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BA – Comunidades esquecidas

O cineasta Antônio Olava lançou o filme documentário “Quilombos da Bahia”, abrangendo 69 comunidades remanescentes de quilombos

Foram 112 depoimentos recolhidos em 69 comunidades, em 28 municípios, durante 90 dias. As 150 horas de imagens que resultaram desse esforço representaram a tarefa mais difícil do cineasta Antonio Olavo: transformar esses fragmentos de história de vida dos quilombolas no documentário “Quilombos da Bahia”.
O filme, que foi lançado no fim do ano passado, retrata a vida dos quilombos no estado e revela uma realidade bem diferente do estereótipo construído sobre as comunidades que originalmente abrigavam escravos fugidos. O documentário de 98 minutos relata as dificuldades, a religiosidade e a força da cultura dessas pessoas que têm na oralidade uma de suas características mais marcantes.

– Como surgiu a idéia de fazer um documentário sobre esse tema?
Antonio Olavo – Sempre me interessei por temas ligados à valorização da memória popular. Em 1988, viajei para a Serra da Barriga [onde hoje é o estado de Alagoas] e fiquei entusiasmado com a história do Quilombo dos Palmares. Então elaborei um projeto para fazer um documentário sobre esse assunto, mas como não consegui recursos, acabei deixando a idéia de lado. Só em 1999 retomei o projeto, fazendo um novo recorte só com o estado da Bahia. A idéia era registrar a história dos quilombos no estado. Depois passei três anos e meio pesquisando sobre o tema, elaborei um roteiro e a Petrobras aprovou. Recebemos um financiamento de R$ 579 mil para realizar o filme.

– Na prática, a idéia que você tinha dos quilombos se confirmou?
Antonio Olavo – Com apenas uma semana de filmagens percebi que tudo o que havia estudado não se via. A realidade era completamente diferente. Resolvi me abrir, me adaptar e registrar o que estava vendo. Nós, dos grandes centros, temos uma imagem dos quilombos associada a comunidades primitivas, em lugares ermos. O que encontramos foram comunidades majoritariamente formadas por afro-descendentes, com poucos troncos familiares, que usam a terra para práticas simbólicas, religiosas, culturais e não-mercantis. E que tinham uma história de presença naquele lugar muitas vezes secular. Ou seja, de simples não tinham nada. Além disso, ajudou a mudar um pouco a imagem que a Bahia tem de que a sua população negra se concentra basicamente em Salvador e na Região Metropolitana. Na verdade, existem milhares de comunidades negras que se espalham por todo o estado.
– De que forma os depoimentos foram recolhidos?
Antonio Olavo – Recolhemos das pessoas idosas depoimentos de sua história. As pessoas comumente lembram o período da escravidão. Escutamos histórias incríveis, como a de uma senhora de 92 anos que contou que a avó tinha sete filhas, mas teve de vendê-las para “comer o dinheiro”. Descobrimos que ela vendeu as filhas para sobreviver e que os negros também comercializavam escravos. Claro que em menor escala. Há também muitos relatos de fuga. São fragmentos que compõem a sua ancestralidade. Há um índice altíssimo de analfabetismo e a sua cultura é basicamente baseada na linguagem oral.

– Como foi a entrada da equipe nessas comunidades?
Antonio Olavo – O fato de toda a nossa equipe ser formada por afro-descendentes ajudou muito. Eles reclamam muito que as pessoas vão fazer trabalhos lá e não voltam para dividir com eles os resultados. Uma rede de TV, por exemplo, passou três dias filmando e não mandou nem uma fita VHS para eles. A área que mais realiza pesquisas nessas comunidades é a de saúde, pois existem doenças que ocorrem com mais freqüência na comunidade negra. Muitos pesquisadores vão lá, recolhem o sangue deles e não voltam. Nós chegamos com respeito. Não queríamos chamar mais atenção do que o nosso equipamento já chamava. Além disso, os idosos têm muita influência nessas comunidades e fomos lá para ouvi-los. E eles querem ser escutados.

– Como são as práticas religiosas nesses quilombos?
Antonio Olavo – Há uma grande diversidade no aspecto religioso. Em algumas, 100% da população são de matriz africana. Mas em outras existe a mistura do candomblé com o catolicismo e o kardecismo. Em Bom Jesus da Lapa, mora um senhor de 72 anos chamado Andrelino que influencia toda uma região. Lá, ele é considerado um santo. As pessoas vêm de mais de 10 municípios para vê-lo. Uma coisa que também impressionou foi a musicalidade deles e a importância dos cantos religiosos.

De que forma a população vai poder aproveitar esse trabalho?

Antonio Olavo – A partir de março vamos distribuir cópias para as 4.333 escolas públicas da Bahia junto a um manual pedagógico e um mapa com o roteiro dos lugares por onde passamos. Esperamos alcançar mais de dois milhões de estudantes. É um documento audiovisual que vai ajudar as pessoas a conhecerem a sua própria história. O Brasil tem carência de projetos ligados à memória popular. Antes tínhamos incluído o depoimento de sociólogos, antropólogos e historiadores. Mas desistimos da idéia e deixamos só os depoimentos dos quilombolas. O documentário não tem análise, mostra tudo, como todas as contradições, dificuldades e alegria desse povo. Queria no futuro poder disponibilizar na Internet ou quem sabe publicar um livro com todos os depoimentos. Esse filme não é da equipe que o realizou. É de todo mundo que quiser botar embaixo do braço e sair exibindo.
Rets – Alguma coisa causou maior espanto nesse processo?
Antonio Olavo – Foi o espírito comunitário. Eles tinham muito pouco, mas dividiam tudo com a gente. Entrei também pela primeira vez numa casa de farinha. Não tinha idéia de como era complexo fazer farinha. Nunca mais comi farinha como antes. Voltamos desse projeto achando que é possível um mundo melhor porque 30% das comunidades não têm luz, muitas não têm estradas. Numa outra, 4.500 pessoas não têm água encanada e fica apenas a 50 km de uma estrada federal. Mesmo assim as pessoas vivem lá com muita dignidade.

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