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RJ – Carta-resposta para César Maia

Carta-resposta dos quilombolas da Ilha da Marambaia ao artigo de César Maia, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, publicado no jornal O Globo no dia 25 de fevereiro de 2005

Prefeito César Maia, nós, os remanescentes de quilombo da Ilha da Marambaia, localizada no município de Mangaratiba, gostaríamos de expressar aqui nesta carta a nossa triste surpresa quando lemos na sexta-feira passada seu artigo a respeito desta Ilha e de nós, moradores.
Prefeito César Maia, não tivemos contato nenhum com o senhor durante sua visita à Ilha. Pelo contrário, fomos impedidos de conhecê-lo pelo comando da Marinha enquanto a barca, único transporte autorizado a atracar na Ilha, transportava o senhor. O Senhor provavelmente não percebeu que muitos de nós estávamos dentro da barca porque fomos obrigados pelos militares a permanecer no porão durante mais de duas horas, até que o senhor embarcasse em Itacuruçá e desembarcasse na Ilha. Senhor prefeito, este momento da sua visita à Ilha nos fez lembrar mais uma vez quem somos e de onde viemos: somos descendentes diretos dos escravos que vieram nos porões dos barcos do grande traficante e fazendeiro Breves aqui para a Ilha da Marambaia. Somos quilombolas, porque resistimos àquelas violências e continuaremos resistindo às atuais.
Prefeito César Maia, acreditamos que foi a falta de contato conosco e com nossa realidade que levou aos enganos do seu artigo. Para que estes enganos não se repitam e se multipliquem, principalmente para que eles não se tornem uma covarde mentira, que repetida muitas vezes se transforma em realidade aos olhos de quem não nos conhece, lhe oferecemos aqui algumas informações sobre a ilha e sobre nós.
Prefeito César Maia, a Ilha da Marambaia, como o senhor mesmo chama a atenção, é um importante patrimônio ambiental do Estado do Rio de Janeiro. Porém, não são nossas famílias, que moram há mais de 150 anos na Ilha, que degradam o meio ambiente. Se fosse assim, a Ilha não existiria mais. Não fomos nós que criamos os vários lixões a céu aberto que existem hoje na ilha, sem nenhum tipo de tratamento; não somos nós que realizamos treinamentos de artilharia com munição real, durante as noites, violando a paz de nossos lares, assustando nossas crianças e afastando pássaros e animais; não somos nós que explodimos bombas no fundo da baía da ilha, berçário de peixes e camarões; não somos nós que realizamos disparos de canhões do alto mar contra as pedras da ilha, afastando várias espécies marinhas e colocando em risco os barcos de nossos pescadores.
Mas, prefeito César Maia, não é apenas a natureza que sofre com a ocupação da Ilha da Marambaia pela Marinha. Nós, moradores da Ilha, também sofremos com todas as proibições que a administração militar nos impõe e que violam nossos direitos básicos. A energia elétrica nos é negada, impedindo que possamos desenvolver nossa produção. Nossa correspondência é constantemente violada. Nosso direito de ir e vir é limitado porque estamos submetidos ao transporte militar para a ilha, que não leva em conta nossas necessidades e tem seus horários alterados constantemente, sem aviso. Por isso, no caso de urgências, temos que levar nossos doentes em pequenas e demoradas canoas até o continente. Por isso, nossos filhos não podem assistir regularmente às aulas, já que os horários da barca não são compatíveis com o horário escolar. Nosso direito à moradia é violado porque não nos permitem reformar nossas antigas casas, algumas ainda de pau-a-pique, nem construir novas para nossos filhos que crescem e se casam. Já houve caso em que a construção de um banheiro levou à expulsão de uma família da ilha. Essas proibições são uma tática para nos fazer desistir de nosso direito à terra e nos expulsar aos poucos da Ilha, como já aconteceu com muitos de nossos parentes.
Prefeito César Maia, nós, os moradores da Ilha, tiramos nosso sustento da pesca artesanal, a que menos agride o meio ambiente. Agressores são os barcos industriais, que invadem as águas próximas da Baía de Mangaratiba sem nenhum controle, e que com suas redes de arrasto arrasam nossos peixes e com suas pás extraem criminosamente nossos mexilhões.
Nós, prefeito, comunidade quilombola da Ilha da Marambaia, não somos uma hipótese. Somos, sim, as testemunhas de nossa própria remanescência.

Mangaratiba, 28 de fevereiro de 2005.
ARQIMAR – Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia
Fundada em 2003

Para entrar em contato com a ARQIMAR, Joeci Eugênio (tesoureira): 21-96392321
Esta carta está sendo enviada aos principais jornais do país numa tentativa da comunidade quilombola da Ilha Marambaia de exercer seu direito de resposta ao artigo do prefeito César Maia publicado em 25 de fevereiro, no jornal O Globo.

O Observatório Quilombola a está publicando hoje em primeira mão.

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