PA – União não devolveu terras
Governo federal prometeu devolver as terras subtraídas ao Pará. Foram feitos estudos e uma solenidade para a entrega do relatório, mas nada foi feito.
Paraguassú Éleres (Defensor Público – Professor de Direito Fundiário) – Como sugestão ao programa de candidato ao Governo em 1994, sugeri ao senador Almir Gabriel uma ação efetiva para reincorporar as terras abrangidas pelos Decretos-Lei 1164/71 e 1473/76. No abril seguinte, após eleito, Almir nomeou uma comissão para operacionalizá-la, mas não contavam seus membros que o mero pedido de informação sobre as terras arrecadadas pelo Incra ensejassem a formação de um brutal corporativismo por parte dos funcionários daquela autarquia federal, alegando que o Iterpa iria tirar todas as suas terras, quando em verdade constituem elas propriedade do povo do Pará.
Almir Gabriel comunicou ao presidente Fernando Henrique Cardoso e em 20 de outubro de 1995, em Belém, os dois assinaram decretos criando um Grupo de Trabalho interministerial para trabalhar em comissão paritária, federal e estadual, objetivando “estudar a situação fundiária do Estado do Pará e elaborar propostas de diretrizes para os problemas identificados”. Do GT-Pará participaram membros da União (SAE, Funai, Exército, Aeronáutica, EMFA, Fazenda, Agricultura e Meio Ambiente) e do Pará (Seplan, Iterpa, Segup, Idesp, Sectam. Ministério Público e Polícia Militar). Durante dois anos as comissões se reuniram em Brasília, Belém, Rio de Janeiro (sede da CPRM, encarregada de produzir a cartografia unificada dos mapas do IBGE, Incra, Ibama, Funai, SPU, Emfa) e também foram ao Campo de Provas Brigadeiro Haroldo Veloso (base aérea do Cachimbo) para ver “in loco” a situação das terras do Ministério da Aeronáutica ocupadas por posseiros, bem como as que seriam reincorporadas ao Pará, e em solenidade pública no salão nobre do palácio do Planalto, 24 de maio de 1996, presentes o governador do Pará, Almir Gabriel, e parte da bancada federal do Pará no Congresso Nacional, Ministros da República (só ausentes as autoridades de Segurança Pública ligadas ao massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido no mês anterior) com toda a pompa e circunstância que o momento ensejava, o presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou as conclusões e recomendações contidas no relatório do GT-Pará e prometeu devolver as terras que há um quarto de século foram subtraídas ao estado do Pará. Para o articulista, que desde 1971 tem denunciado em sala de aula, em artigos neste jornal, em palestras e simpósios, a subtração das nossas terras com base no malsinado Decreto-Lei 1164/71, foi com satisfação que junto a Ronaldo Barata, presidente do Iterpa, elaboramos o discurso que o governador pronunciou ante o Presidente da República e nele inseriu a expressão “macrogrilagem oficial”, que há anos usa em seus escritos e palestras. Com relação aos prazos para execução das programações contidas no Relatório do GT-Pa, a contagem começou a contar da publicação no Diário Oficial da União e no do Estado do Pará (16 de março de 1998), data de encerramento solene dos trabalhos, em Belém, e entrega a Almir Gabriel pelo então Coronel Ruy Alves Catão, da SAE, de um livro encadernado, com cópias de toda a documentação produzida pelas comissões do GT-Pará. Diga-se, no entanto, que nenhum dos compromissos assumidos pelo Estado foi cumprido, em especial o cadastro fundiário informatizado, que seria feito junto com o Incra e que é peça fundamental para a concretização do Zoneamento Econômico-Ecológico do Pará, cujo projeto está sendo apreciado pela Assembléia Legislativa do Pará, sob pena de que ficaremos sabendo onde estão todos os sítios ecológicos mas não saberemos a quem pertence a terra onde está o sítio.
Zoneamento Econômico-Ecológico também precisa de medidas administrativas
Sob qualquer prisma, cumpre observar que de nada adiantará a execução do ZEE se o governo do Pará não priorizar as seguintes medidas administrativas: 1 – organizar o Iterpa (não é reorganizar, mas organizar) como órgão de primeira linha, a começar pelo fato de que seus dirigentes tenham formação acadêmica e profissional para a condução da matéria agrário-fundiária, e não mais sejam nomeados como compensação por insucessos em pleitos eleitorais; 2 – elevar condignamente o salário de seus funcionários; 3 – fazer rigorosa seleção no quadro de técnicos e que os aproveitados passem por treinamento intensivo em equipamentos atualizados de topografia, de geodésia e georeferencimento (agora mesmo no curso de atualização e especialização da Ufra, de 360 horas, o Iterpa não os mandou por falta de recursos…); 4 – aumentar o quadro técnicos admitindo quem tenha especialização de georeferenciemento; 5 – atualizar a expedição de títulos estaduais para cumprimento da lei 10.267, de 2001 e no Decreto 4.449, de 2002, de maneiras que os lotes, qualquer que seja a sua dimensão, já expedidos pelo Iterpa, georeferenciados e inscrito no Cadastro Nacional e Imóveis Rurais, administrado pelo Incra; 6 – aumento imediato dos número de procuradores fundiários; 7 – organização imediata do Arquivo do órgão para que se conheça o número real de títulos de terras expedidos pelo governo, desde 1850, e que esses dados sejam postos na Internet para conhecimento dos pesquisadores e dos que querem adquirir terras no Pará; 8 – levantamento imediato dos dados fundiários em todos os Cartórios do Estado para casá-los com os do Arquivo, o que deverá ser feito junto com o Poder Judiciário; 9 – fazer o Cadastro fundiário informatizado do Pará, elegendo área prioritárias; 10 – conveniar com o IBGE para adensar a Rede Geodésica Nacional no Pará a fim de facilitar a execução de trabalhos de georeferenciamento exigidos pela Lei 10.267/2001, e mesmo os trabalhos de campo do Iterpa; 11- conveniar com o Incra para instalar e homologar no IBGE pelo menos mais duas estações de Monitoramento Contínuo para receptores GPS de dupla freqüência (Marabá e Santarém), de maneira cobrir todo o território do Pará e 12 – construir sede própria para o Iterpa, em prédio projetado para abrigar as instalações de um órgão fundiário (algo funcional como foi feito para a Estação das Docas e o Mangal das Garças, cujas opções políticas levou o governo estadual a investir quantias suportáveis ao tesouro estadual).
Legislação fundiária paraense necessita de atualização para surtir o efeito desejado
Fato crucial é a urgente atualização da legislação de Terras do Pará. A modalidade de Concessão de Direito Real de Uso do Solo, por exemplo, que o governo do Estado tentou impor sob o nome de “Autorização de Uso de Bem Público”, mediante a Instrução Normativa 001/2003, do Iterpa, ou através da Sectam, adotando a Resolução 028/2004, do Coema, constituem flagrantes ilegalidades porque a modalidade concessão não está elencada no art. 9º do Decreto-Lei 57, de agosto de 1969, que constitui a Lei de Terras do Pará. Por outro prisma, e para solucionar a tensão madereiros versus Ibama, órgão federal que sob uma administração séria luta para cumprir a lei estadual e proteger o nosso patrimônio florestal, deve o governo encaminhar projeto de lei à Assembléia Legislativa alterando o artigo 12 do Decreto-lei 57/69, o qual proíbe a venda de terras para extrativismo, atividade na qual se enquadram os projetos madeireiros. A idéia da concessão é excelente, mas é necessário que se dê garantia real às transações. Em qualquer hipótese, necessário é analisar a situação em que a garantia real seja dada pelo Estado.
Neste caso, quem o garantirá – não apenas contra eventuais dívidas dos atores privados com as casas bancárias ou outra instituição financeira -, mas o valor mesmo do recurso natural, a floresta e seus produtos, postos em mãos alheias para explorá-las e que não cumpram os Planos de Manejo Florestal ?… Quem garantirá às futuras gerações que desfrutarão dos mesmos recursos, se estes forem explorados como o foram por aventureiros iguais aos dos últimos quarenta anos, enriquecidos com a floresta pública mas só deixaram cinzas na paisagem “krasberguiana” ? Não podemos é mais esperar que a América exporte outras freiras heroínas para serem assassinadas num desvão qualquer das veredas dos nossos sertões, para tomarmos “providência sérias”.
No quadro geral importaria aqui falar sobre as Terras Indígenas e da Unidades de Conservação da Natureza, criadas pelo governo federal sem a participação do governo do Pará, bem como das terras de Quilombos, que têm gerado tensão nas regiões onde são criadas, inclusive por se estar ins-titucionalmente armando grave problema para o futuro no que diz respeito à sucessão hereditária dos membros das comunidades quilombolas, além do descontrole nas criações. Num caso em discussão na Comarca de Acará, o presidente de uma comunidade quilombola é filho dos gerentes de uma fazenda em cuja área o Iterpa concedeu a terra, mas o cidadão não é remanescente da população negra, como estabelece a Constituição e nem há prova de que o lugar foi um Quilombo, até pela proximidade da capital.
Para a geração nova, que vai dirigir o Estado nos próximos 20 anos, vale lembrar que há 20 anos era proibido tratar publicamente destes assuntos. Quem deles se ocupava era “de esquerda”. Comunista. A verdade é que ainda são poucos os que discutem a matéria sem interesses de lucro (material e/ou político partidário). Mas também eram poucos (apenas 12) os companheiros originais de um amigo aqui da casa, que morreu há 2.000 anos. Mas as idéias frutificaram e prosperaram.