RJ – Preconceito
O Brasil é o país dos contrastes. Temos nos últimos anos passado por formidáveis transformações. Ao mesmo tempo, assistimos quotidianamente a ações de desconsideração aos direitos fundamentais de determinadas camadas de nossa sociedade. Um caso notório é a recente polêmica envolvendo o reconhecimento da comunidade remanescente de quilombos da Ilha da Marambaia. O processo de reconhecimento da comunidade da Marambaia como quilombo se iniciou em 1999. Momento em que a população local vinha sendo impelida a sair de suas casas por conta de ações de reintegração de posse impetradas pela Marinha e a Advocacia Geral da União, com a alegação de tratar-se de “ocupações irregulares”.
A Comissão Pastoral da Terra elaborou um dossiê contendo material histórico a respeito da situação dos moradores da Ilha. No final de 1999, este dossiê foi enviado à Fundação Cultural Palmares, órgão federal, à época, responsável pela aplicação do artigo 68 dos Atos de Disposição Constitucional Transitórios da Constituição Federal, que reconhece a titularidade das terras aos remanescentes de quilombos.
O que os moradores da Ilha almejam é o acesso a sua terra para moradia e cultivo de pequenas roças e a possibilidade de pescarem com suas pequenas embarcações. Assim como previsto pelo decreto 4.887/03 — o qual não se refere especificamente à Marambaia,mas ao processo de reconhecimento e titulação de quilombos em território brasileiro — em área de segurança nacional o uso do solo deve ser perfeitamente compatível com os interesses do Estado.
Ademais, a titulação, assim como previsto no decreto, é necessariamente coletiva, pró-indiviso e com cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, assegurando a preservação do patrimônio histórico, cultural e social da Ilha da Marambaia.
Sendo assim, não estamos tratando de ocupação irregular, nem de um conceito de quilombo frigorificado pela lei e pelo imaginário social, ou mesmo de um processo de favelização de um patrimônio ambiental (visão mítica que propriamente concebe a natureza como elemento intocado e contemplativo, ou seja lá o que isso venha caracterizar!), mas uma área de uma comunidade centenária que às custas de muita mobilização conseguiu ao menos uma mínima visibilidade e garantia de um direito constitucional em um espaço público informado por muitas visões e posições desinformadas, por vezes preconceituosas que,surpreendentemente, reproduzem uma velha forma de tratar os direitos de alguns em direito de não ter direito.
FABIO REIS MOTA é antropólogo.