Daniela Yabeta
Professora do Departamento de História (UNIR-PVH)
Editora do Observatório Quilombola
É com muita alegria que apresento meu primeiro texto como colunista do Observatório Quilombola. Entre 2016 e 2018, ao lado de Ana Gualberto, assinei o blog Caderno de Campo. Agora, encaro essa nova experiência a partir de um novo lugar. Deixei o Rio de Janeiro e sou a nova moradora da cidade de Porto Velho, onde trabalho como professora do Departamento de História da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). A ideia das colunas surgiu das conversas com Ana Gualberto durante minha passagem por Salvador (BA) – de 31 de outubro até 05 de novembro de 2019. Visitei a capital baiana para as atividades em comemoração aos 25 anos de KOINONIA. Na ocasião, participei de dois momentos bem marcantes. O primeiro deles foi o Seminário Fundamentalismos e Meio Ambiente, motivo da viagem. O evento contou com as seguintes participações: ogã Lucas Cidreira do Ilê Axé Torrun Gunam; mameto Kamurici do Terreiro São Jorge da Goméia Filho; pastor Moisés Coope, pastor Ras André Guimarães, Sarah de Roure da Christian Aid e a reverenda Sônia Gomes Mota da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE). Na ocasião, discutimos diferentes experiências de fé, o caso de Brumadinho (MG), as queimadas na Amazônia e conhecemos a missão ecumênica “Pelas águas do cerrado da Bahia no Oeste do estado”. O segundo evento marcante foi o Ebó Coletivo realizado no Porto de Salvador,em frente ao navio alemão Logos Hope. O ato foi batizado de “O demônio quem traz são vocês! A Bahia é de todos os Santos, Encantos e Orixás!” e foi motivado por conta de uma postagem, atribuída aos responsáveis pela embarcação, que dizia estarem rumo a uma cidade “conhecida pela crença do povo em espíritos e demônios”. Além da realização do ebó, foi feito um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) e a instituição que representa o navio no Brasil. O documento determinou a retirada da postagem e a produção de um vídeo,como reparação ao conteúdo discriminatório contido na publicaçãosobre a cidade Salvador e sua pluralidade religiosa de matriz africana. Para quem quiser assistir, basta clicar aqui. Tem um depoimento da Ana maravilhoso! De volta a Porto Velho, fui convidada a participar do III Novembro Afro, coordenado pelo professor Uilian Nogueira e realizado entre os dias 07 e 22 de novembro no Instituto Federal de Rondônia (IFRO – Calama). Como parte de uma das atividades do evento, no dia 14 participei da mesa “A barbárie contra a juventude negra” ao lado do professor Marco Teixeira, decano do Departamento de História da UNIR (PVH). Na ocasião, foi muito importante o relato de Teixeira sobre a operação Black Stones II, organizada pela Polícia Civil do município de São Francisco do Guaporé no quilombo Pedras Negras. A operação foi um desdobramento da investigação sobre o homicídio de Emílio Paes Neto, ocorrido em 14 de abril de 2019. A polícia prendeu quatro quilombolas (incluindo um menor) como suspeitos de terem cometido o crime. Ao ser informado sobre a operação e prisão dos quilombolas, o professor Marco Teixeira mobilizou representantes do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, do Núcleo de Práticas Jurídicas da UNIR e da Ordem dos Advogados do Brasil (RO). O grupo foi até São Francisco do Guaporé e passou a atuar em defesa dos quilombolas presos. No dia 21 de novembro, o menor foi solto. No início de dezembro, durante nova visita a comunidade, Teixeira informou que os três quilombolas continuam em encarceramento provisório, causando grande sofrimento a toda comunidade. Ainda no mês de novembro, apesar de não ser feriado na cidade de Porto Velho, as discussões sobre “Consciência Negra” estavam por toda parte. Dia 20 caiu exatamente no dia da minha aula na disciplina de História do Brasil Império, ministrada para alunos do 4º período do curso de Licenciatura em História. Decidida a não deixar a data passar em vão, fizemos uma leitura conjunta do texto de Petrônio Domingues, professor da Universidade Federal do Sergipe (UFS): “Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos”, publicado na revista Tempo em 2007. Eu escolhi levar esse texto para os alunos após ter participado, no dia 17 de novembro, da I Feira Minas D´Oyá, que aconteceu no Terreiro Mina de Santa Bárbara, o mais antigo terreiro da cidade de Porto Velho. O evento contou com a participação do Coletivo Feminino Bailarinas, formado por alunas da UNIR, grande parte delas, integrantes da minha turma de História do Brasil Império. Ao ouvir a maravilhosa fala das bailarinas, considerei importante levar para a turma de forma geral, como as questões que estavam discutindo: a emergência da data do 20 de novembro, identidade negra e ensino de história e cultura afro-brasileira, já eram pautas de luta na década de 1970. Foi aí que lembrei dos símbolos adinkra, utilizados na África Antiga pelos Akan. Cada símbolo representa um conceito ou um provérbio ligado a experiências do cotidiano dos Akan. Um desses símbolos é chamado Sankofa, representado por um pássaro que se move para frente, mas nunca deixando de olhar para trás. Nesse sentido, o texto de Domingues nos mostrou que é impossível entender o presente sem termos consciência e conhecimento das lutas e conquistas no nosso passado. Na contramão do que nos ensina o pássaro Sanfoka, o jornalista Sérgio Camargo – presidente afastado da Fundação Cultural Palmares, declarou no último dia 10 de dezembro que, no que depender dele: “a Fundação Cultural Palmares não dará suporte algum a essa data”. A ideia de Camargo é “revalorizar o dia 13 de maio e o papel da princesa Isabel na libertação dos negros”. Sua fala expõe o motivo pelo qual o juiz Emanuel José Matias Guerra, da 18ª Vara Federal do Ceará, acatou a Ação Popular proposta contra sua nomeação como presidente de uma instituição que carrega no nome e na história de sua fundação, a memória de Zumbi, líder do maior quilombo que existiu no Brasil, o quilombo dos Palmares (XVI-XVII). Ao ler a declaração de Camargo, na mesma hora eu lembrei novamente das discussões junto aos meus alunos do curso de História do Brasil Império. Mais precisamente, do dia em que eles apresentaram o texto da historiadora Renata Moraes – professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ): “Uma pena de ouro para a Abolição: a lei do 13 de maio e a participação popular”, publicado na Revista Brasileira de História em 2013. O texto de Moraes fala justamente sobre como a abolição da escravidão no Brasil (1888) “não envolveu apenas literatos, políticos, jornalistas e a família imperial”. A historiadora destaca a participação de trabalhadores, abolicionistas e moradores dos subúrbios – até mesmo de Irajá, bairro onde fui criada! Através de pesquisa realizada no jornal O Paiz, Moraes nos mostra como ocorreu a mobilização popular em torno da compra da pena de ouro a ser utilizada pela princesa no momento da assinatura da lei que acabou com a escravidão no Brasil. Após a apresentação do texto, a fala de uma aluna me marcou profundamente: “Professora, para mim a abolição era só um fato. Eu nunca pensei em como aquele papel foi chegar nas mãos da princesa”. Fiquei me perguntando, será que o jornalista Sérgio Camargo já pensou nessa questão? A declaração da minha aluna foi tão potente que agradeci a Iansã e Santa Bárbara por terem me dado tamanho presente justamente no dia 04 de dezembro. Saí da universidade cantando o samba enredo da Estação Primeira de Mangueira, campeão do carnaval 2019: “Brasil, o teu nome é Dandara/ E a tua cara é de Cariri/Não veio do céu/Nem das mãos de Isabel/A liberdade é um dragão no mar de Aracati”!