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SP – Brotas – Reconhecimento de terras

SP reconhece primeiro quilombo urbano do Brasil

Exposta em um mercado de escravos em Santos, em meados do século XIX, a jovem Emília é comprada por um fazendeiro de Itatiba, região de Campinas. Sua mãe já havia sido comprada por outro fazendeiro, que não quis levar as duas. Separada para sempre da mãe, Emília acabará se tornando a fundadora de uma comunidade onde até hoje as mulheres têm um papel tão destacado na organização social que não seria exagero falar em matriarcado. Essa comunidade é o sítio Brotas, em Itatiba, que no dia 18 de novembro passou a ser o primeiro quilombo urbano reconhecido no país.

Emília e o marido Isaac de Lima ganharam a liberdade após a morte do fazendeiro. A filha, Amélia, já havia nascido em liberdade, beneficiada pela Lei do Ventre Livre. A família foi morar no sítio Brotas, de propriedade do casal Rita e José Francisco Rodrigues, comerciantes que ajudavam escravos fugidos ou libertos.

Desde aproximadamente 1700, o sítio Brotas já era um quilombo no sentido tradicional da palavra, servindo de refúgio a escravos que arriscavam até a vida para escapar dos grilhões de seus senhores. Os donos do sítio fizeram a Emília e Isaac uma proposta: eles poderiam viver e trabalhar no local até que juntassem dinheiro para comprar as terras.

Entre 1878 e 1885 eles conseguiram juntar o suficiente e a terra passou a pertencer ao casal e seus descendentes. O baú utilizado para guardar o dinheiro ainda pode ser visto na comunidade, assim como outras relíquias da época.

Amélia tornou-se a grande matriarca do quilombo Brotas. Seus filhos, netos e bisnetos não se cansam de contar histórias da “vó” Amélia. “Ela nos ensinou tudo”, conta Ana Tereza Barbosa, 66 anos, uma de suas netas. “Ela nos passou que, se a gente casasse e não desse certo, não tinha que agüentar marido. Aqui, mulher nunca apanhou de marido. Minha avó dizia um provérbio: ‘Não tenho barba na cara, não tenho cabelo no peito, mas o que um homem faz, eu faço do mesmo jeito.’” Amélia morreu em 1976, também com mais de cem anos de idade.

Quilombo urbano

A história do quilombo impressionou a antropóloga Patrícia Scalli dos Santos e a geógrafa Rose Leine Bertaco Giacomini, do Itesp, responsáveis pela elaboração do relatório técnico-científico que reconhece a comunidade como remanescente de quilombo. “Brotas já era um quilombo antes mesmo da fundação de Itatiba. Eu até defendo a hipótese de que foram os quilombolas que fundaram a cidade”, argumenta Patrícia.

Mas, nos últimos anos, o crescimento urbano desordenado vem criando problemas para a comunidade, onde vivem hoje 32 famílias. Recentemente, a construção de um loteamento assoreou o córrego que corta o sítio Brotas.

O impacto não foi só ambiental, mas também cultural: as matas e cursos d´água têm grande importância nos rituais de umbanda, religião praticada por vários moradores do quilombo. A proposta do Itesp é de que seja titulado não só o território que já pertence por direito de herança aos quilombolas, mas também a área de nascente do córrego.

Esse crescimento também fez com que o perímetro urbano englobasse o território do quilombo. Segundo a geógrafa Rose, é por isso que a comunidade é considerada o primeiro quilombo urbano oficialmente reconhecido no Brasil.

Por ser uma área particular, a titulação depende agora do Governo Federal, por meio do Incra. Os trabalhos de reconhecimento e titulação estão sendo acompanhados pelo Ministério Público Federal. A comunidade também contou com o apoio da organização não-governamental Fórum Pró-Cidadania, de Itatiba.

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