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SP – Notícias do Quilombo da Caçandoca

Quilombo luta para manter tradição

Ameaçados de despejo, grupo vive em área na costa sul de Ubatuba tentando manter identidade preservada

Por Beatriz Rosa

Um dos últimos núcleos dos quilombolas do Vale do Paraíba e Litoral Norte está perdendo sua identidade. Apenas as lembranças dos quilombolas mais antigos têm preservado um resto de história da comunidade do Quilombo Caçandoca, na costa sul de Ubatuba.

Preservar a memória tem perdido espaço para a luta pela terra. Uma ordem judicial prevê a saída das famílias que moram à margem do rio Caçandoca.

Sem energia elétrica, água encanada e saneamento básico, os quilombolas enfrentam uma realidade dura, ameaçados pelo despejo. O grupo sobrevive do pescado e da fruticultura.

Todos os dias a quilombola Izaltina Maria dos Santos Prado, 62 anos, desce o morro do Saco da Raposa até chegar às margens da praia da Caçandoca para levar um pouco da história à comunidade. Ela é neta de escrava e se tornou um dos principais ícones dos quilombos na comunidade.

Orgulhosa, relembra o passado. “A vida era melhor que agora. A gente vivia da roça e da pesca e nunca faltava comida. A mãe comprava pano e nós mesmas costuravamos, tudo comprido porque não podia mostrar a pele”, disse.

Do casamento nasceram sete filhos, um já morto. Cinco filhos foram embora do Quilombo por falta de condições de trabalho. “Já não conseguimos mais sobreviver no quilombo. Os jovens querem ir embora e se esquecem da história dos nossos antepassados. Foi passando o tempo e acabando”, disse. Na porta de sua casa, o salmo 91 protege a família dos terrores noturnos. Devota de São Benedito, Izaltina transformou sua sala em um oratório com imagens de santos e sonha resgatar as rezas noturnas feitas pela comunidade no passado.

Seu marido, o servente de pedreiro Pedro Cesário do Prado, 73 anos, afirmou que começou a construir sua família na Caçandoca. “A vida é muito difícil. Tem que ter força para caminhar com os mantimentos nas costas. Mas é só ir devagar que dá tudo certo”, disse.

Prado cuida dos quatro cachorros da casa, das duas galinhas e das plantações de mandioca, banana, feijão, manga, abacate, jaca e laranja.

E por meio das festas que surgem os vestígios da cultura africana. Izaltina conta que as rezas e as canções africanas movidas pelo tambor, berimbau, violão, pandeiro e chocalho, levam a comunidade a vivenciar parte de sua história.

PERFIL – A Fundação Itesp (Instituto de Terra do Estado de São Paulo), que há cinco anos atua no local, afirmou que um total de 47 famílias moram no quilombo, que tem uma área de 900 hectares.

Segundo o instituto, as famílias se dividiram em três núcleos, que fixaram suas raízes às margens do rio Caçandoca, no Saco da Raposa e no Saco das Bananas.

O primeiro grupo sobrevive do pescado e da venda de artesanato aos turistas.

A área, de cerca de 240 hectares, está sendo reivindicada na Justiça pela Urbanizadora Continental. O segundo grupo buscou caminho na fruticultura, mas também depende dos trabalhos fora da comunidade. Os mais conservadores, no terceiro grupo, vivem do cultivo de frutas e da pesca.

GERAÇÕES – O quilombola João da Matta, 55 anos, sobrevive do plantio de banana, hortaliças e da pescaria. Nascido e criado em Caçandoca, não se lembra quantas gerações de sua família viveram no local.

“Sempre vivi da roça, da pesca e sustentei meus 11 filhos. Mas com o passar dos tempos, não existe meios de sustentação e eles estão indo embora”, disse.

O pescador Nicandrio Quintino dos Santos, 66 anos, criou os 13 filhos em Caçandoca. Caçula de seis irmãos afirma que não sabe nem a letra a, mas que é feliz no local. “Eu não aprendi nada de escola. Meu irmão aprendeu tudo e hoje está bem. Mas agora até a escola eles fecharam e nossos filhos têm que ir para outros lugares se quiserem estudar.
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Centro vira ponto de resistência

Ubatuba

Logo na entrada do Quilombo de Caçandoca, uma casa deixou de funcionar como museu para ser palco das principais discussões políticas da comunidade.

O Centro Comunitário Flávio Firmino dos Santos, erguido pelas mãos dos quilombolas preserva a origem de um povo que continua lutando para não deixar sua história morrer. O local se transformou no ponto de encontro das discussões da comunidade na tentativa de evitar o despelo.

Nas paredes, parte da história dos quilombos contada por meio da árvore genealógica da comunidade, que começou em 1850 com José Antunes de Sá e Feliciana Maria da Conceição. Jornais e revistas mostram a história do grupo. Uma pequena biblioteca improvisada funciona no local, decorado por uma imagem de Jesus Cristo.

O centro também é ponto de encontro para as comemorações religiosoas. Nas festas, ganham espaço a música e a culinária. O principal prato dos quilombolas foi incorporado do cardápio indígena, o Azul Marinho –peixe com banana verde.

Segundo a quilombola Aldaci Leonor Rosa Gaspar, 48 anos, o peixe com banana verde preparado com coentro da roça e acompanhando de farinha de mandioca se firmou como o prato típico do grupo.

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Briga pela terra dura oito anos

Ubatuba

Há oito anos tramita na Justiça de Ubatuba processo para definir os verdadeiros proprietários de uma área de 240 hectares, que faz parte do complexo de 900 hectares do Quilombo da Caçandoca, em Ubatuba.

Os quilombolas afirmam que a área pertence à comunidade, herança dos antepassados. A Urbanizadora Continental disse que comprou o terreno em 1976 e obteve reintegração de posse há duas semanas.

Segundo o presidente da Associação Remanescente de Quilombola da Caçandoca, Antonio dos Santos, 59 anos, os quilombolas irão recorrer da decisão com o apoio do Grupo de Negros de Políticas da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Fundação Itesp (Instituto de Terra do Estado de São Paulo) e de outras instituições.

“Eles estão ameaçando nossa comunidade, mas iremos lutar para manter os quilombolas e nossa história”, disse.

O coordenador regional da Fundação Itesp, José Roberto Andrion, 51 anos, afirmou que a Constituição determina que o Estado identifique todas as áreas estaduais que sejam remanescentes de quilombos.

Por meio de uma laudo antropológico a comunidade foi reconhecida como descendente, em 2000. Desde então, o Itesp entrou com uma ação discriminatória para julgar a procedência das terras.

OUTRO LADO – Segundo o advogado da urbanizadora, Wilson Roberto Zunckeller,50 anos, a urbanizadora reivindica 240 hectares ocupados pela comunidade.

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Adolescentes sonham com a vida na cidade

Ubatuba

A maioria dos jovens descendentes de quilombolas sonha com a universidade e com os benefícios da vida na cidade, como chuveiro quente, televisão e geladeira.

Com muito custo, a estudante Roseli da Matta, 19 anos, concluiu o ensino médio. “É bom morar perto da praia e tomar banho de cachoeira, mas eu queria estudar mais. Aqui tudo é mais difícil. Meu sonho é ser professora”, disse.

Os banhos nas cachoeiras e no mar, junto com as festas e com o encontro de amigos, fazem a alegria de Roseli, que durante o dia mantêm a casa em ordem, enquanto os pais trabalham. O pai na pesca e a mãe como diarista, fora da comunidade.

A professora Débora Tamara Nascimento dos Santos, 25 anos, sente falta da geladeira e de uma formação universitária. Seu sonho é concluir a faculdade de biologia. “Aqui é o lugar que eu queria viver, mas tenho sonhos. Não da para viver de fazer tapetes de palha de bananeira e bolsas, quero voltar a estudar”, disse.

Para passar o dia, um rádio movido pela energia de uma placa solar. Seu banho é aquecido nos dias frio por uma serpentina. Mas a dificuldade está na conservação dos mantimentos. “Alguns alimentos têm que ser bem cozidos, salgados ou expostos ao sol para não estragar, isso é muito trabalhoso.”

Isa Maria Rodrigues, 26 anos, trocou a cidade grande pela Caçandoca. Ela reclama da dificuldade no acesso das crianças à escola. “Tenho que descer e subir com meus três filhos para que eles estudem, mas nos dias de chuva, o ônibus não chega e a única escola que funcionava aqui foi fechada”, disse.

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Abolição festajada com manifestações

Os 117 anos de Abolição da Escravatura no Brasil foram comemorados por meio de ações de apoio quilombolas do Caçandoca. Grupos e representantes de comunidades africanas de todo o Estado se reuniram no último dia 13 em apoio à permanência das famílias quilombolas em Ubatuba. Os grupos estão elaborando um documento, que será encaminhado a vários órgãos, como Incra e Fundação Cultural Palmares, reivindicando a permanência da comunidade na região. O movimento já conta com o apoio do Grupo de Negros de Políticas da Assembléia Legislativa do Estado, Centro Cultural Francisco Solano Trindade, Grupo Espaço Negro, entre outros.

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Prefeitura quer incentivar maricultura

A Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Pesca da Prefeitura de Ubatuba vai ampliar o programa de maricultura –produção de marisco– na comunidade do Caçandoca. Segundo a oceanógrafa Valéria Gelli, 37 anos, a parceria com a ONG Mar Vivo, o Instituto de Pesca da Secretaria Estadual, Ibama, Itesp e a Associação dos Quilombolas de Caçandoca tem o objetivo de transformar a maricultura na principal fonte de renda da comunidade. A estimativa é produzir 4 toneladas de marisco por ano. Hoje, o manejo não ultrapassa 500 kg por ano. Segundo Valéria, atualmente 40 quilombolas estão inseridos no projeto.

Saiba Mais

A Caçandoca foi ocupada em 1850 e deixada aos escravos por fazendeiros. Atualmente 47 famílias moram no local, que está divido em três grupos: Caçandoca, Saco da Raposa e Saco da Banana. A comunidade não tem energia elétrica, água encanada e saneamento básico e sobervive da pesca, fruticultura e artesanato.

O local fica há cerca de 160 km de São José dos Campos.

Os quilombolas irão recorrer da decisão porque já foi comprovado que o local é área remanescente de quilombos e deve ser preservado. Eles estão ameaçando nossa comunidade, mas iremos lutar para manter nossa história.

Do presidente da Associação Remanescente de Quilombola da Caçandoca, Antônio dos Santos A urbanizadora reivindica os 240 hectares que lhe são de direito e que foram ocupados irregularmente pela comunidade quilombola. Essa área foi adquirida em 1976 e temos documentações que comprovam isso.

Do advogado da Urbanizadora Continental, Wilson Roberto Zunckeller

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