Denúncia: Pela segunda vez o Busto de Mãe Gilda de Ogum é atacado e apedrejado em Salvador, Bahia

Por Natália Blanco, com a colaboração de Camila Chagas – KOINONIA Mais uma vez o Busto de Mãe Gilda de Ogum, localizado no parque metropolitano do Abaeté, é alvo de vandalismo em Salvador (BA). O ato aconteceu no início desta tarde, 15 de julho de 2020. O homem foi preso em flagrante e levado à delegacia. Populares ouviram ele dizer que praticou o ato “a mando de Deus”. Em 2016 o Busto de Mãe Gilda foi atacado pela primeira vez, logo após ser restaurado. Na época, as câmeras de segurança mostraram que o vândalo estava com o rosto coberto. Desta vez, em 2020, em plena pandemia do novo coronavírus, em plena luz do dia, um homem decide atacar o busto de Mãe Gilda, destruindo elementos litúrgicos que estavam próximos ao monumento. A Iyalorixá Jaciara Ribeiro, sucessora e filha consanguínea de Mãe Gilda no comando do terreiro conta como recebeu a notícia no início da tarde: “Eu estava em casa, arrumando os kits de doação para levar ao presídio, era 12h34 quando a gestora Aline me ligou dizendo que um homem veio até a estátua do Busto de Mãe Gilda apedrejando. É a segunda vez que o busto é vandalizado. Neste momento a polícia foi acionada e o homem foi pego em flagrante. Quebrou tudo aqui, deu pedrada e ele disse que foi a mando de Deus. Que Deus é esse?” Segundo apuramos com a advogada do Ilê Abassá de Ogum, Gabriela Ramos, ao chegar na delegacia o homem preso em flagrante foi enquadrado dentro do crime contra patrimônio público e até o momento em que ela esteve na delegacia, estava sob custódia. Na delegacia o caso não recebeu tratamento em relação à intolerância religiosa e foi negado enquanto crime correspondente a Lei nº 7716 (lei que combate o racismo) ou mesmo no artigo. 208 do Código Penal (dos crimes contra sentimento religioso). Segundo a advogada, a delegada entendeu que o homem estava sob efeito de surto psicótico. Porém, naquele momento o homem não apresentava nenhum sinal de agressividade ou de fala desconexa. A história de Mãe Gilda e do Ilê Axé Abassá de Ogum é marcada por seguidos atos de racismo religioso já sofridos. É em homenagem à Iyalorixá que o dia 21 de Janeiro é o Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa. No Brasil, os casos de intolerância e ódio religioso podem ser registrados pelo Disque 100, vinculado aos Direitos Humanos. O serviço foi criado em 2011, funciona 24 horas por dia. Só em 2019 o número de casos denunciados pelo disque aumentou 56%. Em relação aos últimos anos. “Neste momento de pandemia, a gente não pode silenciar. Num momento onde o país passa por tanta dificuldade, mais uma vez o busto de Mãe Gilda é depredado. Então eu estou aqui convocando o povo de candomblé, que a gente precisa ter este exemplo, eu não quero ser a garota propaganda da intolerância, mas são 21 anos da morte de Mãe Gilda e ainda assim esse ódio religioso não acaba!”, completa Mãe Jaciara.

Koinonia Presença Ecumêmica Serviço, em nota por meio de nosso diretor executivo, Rafael Soares de Oliveira reitera o compromisso, solidariedade e defesa da Iyalorixá Jaciara, do Abassá de Ogum e da defesa do direito ao sagrado dos povos de terreiro:

O vandalismo que se repetiu hoje à tarde no busto de Mãe Gilda é a repetição de um ato de terror intolerante e racista, o pior de todos, porque é silencioso e covarde, um agressão a um busto conquistado em homenagem ao símbolo da Luta contra a Intolerância Religiosa no Brasil. Isso tem que parar, agora pela força da lei, que o culpado e eventuais outros envolvidos sejam criminalizados – esta é e posição solidária de KOINONIA. Para o futuro seguiremos lutando por um Brasil de todas pessoas, sem racismos, livre e democrático. Nosso abraço especial à Mãe Jaciara Ribeiro, filha da Mãe Gilda e incansável promotora do legado anti-racista da sua Mãe. Vivas a Mãe Gilda e não ao Racismo!

Religiosos cristãos reagiram ao ocorrido e têm se posicionado em solidariedade à toda a comunidade do Abassá de Ogum e dos povos de terreiro:

Pastor Joel Zeferino,  Igreja Batista Nazareth – Salvador:   É impressionante como aqueles que dizem ser “defensores da fé” desconhecem sua própria tradição. Pois está lá, escrito de um jeito bem fácil de entender: “Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor” (I João 4:8). Mentem pois os que o que no passado e no presente ofendem a fé e a tradição religiosa alheia, e dizem fazer isso “em nome de Deus”. Nunca foi, nunca será. Os que odeiam atendem aos seus piores instintos, e se conformam com o que há de pior numa sociedade como a nossa, forjada através da violência, do genocídio, do racismo. E tudo isso com a Bíblia na mão – mas não no coração. De um modo ou de outro, há uma dívida impagável por parte das instituições cristãs e suas lideranças com as Religiões afro-brasileiras, com o Candomblé, com a Umbanda. Saber de mais esse ataque contra a memória de Mãe Gilda, que é também memória e símbolo coletivo do Povo do Axé, exige que cada cristão, sobretudo as lideranças, reflitam e se posicionem: afinal, o que tem sido ensinado nas igrejas para que as pessoas sejam capazes de atos tão nefastos e ainda queiram imputar isso a “vontade de Deus”? Que Deus é esse que tem sido pregado? Humildemente, em meu nome e da Igreja Batista Nazareth, toda solidariedade a todo Povo do Axé, nosso respeito e homenagem a todo o legado de Mãe Gilda que permanece vivo através do  Terreiro Ilê Abassá de Ogum e do sacerdócio da Iyalorixá Jaciara Ribeiro.
 
Pastora Sônia Mota da Igreja Presbiteriana Unida e Diretora da Coordenadoria Ecumênica de Serviço:
 
Padre Lázaro Muniz –  Paróquia de Santa Cruz, Salvador: