SP – A escravidão do mundo moderno em cena
Nova montagem de Missa dos Quilombos , com a Companhia Ensaio Aberto, atualiza música, texto e cenários e amplia o foco de denúncia social
Por: Lauro Lisboa Garcia
O cenário de Cláudio Moura tem máquinas industriais, os figurinos de Beth Filipecki são envelhecidos e sujos como os de trabalhadores braçais, a música percussiva e cantada em coro, sob a direção de Túlio Mourão e Robertinho Silva, ganhou toques orientais e timbres eletrônicos, o texto tem inserções que denunciam o trabalho escravo no mundo contemporâneo. É a nova montagem da Missa dos Quilombos, de Pedro Tierra e dom Pedro Casaldáliga, com música de Milton Nascimento. A peça, encenada pela Companhia Ensaio Aberto, com direção de Luiz Fernando Lobo, fica apenas três dias, a partir de hoje, no Teatro Alfa. Fundada em 1992, a Ensaio Aberto é a única companhia carioca a se dedicar exclusivamente ao teatro político e já colocou bandeiras do Movimento dos Sem-Terra (MST) numa montagem de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.
A Missa dos Quilombos original foi mostrada ao público pela primeira vez no dia 22 de novembro de 1981, na praça em frente da Igreja do Carmo, no Recife, para 8 mil pessoas. A escolha do lugar teve significado histórico: foi onde a cabeça de Zumbi dos Palmares – líder escravo, símbolo de resistência contra a escravidão – ficou exibida enfiada numa estaca em 1695. No texto original, o quilombo já era o retrato das populações marginalizadas de maneira geral, não apenas sobre a questão dos negros, como pode parecer. O que fizemos agora não é uma releitura, mas uma leitura mais correta do que já estava no texto. A questão do negro é apenas uma dentre muitas raças discriminadas, como os muçulmanos, os orientais. Usamos até uma frase do (dramaturgo) Heiner Müller: Meus cúmplices são os negros de todas as raças . No elenco temos negros, descendentes de índios.
Como a história não é contada de maneira linear, a montagem se apóia na força da imagem e da música para enfatizar a crítica às condições de trabalho precárias das minorias. Não é ficção: há casos de crianças que cortam uma tonelada de cana por dia em condições desumanas. Isso é dito em cena. O que fizemos foi tornar o texto mais claro visualmente , diz Lobo. A cenografia e os figurinos foram baseados em fotos de João Carlos Ripper e Sebastião Salgado, que tiveram grande preocupação em fotografar o mundo do trabalho e ver nele talvez uma poesia que os outros não enxergaram.
Seguindo a estrutura de uma missa, que louva Xangô, o orixá da Justiça, o espetáculo mistura o rito católico com expressões da cultura afro-brasileira. Tem som de caixas de congada mineira, pandeiros do bumba-meu-boi maranhense e luta de espadas de maculelê, entre 43 máquinas de usinas, uma turbina de avião e som de música eletrônica, contrastando passado e futuro. Como toda canção de liberdade vem do cárcere , há crença na possibilidade de libertação. A solução está nas minorias, a esperança está nas minorias , diz Lobo.