Ana Gualberto Iyá Oju Omo Ilê Adufé Coordenadora de ações com comunidades tradicionais de KOINONIA Editora do Observatório Quilombola
“O teu cabelo não nega mulata Porque és mulata da cor. Mas como a cor não pega mulata, Mulata eu quero seu amor.” Quem não contou esta marchinha racista eternizada por Lamartine babo, que atire a primeira pedra! Eu já cantei. Já cantei cabeleira do Zezé, e várias outras carregadas de estereótipos, de racismo. Mas não canto mais, isso é um posicionamento político. O Carnaval é uma época maravilhosa, esperados dias de muita música, folia e interação. Marca desta festa é a possibilidade de se fantasiar, de ser outra pessoa. Nos últimos anos temos visto que o carnaval voltou a ser espaço de manifestação política e social com diversas fantasias inspiradas no momento político, com críticas sociais e denúncias. Mas antigos vícios ainda não foram superados. Ainda encontramos pessoas que não conseguem entender que há diversas formas de violência e a apropriação de identidades, símbolos, religiosidade é uma delas. São extremamente ofensivas e precisamos sim falar sobre isso. As escolas de samba voltaram ser uma voz de denúncia social. Em 2018, ano em que se completou 130 anos da Lei Áurea, o desfile da Paraíso do Tuiuti questionou a extinção da escravidão no Brasil e protestou abertamente contra o golpe de 2016, que levou Michel Temer ao poder. Trouxe os “paneleiros” que apoiaram a derrubada de Dilma Rousseff, foi uma ação de denúncia aos desmontes de direitos da população, como a reforma trabalhista, iniciadas naquele período e que só cresceu desde então. O desfile da Tuiuti abriu a exploração dos negros trazidos da África no passado e terminou tratando da precarização das relações de trabalho. Abolição para quem mesmo? Este ano de 2020 temos sambas abordando a questão indígena, trazida pela majestade do samba, minha amada Portela, em seu enredo “Guajupiá, terra sem males”, a Portela canta: “…Não tem bispo, nem se curva a capitão Quando a vida nos ensina Não devemos mais errar Com a ira de Monã Aprendi a respeitar a natureza, o bem viver …” Sem falar no tão comentado samba da Estação Primeira de Mangueira que traz uma crítica escancarada sobre a reinvenção contemporânea de Jesus, conectando-o a atitudes de ódio, desrespeito e tudo de ruim. Mangueira nos traz um Jesus do povo com o enredo “A verdade vos fará livres”: “…Eu sou da Estação Primeira de Nazaré Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher Moleque pelintra no buraco quente Meu nome é Jesus da Gente…” Tem muita coisa boa no carnaval, mas inda tem gente que se fantasia de Nega Maluca, Preto Velho, de Orixá, de índio, faz Black face, usa peruca de black Power, se traveste de outro gênero… Não vou comentar uma a uma porque o texto vai ficar enorme. Aff é tanta coisa! É só parar para pensar um cadinho, usar a empatia, refletir se essa identidade é fantasia. Nada disso é fantasia. Fantasia é mágico, palhaço, pirata, noiva e por aí vai. Aliás eu vou sair de pirata juntinho com minha irmã. Tem tanta coisa pra nos fantasiarmos… Bom senso gente, bom senso. Isso não é mimimi é pedido de respeito cotidiano. Li a pouco um texto de indígenas falando sobre a questão das fantasias e compartilho com vocês um trecho: “… não estou falando sobre apropriação cultural e sim sobre racismo. Por que a fantasia é racista? Partindo da ideia de que a população nos conhece como “alegoria nacional”, acham que somos atrasados, selvagens, primitivos e que não sabemos falar português direito, por que não é racista? Não é okay pintar algo na cara, colocar cocar, falar “mim”, colocar uma fantasia de “índio” enquanto nós indígenas somos invisibilizadas, assassinadas e estupradas. Para mim e muitas etnias, o cocar é símbolo de resistência. É sagrado, e não deve ser usado de qualquer maneira. Quando eu vejo a fantasia, a réplica barata de um cocar, eu só penso que esse racismo é aplaudido enquanto meu povo morre…” Katú Mirim, Boe – São Paulo Meu pedido é que tenhamos bom senso e respeito sempre. Carnaval de alegria e empatia pra todes!!!