Por Pedro Rebelo
Foi protocolado na Câmara dos Deputados, em 17 de maio, o Projeto de Lei (PL) 1279/2022, que exige do Estado brasileiro a promoção de políticas públicas de reparação histórica referente aos crimes contra a humanidade, institucionalmente cometidos durante o período de escravidão. O projeto foi denominado como Marco Legal dos Povos e Comunidades de Matriz Africana, pois reconhece a contribuição dos povos de matriz africana na construção do Brasil, a fim de promover a valorização da ancestralidade africana.
O PL possui 34 artigos, entre os quais destacam-se a implementação do Fundo Nacional de Reparação do Crime contra a Humanidade durante a escravidão, com o objetivo de financiar ações governamentais para o desenvolvimento dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana; a elaboração de um Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e a capacitação de servidores públicos, defensores, agentes do direito e da segurança pública na defesa dos direitos destes povos.
Para Ana Gualberto, diretora executiva de KOINONIA, “é mais do que urgente que o Legislativo se junte à parte da sociedade brasileira que compreende a necessidade real da reparação para os povos negros existentes no país”. Ana lembra que o PL deveria ser protocolado por, pelo menos, 60% dos parlamentares eleitos pela população negra brasileira. “Juntando pessoas negras e não brancas, somos a maioria neste país”, complementa.
O PL chega em um momento de recrudescimento de crimes de racismo, intolerância religiosa, racismo, ódio e terrorismo religioso na sociedade brasileira, como um reflexo da polarização política com setores reacionários da extrema direita que temem a perda de seu projeto nas eleições gerais de outubro. Na última semana, a fala do pastor Felippe Valadão em evento custeado pela prefeitura de Itaboraí, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ganhou destaque nacional por incitar discurso de ódio contra terreiros.
Por meio do Observatório Quilombolas, KOINONIA tem mapeado casos de Intolerância Religiosa e Racismo Religioso. O caso de Itaboraí não está isolado, por isso é urgente a aprovação deste projeto.
Para a Yalorisá Juçara de Yemoja, do Ilê Aṣè do Ogun Já, “o povo preto viu suas tradições ancestrais e espirituais se reduzirem a cinzas, bem como nossos irmãos indígenas.” A mãe de santo salienta que o problema é estrutural. “Mais de quinhentos anos depois a estratégia permanece, só mudam as mãos, mas segue a conivência do Estado. Sem reparação histórica não há democracia possível neste país”, finaliza.
Antes de ir ao plenário para votação, o PL deverá seguir para avaliação dos parlamentares e comissões, para então ser aprovado na Câmara e seguir para o Senado. Só após uma eventual aprovação no Senado, o PL é votado pelo Congresso Nacional e referendado como Lei. Dada a composição do Congresso, entendemos que a aprovação do Marco Legal dos Povos Tradicionais de Matriz Africana será uma tarefa árdua, por este motivo KOINONIA se soma nas mobilizações e lutas por sua aprovação.
O projeto é de autoria da Deputada Federal Erika Kokay (PT/DF) e é assinado por outros dezenove parlamentares: Fernanda Melchionna (PSOL/RS), Talíria Petrone (PSOL/RJ), Vivi Reis (PSOL/PA), Professora Rosa Neide (PT/MT), Luiza Erundina (PSOL/SP), Áurea Carolina (PSOL/MG), Sâmia Bomfim (PSOL/SP), Ivan Valente (PSOL/SP), Frei Anastacio Ribeiro (PT/PB), Valmir Assunção (PT/BA), Marcon (PT/RS), Natália Bonavides (PT/RN), David Miranda (PDT/RJ), Paulo Ramos (PDT/RJ), Heitor Schuch (PSB/RS), Reginaldo Lopes (PT/MG), Tadeu alencar (PSB/PE), Jandira Feghali (PcdoB/RJ), Alencar Santana (PT/SP).