombo de Ubatuba
Helton Ribeiro
Ameaçadas de despejo por uma liminar concedida a uma empresa do ramo imobiliário, famílias quilombolas da comunidade de Caçandoca, em Ubatuba, receberam na última sexta-feira, dia 20, a visita do secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, Hédio Silva Júnior. “Esta terra é dos antepassados de vocês e dos meus antepassados. O secretário está do lado de vocês”, garantiu.
O quilombo de Caçandoca vive uma das situações mais graves no Estado no que diz respeito à posse da terra. Parte da comunidade ocupa uma área reivindicada pela Urbanizadora Continental, que solicitou a reintegração de posse e obteve decisão favorável do juiz da 1a Vara da Comarca de Ubatuba, Antonio Mansur Filho. Os quilombolas temem que a medida seja cumprida a qualquer momento.
Reconhecida como remanescente de quilombo desde 2000 pela Fundação Instituto de Terras (Itesp), entidade vinculada à Secretaria da Justiça, Caçandoca tem assegurado o direito à posse da terra, conforme prevê o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A titulação dependia apenas de ação discriminatória, uma ação judicial proposta pelo Estado para estabelecer o real domínio da área, ou seja, se é particular ou devoluta.
Diante da ameaça de despejo, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) assumiu o compromisso de desapropriar as terras. Agora, a luta dos quilombolas é para permanecer no local até que a desapropriação seja concluída.
Ameaças
Os moradores de Caçandoca se orgulham de viver na terra que foi de seus antepassados. Eles fazem questão de enfatizar que a mata atlântica e as praias exuberantes permanecem preservadas graças à sua presença. “Se não fosse o quilombo, isso aqui já teria virado um condomínio de luxo”, argumenta Antônio dos Santos, uma das lideranças da comunidade.
Durante a reunião com Hédio Silva Júnior, a advogada Juliana Machado Gracioli, que representa os quilombolas, denunciou o desmatamento de uma área de mata atlântica dentro de um condomínio vizinho à comunidade. “Nós já alertamos a Polícia Ambiental, mas nada foi feito. Enquanto isso, os quilombolas não têm o direito de plantar uma roça para sua subsistência, pois são multados”.
Santos contou ao secretário que as pressões e ameaças para que as famílias deixassem suas terras começaram no início da década de 70. “Numa noite, incendiaram 16 casas. Duas crianças morreram. Puseram as famílias num caminhão e deixaram na cidade, sem ter pra onde ir”, recordou.
Até hoje os quilombolas são vítimas de todo tipo de pressão. Uma jovem contou que uma pessoa, identificando-se como oficial de Justiça, a teria abordado à noite, recentemente, dizendo que todas as famílias teriam que deixar o local antes que as casas fossem demolidas. “Eu disse que não podíamos sair, que havia crianças aqui, e ele falou: ‘pego seus filhos, boto no orfanato, e vocês vão morar na rua, porque são maiores de idade’”.
Compromisso
Hédio Silva Júnior lembrou sua militância na defesa dos direitos dos quilombolas. “Há seis anos, ingressei com ação no Supremo Tribunal Federal representando 140 comunidades do país para que o Governo Federal regularizasse essas terras. Essa ação está tramitando até hoje.”
Segundo ele, o Governo do Estado não pode ingressar com ação defendendo os interesses do quilombo. Por outro lado, é a Secretaria da Justiça que tem a missão de dialogar com o Judiciário e com o Ministério Público. “Vamos fazer os contatos que devem ser feitos”, assegurou.
O secretário também assumiu o compromisso de, a cada 15 dias, estar na comunidade pessoalmente ou representado pelo diretor-executivo do Itesp, Jonas Villas Bôas ou algum outro diretor da entidade. O objetivo é acompanhar permanentemente a situação até que haja uma solução definitiva.
Silva Júnior também deve conversar com outros secretários de Estado com o objetivo de garantir o acesso da comunidade a políticas públicas, especialmente nas áreas de Saúde, Educação e Desenvolvimento Social.
Camburi
Em Ubatuba existe outra comunidade que deve ser reconhecida como remanescente de quilombo em breve, a comunidade do Camburi. Genésio dos Santos, representante do quilombo, também participou da reunião em Caçandoca e pediu agilidade no processo de reconhecimento, primeiro passo para que o problema da posse da terra seja resolvido.
Jonas Villas Bôas e o assessor especial do Itesp para Quilombos, Carlos Henrique Gomes, explicaram que o relatório técnico-científico que reconhece a comunidade como quilombola está praticamente pronto. Falta apenas a demarcação de uma área pertencente à União, que deve ser feita pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
“Já colocamos a estrutura do Itesp à disposição da SPU para que possamos fazer esse trabalho o quanto antes”, disse Villas Bôas. O secretário da Justiça também prometeu entrar em contato com o Ministério do Planejamento, ao qual a SPU é vinculada, e dar uma resposta à comunidade.
Assim que o relatório técnico-científico for publicado no Diário Oficial do Estado, a comunidade será considerada oficialmente como remanescente de quilombo. Depois disso, o Itesp iniciará uma discussão com os órgãos que administram o Parque Estadual da Serra do Mar para viabilizar a titulação do território quilombola, que está inserido na área do parque.