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MG – Comunidade Quilombola do Barro Preto

A breve história de um lugar: O olhar sociocultural, espacial e ambiental da comunidade quilombola de Barro Preto

A Comunidade de remanescentes quilombolas de Barro Preto localiza-se no município de Santa Maria do Itabira a 7 km da Comunidade quilombola de Indaiá, vista no Município de Antonio Dias, estando inserida na região do Vale do Aço em Minas Gerais. A principal via de acesso se dá por dois trechos, o inicial correspondente a BR 120 e o seguinte a uma estrada vicinal de aproximadamente 9 km.

A comunidade anteriormente denominava-se Córrego do Santo Antônio, posteriormente passou a chamar-se Barro Preto. Esta denominação é oriunda da prática de seus moradores em pintar a roupa de preto, usando barro, cipó e gabiroba durante os períodos de luto.

A comunidade situa-se em área de clima tropical, adaptado a este e as demais características fisiográficas tem-se a vegetação denominada Ambrófila Mista, que abrange espécies típicas dos ecossistemas Cerrado e Mata Atlântica, sendo a maioria típica do bioma Mata Atlântica. Em meio a biodiversidade natural e a silvicultura e mesmo entre cultivos de subsistência tem-se o curso d’água Rio Giral, que hoje encontra-se parcialmente poluído, mediante ao lançamento indiscriminado de agrotóxicos na silvicultura de eucalipto.

O uso e ocupação da localidade onde situa-se Barro Preto é diversificado, este por vezes não considera as aptidões da localidade, o que desencadeia impactos de ordens diferenciadas. Os fazendeiros que atuam nas áreas oriundas das terras quilombolas retiram a vegetação natural de recarga e mata ciliar, desrespeitando a legislação vigente e a biodiversidade, que inclui a si e demais comunidades Quilombolas. Atualmente a paisagem vegetativa de Barro Preto encontra-se parcialmente degradada, estando esta degradação associada a queimadas; compactação do solo, pelo pisoteio do gado; agrotóxicos oriundos da silvicultura de Eucalipto e retirada de vegetação de áreas cujo solo é muito arenoso, e assim impróprio ao cultivo e criação. Estas áreas constituem solos não muito evoluídos, cuja aptidão é a recarga do lençol freático.

Ressalta-se que esse processo de degradação se dá pela influência dos fazendeiros do local de entorno. Os tipos de solos mais comuns na área são os cambissolos, seguido pelos latossolos. O primeiro é tido como jovem e sua área de formação comumente apresentam-se em áreas de maior declividade, susceptíveis a processos erosivos que desencadeiam assoreamentos, assim, requer um maior cuidado em seu manejo. O Segundo são considerados profundos e comumente são vistos em vertentes aplainadas dentre outras onde o relevo é menos movimentado.

A comunidade de Barro Preto totaliza aproximadamente 600 pessoas, sendo estas divididas em aproximadamente 170 famílias, distribuídas em cerca de 180 casas vistas de forma agrupada. No entorno da comunidade fazendeiros praticam silvicultura, pecuária de corte, de modo insustentável, utilizando sazonalmente a mão de obra da comunidade local. A remuneração paga pelo trabalho é irrisória, o trabalho diário, sem direito a almoço, é de R$ 6,00. Observa-se que muitos membros da comunidade não possuem uma longa área de plantio, uma vez que suas terras foram griladas pelos fazendeiros da proximidade. A pequena área que os moradores tem próximas a suas casas é utilizada para na agricultura familiar de subsistência. Como o que produzem não é proporcional às necessidades familiares, é comum investirem na produção a meia nas terras que hoje estão em posse dos fazendeiros, que insistem em afirmar que estas lhes são pertencentes.

Visando o sustento familiar, qualquer atividade era essencial, a extração de palmito, o trabalho quase escravo e até mesmo o embranhamento em túneis cavados sem qualquer sustentação em buscas de minerais como Águas Marinhas e Esmeraldas.

Segundo o relato dos moradores a área de Barro Preto foi ocupada aproximadamente na segunda metade do século XIX. Os primeiros habitantes foram: Tobias Pires, João Grigó da Silva, Francisco Acácio e Quitéria Carneiro, sendo a última a maior detentora das terras da comunidade. Algo é evidente a comunidade de Barro Preto teve suas origens advindas da Indaiá, onde habitavam seus antepassados mais próximos. Acredita-se que os primeiros moradores vieram do Rio de Janeiro e da Fazenda das Pedras de Minas Gerais, com destino a Indaiá, sendo estes escravos fugitivos e outros já libertos, forros, então detentores de capital, dentre eles Tobias, que em uma segunda instancia vendeu a propriedade que pertencera ou pertenceria aos seus descendentes quilombolas. A figura de Tobias ficou marcada na lembrança da comunidade. O morador José Marciano, de 74 anos, relata ter conhecido Tobias quando criança, sendo este dono de uma venda. Outros alegaram que o Governo também forneceu terras as comunidades negras que na área se instalaram, contudo mediante ao poder de barganha dos fazendeiros, apoderaram-se da área, por meios ilícitos recuando as pessoas em pequenos espaços.

Os limite da área ocupada pelos antigos moradores de Barro Preto ao Norte é a Fazenda do Paíol, ao leste tem-se da comunidade de Indaiá, situada em Antônio Dias, sendo esta parte histórica da comunidade em questão. Na porção sul tem-se como referência a Fazenda das Pedras e ao Oeste a BR 120.Toda a área ia desde o Espigão da Cruz a Fazenda de Cilistrino de Oliveira. Atualmente a área ocupada pela comunidade se restringe a aproximadamente 2 ha, estando os habitantes aglomerados, mediante a apropriação ilegal dos Fazendeiros. Estes apoderavam-se de terras com documentos falsos, alegando que os que ali residiam não tinham título das propriedades, assim, por pressão, ameaças e intermédio da força policial retiravam os quilombolas de suas áreas de direito.Outra forma de apropriação se deu por dívidas que os quilombolas fizeram com os fazendeiros mediante empréstimos financeiros ou de insumos necessários aos cultivos. Como os quilombolas não conseguiram arcar com seus empréstimos, independente do valor, suas propriedades lhes foram tomadas. Algo era evidente as dívidas jamais corresponderam ao valor real das terras. Hoje na comunidade somente uma minoria (aproximadamente 10 famílias) possui título de comprovação de terras. Atualmente não é verificado conflitos de terras na região.

As famílias de Barro Preto tem suas terras divididas em lotes onde cada uma vive separadamente. Nestas realizam freqüentemente a agricultura familiar e bordados. Para complementar a alimentação é comum membros da comunidade se organizarem em grupos e realizar o extrativismo de palmito, abundante na região. Esta extração é essencial a produção artesanal de esteiras e chapeis, confeccionados por três famílias da comunidade. A atividade artesanal também é perceptível sob a forma de doces e quitandas, sendo produzidos por 70 famílias, para consumo familiar e venda juntamente com os bordados locais, confeccionados por cinco famílias. Ressalta-se, todavia que estas atividades não são suficientes ao gasto refletido nas necessidades familiares, o que leva a maioria (3 a 4 membros por família) a recorrer aos trabalhos citadinos.

A área que a comunidade destina ao cultivo corresponde aos quintais das casas, são de tamanho diferenciado. Nestas os principais produtos cultivados são: feijão, milho, arroz, banana, hortaliças, mandioca e abóbora. Contudo ressalta-se que este espaço é muitas vezes pequeno, mediante ao fator de estagnação, que ocorre quando há uma divisão de terras a grande número de filhos mediante herança. Esta se torna ínfima e, assim, inviável a produção. Praticamente todas as famílias usam o sistema de meia ou terça, cultivam em terras de fazendeiros e pelo seu trabalho recebem parte do valor da produção.

A maioria das famílias cria semoventes, sendo grande parte destes constituídos de galinhas. Em menor proporção tem-se a criação de suínos (3 famílias) e gado leiteiro (2 famílias). Sendo esta última destinada a venda na própria comunidade, junto à parte dos doces e bordados. Os dois últimos por vezes extrapolam a realidade local, expandindo-se a compradores de outras regiões. Os demais produtos raramente são vendidos, somente quando há excedente, e assim na comunidade. A troca de produtos, escambo, apenas é verificada em situações especiais entre parentes, o que é indicativo da manutenção parcial dos hábitos dos antepassados da comunidade quilombola de Barro Preto.

Mulheres e homens realizam a atividades econômicas comuns, estando estas vinculadas ao cultivo na roça. As atividades se diferenciam em outros setores econômicos: verifica-se que as mulheres também atuam com trabalho artesanal enquanto os homens executam trabalhos externos, voltados principalmente à construção civil. Segundo a moradora Rocina Morais, de 74 anos, anteriormente a prática do tear era muito comum na comunidade.

A comunidade de Barro preto, tida como matriarcal, tem pelo menos um membro de quase todas as famílias recebendo aposentadoria ou auxílio de invalidez pelo INSS e cerca de 20 famílias recebendo doações de parentes ou outras pessoas, que trabalham fora da comunidade. Estes auxílios permitem melhorias na qualidade de vida da comunidade, contudo muito ainda deve ser feito, já que muitas famílias da comunidade passam por dificuldades financeiras e não são contempladas em determinados auxílios que lhes são de direito por lei, dentre eles o auxílio bolsa escola, que somente foi fornecido a duas famílias da comunidade enquanto o cadastro da maioria foi realizado.

Segundo relatos não há casos de crédito rural a nenhuma das famílias de Barro Preto e a assistência técnica da EMATER somente foi prestada a uma família, contudo não resultou em ganhos positivos. A assistência voltou-se ao cultivo de flores, todavia desconsiderou a realidade/experiência local, sendo este aspecto decisivo ao fracasso.

Na comunidade há dois projetos em desenvolvimento, sendo cada um deles desenvolvidos por instituições distintas. Através da APN – Agentes Pastorais Negros – esta sendo realizado um trabalho de resgate cultural dos afrodecendentes, abordando a relação negros no Brasil e África. Via CONSEIA – Conselho de Segurança Alimentar – foi estruturado o projeto PROSAN, que tem como enfoque o incentivo as hortas comunitárias.

Na Comunidade de Barro Preto verificam-se a existência de casas de alvenaria e também de pau a pique. A maioria das casas são de grande simplicidade e trazem consigo uma história de luta e esforço de construção, algumas encontram-se ainda somente com reboco. No pequeno povoado ainda mantem-se erguida a casa mais antiga, esta pertence a moradora Maria Praxedes de 88 anos. A casa foi feita com pau a pique e pedras postas uma sobre as outras, sendo ela o padrão das casas habitadas pelos antepassados da comunidade quilombola de Barro Preto. Segundo o relato dos moradores a comunidade tem a pretensão de tombá-la enquanto parte do patrimônio histórico-cultural de Barro Preto.

A principal fonte de água destinada ao abastecimento da comunidade advém de dois grandes poços/cisternas. A água é distribuída as residências por meio da rede geral, somente uma família capta água de nascente, esta família sofre com sérios problemas, uma vez que parte dos grotões foram desmatados dando lugar ao pasto (novo uso espacial)que reduziu o nível da água do curso d’água mais próximo.O problema se agrava ainda mais mediante a ausência de cerca, deixando com que o gado pisoteie livremente sobre água que é encaminhada diretamente a residência, ocasionando danos a saúde da família. A água utilizada pela comunidade recebe tratamento parcial através do acréscimo do cloro para matar as impurezas da água. Ressalta-se que a água da localidade encontra-se parcialmente poluída pelo uso indiscriminado de agrotóxicos na silvicultura de eucalipto. Atualmente a comunidade não sofre sérios problemas com a falta de água.

Conflitos relativos ao uso da água foram perceptíveis entre a comunidade e os fazendeiros, já que os últimos não aceitavam que os poços cartesianos que abasteceriam os habitantes de Barro Preto fossem construídos em suas propriedades. Este conflito findou-se quando um destes foi posto em na área de uma moradora, da comunidade e outro no terreno da igreja.

O lixo produzido pela comunidade é coletado quinzenalmente pela prefeitura. Caso os habitantes esperassem por esta ter-se-ia a proliferação de vetores de doença. Visando solucionar este problema, a alternativa que encontram e a de queimar os resíduos orgânicos (papel, restos de alimentos) deixando para a coleta da prefeitura apenas os resíduos mais resistentes, como vidro e plástico.

As doenças mais freqüentes ocorridas nos dois últimos anos são a pressão alta, diabete, verminose, desnutrição e anemia, sendo as duas primeiras de maior ocorrência no público, adulto e em menor proporção em jovens, já as três últimas são comuns as crianças. Outro sério problema enfrentado pela comunidade é o grande número de casos de alcoolismo principalmente entre os homens adultos e jovens. Segundo relatos, já houveram mortes por cirrose no povoado. Os problemas de saúde tendem a se agravar ainda mais mediante a periodicidade com que a comunidade recebem visita de algum agente do PSF – programa de saúde família – fato evidente na fala de Maria da Cruz. “Os agentes” (médicos) vem trabalham algumas semanas, e depois vão embora, acreditamos que eles não recebam bem ficando aqui” Como se não bastasse na comunidade não há nenhum posto de saúde, nem mesmo hospitais, estando os mais próximos em Santa Maria do Itabira, a cerca de 9km. Para que as pessoas se desloquem aos hospitais em busca de uma consulta simples e o recurso mais utilizados são os ônibus escolares, que tem horário de saída e chegada. Casos urgentes são encaminhados ao hospital comumente por carros de conhecidos. Casos mais simples muitas vezes passam pelas mãos de benzedeiras da própria comunidade (4). Anteriormente a maioria dos partos eram realizados em casa, na atualidade as mulheres são encaminhadas ao hospital.

Em Barro preto há uma escola primária que atende aproximadamente 140 alunos, no turno da manhã e tarde, a noite na mesma funciona o programa EJA – Educação para Jovens e adultos. A escola é atendida por sete professores. Dentre esses um que atua com o resgate musical quilombola. A escola de Barro Preto consta com um pequeno museu que trás consigo a história da comunidade, vista através de objetos, móveis, roupas, relatos… Os que usufruem do espaço escolar local, mediante ao fator proximidade, chegam a esta a pé, de bicicleta ou a cavalo. Os adolescentes estudam na escola de Santa Maria. Para se deslocarem utilizam o ônibus escolar da prefeitura.

A comunidade tem sua cultura marcada pela capoeira, e festas como a de Santo Antônio comemorada dia 25 de junho e da Vigília de Natal do dia 25 de dezembro. As danças comuns à comunidade associam-se ao batuque, moda de quatro, quadrilha, umbigada e capoeira. Segundo o morador Sebastião, de 82 anos, no povoado também era comum à prática da marujada e a estiagem das bandeiras de Santo Antônio, São Pedro e São Sebastião . Atualmente as bandeiras se encontram na casa de Maria Praxedes.

Em Barro Preto é verificado duas religiões a católica e evangélica, cada uma delas é representada por uma igreja, sendo a católica mais freqüentada (80%). O santo padroeiro da comunidade é o Santo Antônio.

A comunidade apresenta infraestrutura mínima, marcada pela presença de: um telefone público, rede elétrica rural, antenas de tv, e comércio local, sendo o último constituído por bares. Na comunidade inexistem caixa de correios. O principal acesso ao povoado se dá por meio de estradas vicinais (terra), sendo este difícil no período de chuvas. O meio de transporte público para se chegar a comunidade se dá via ônibus escolar ou veículos particulares.

A organização da comunidade é marcada pela presença de grupos de capoeira; associação de moradores; grupo de artesanato, que atende a jovens e crianças e um grupo de forró, estilo pé de Serra. As mulheres tem um grupo específico constituído por intercessoras de oração da igreja local. Este tem a liderança de Maria Isabel. A associação de moradores nomeada como Associação São Francisco de Barro Preto, fundada em 1986, tem como presidente Luciano. As principais lideranças locais são: Maria Isabel, Maria da Cruz e José Pastor.

Segundo os moradores os maiores problemas enfrentados pela comunidade são: ausência de espaço para o desenvolvimento de atividades, racismo, alcoolismo, gravidez na adolescência, ausência de empregos, escassez de transporte, más condições da estrada, ausência de cursos superiores nas proximidades. Muitos destes problemas já foram relatados e encaminhados via ofício à prefeitura local, principalmente no que é referente ao transporte, contudo não há retorno. Acredita-se que a medida em que a Federação Quilombola for instituída essa situação seja gradativamente alterada.

Com a pretensão de minimizar esses problemas a comunidade conta com instituições como a APN, já relatada e entidades apoiadoras a causa quilombola como o CONSEIA e CEDEFES– Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva.

A comunidade ainda não foi reconhecida como remanescente de quilombo mediante solicitação via encaminhamento ao governo, contudo há adesão plena a causa por todos os membros da comunidade de Barro Preto.

A valorização do espaço local e da identidade quilombola de Barro Preto é algo visível a mídia. Relatos desta história já foram exibidos no Programa Terra de Minas, da Rede Globo, e descritos no jornal regional Interfato.

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