Foi inaugurado nesta quarta-feira (04) o Parque Pedra de Xangô, em Cajazeiras X, Salvador (BA). Com 67 mil metros quadrados, se situa em área de Mata Atlântica e de comunidades remanescentes de quilombos. Além disso, é o primeiro do Brasil a levar o nome de um orixá.
Desde 2017, o Parque é reconhecidamente um patrimônio ambiental e cultural afro-brasileiro, fruto de uma luta coletiva, do povo de santo e da comunidade local.
KOINONIA conversou com lideranças religiosas presentes no evento de inauguração sobre o significado e a importância desse espaço, que tem enfrentado episódios de intolerância por parte de adeptos de religiões neopentecostais.
Veja o que disseram:
“Para nós, para além do seu tombamento, de toda a sua liturgia e representação, é um monumento histórico. Não só para a sociedade de Salvador, mas para os moradores de Cajazeiras. Nós, muitos terreiros da redondeza, sempre buscamos a salvaguarda dessa pedra, daquele espaço. Estamos falando de uma grande área de Mata Atlântica também. A religiosidade de matriz africana é elementar, é ligada à natureza. Não existe orixá sem flor, sem folha, sem água, sem vento, sem terra. Não existiria Xangô sem o altar sagrado, sem fogo, sem a terra. Por isso, acreditando em nossa ancestralidade, a gente buscou que essa pedra não seja tão somente uma pedra ancestral- estima-se que tenha cerca de dois bilhões de anos -, mas que seja protegida. E foi daí que veio o Parque Pedra de Xangô. Xangô é força, é a palavra da verdade, é o bom caráter. É aquela luta que a gente faz”, explica Mãe Tâmara Odara, sacerdotisa de religiosidade de matriz africana, na linha de Ketu, psicóloga e psicopedagoga. O terreiro no qual se iniciou fica em Cajazeiras e ela mora na Fazenda Grande 3, localizada próxima ao parque.
“Com a luta do povo de santo junto ao poder público, nós conseguimos, em 2017, o tombamento do okúta (pedra sagrada em iorubá). Com a construção de um parque numa área sagrada, nós, religiosos de matriz africana, esperamos contar com uma segurança, nunca existente, para entrega de nossas oferendas e celebrações no espaço, porque sempre fomos agredidos e desrespeitados por fundamentalistas. A própria pedra foi agredida diversas vezes. Salvador apresenta uma diversidade religiosa imensa, mas conviver com as diferenças é possível, basta que nos respeitemos”, desabafa Ìyá Márcia d’Ògún, Ìyalọ̀ríṣá do Ìlẹ̀ Àṣẹ Ẹwà Ọ̀lódùmarè e presidenta do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Salvador.
“A inauguração de um parque com o nome de um Orixá é um marco na história brasileira, sobretudo um reconhecimento à importância das religiões de matriz africana, que por séculos sofre toda sorte de desrespeito e discriminação. O Parque surge da luta de várias representações de matriz africana e entidades que luta para preservação do meio ambiente especialmente as estabelecidas em Cajazeiras, que por mais de 20 anos lutaram para proteger esse monumento sagrado”, conclui Evilasio da Silva Bouças, Tata Kivonda Nkodiamambo, do Terreiro Kawizidi Junsara, e presidente do Conselho Municipal das Comunidades Negras.
“Para nós, povo de axé, a inauguração do parque é muito importante, é sobre continuar a lutar para que nossa ancestralidade seja preservada, mas é importante pensar o pós, pensar na gestão desse espaço, queremos estar no conselho gestor do parque para garantir que o espaço seja de fato ocupado pelo nosso povo e sem violências e intolerância religiosa, como já aconteceu anteriormente com pastor pregando na pedra, sal grosso que foi jogado, enfim combater o racismo religioso todos os dias”, acrescentou Laina Crisóstomo, dofona de Obá e co-vereadora de Salvador.
Foto de capa: Gabriel Silveira