KOINONIA participa do Debate Público sobre Regularização Fundiária de Salvador

Por Ana Martins Gualberto
  Com auditório lotado a sede da OAB Bahia recebeu hoje (21/05) o Debate Público sobre Regularização Fundiária de Salvador. O evento foi organizado por diversos movimentos sociais, organizações da sociedade civil e da academia que debatem o tema do direito à cidade, e que têm buscado abrir a discussão para a sociedade soteropolitana de forma ampla. Este debate se dá pela entrada do Projeto de Lei Complementar no 2/2019 para votação em caráter de urgência, que pretende instituir o Programa de Regularização Fundiária Urbana na cidade de Salvador. A base da proposição desta lei é a Lei federal 13.465/2017, que vem sofrendo diversas críticas e já tem junto ao STF três ADIs – Ação Direta de Inconstitucionalidade – em curso.[1] A regularização fundiária é uma demanda antiga dos diversos movimentos sociais que, pelo menos, desde a década de 1970 vem lutando pela garantia de suas posses e pela permanência de suas comunidades. No que tange às comunidades negras tradicionais, povos de terreiro e comunidades quilombolas com as quais KOINONIA dialoga, a permanência e manutenção dos territórios ocupados têm sido motivação para todos os processos de organização, luta social, diálogo com o estado e com a sociedade civil. Os territórios são parte destas comunidades, portanto, é impossível garantir sua sobrevivência sem garantir a manutenção dos mesmos. Assim, a luta pela regularização fundiária é uma luta ancestral das comunidades negras, desde o processo de chegada ao Brasil cerceadas do direito à propriedade, a exemplo do cerceamento imposto pela Lei de Terras de 1850, entre outras leis. Mesmo assim essas populações, da mesma forma que os demais grupos sociais vulnerabilizados, que vem lutando por moradia na cidade de Salvador, não participaram dos debates de construção desta lei que é sem dúvida fundamental para estas pessoas. Causa estranhamento, inclusive a todos os movimentos e organizações, o caráter de urgência empregado pela Prefeitura de Salvador para uma lei extremamente complexa que pode efetivamente contribuir para a exclusão de uma grande parcela da sociedade soteropolitana do direito a sua posse e propriedade. A lei será positiva desde que seja construída a partir do diálogo, do reconhecimento das especificidades e do respeito a todos os grupos, que necessitam dessa ação do estado para garantir seus direitos constitucionais. KOINONIA, portanto, assina a Carta Aberta à cidade de Salvador, fruto deste Debate Público e se dispõe a mobilizar discussões entre os grupos com os quais dialoga. Segue o texto da Carta Aberta em circulação nas redes. Carta Aberta à Cidade de Salvador Debate Público sobre o Projeto de Lei Complementar no02/2019 Os movimentos sociais, organizações da sociedade civil e instituições presentes no Debate Público sobre o Projeto de Lei Complementar – PLC no2/2019, que pretende instituir o Programa de regularização Fundiária Urbana e editar normas e procedimentos aplicáveis ao Procedimento Administrativo de Regularização Fundiária Urbana, realizado no dia 21 de maio de 2019, na sede da OAB, vem tornar público as considerações. O PLC é baseado na lei federal 13.465/2017 que instituiu, em território nacional, normas gerais e procedimentos aplicáveis à regularização fundiária urbana e alienação dos bens públicos da União. O PLC do município de Salvador prevê a Regularização Fundiária Urbana (Reurb), por meio do estabelecimento de três modalidades distintas, em linhas gerais: a regularização fundiária para população de baixa renda, dos condomínios fechados, e loteamentos irregulares, dentre outros. O Projeto, enviado pelo Prefeito à Câmara de Vereadores em 03 de abril de 2019, tramita em regime de urgência, com prazo máximo para votação 75 dias. Esse prazo findará em 16 de junho próximo, daqui a menos de um mês. Não há dúvidas sobre a necessidade de enfrentamento do diverso e complexo quadro histórico da irregularidade fundiária no município de Salvador. Contudo, para que o PLC possa redefinir, alterar, ou modificar essa realidade – em favor da promoção de uma regularização fundiária como caminho capaz de assegurar o direito à moradia e à cidade – , é preciso que sejam operados ajustes nessa proposta e, para tanto, torna-se imperioso que sejam criadas condições para a discussão ampla e irrestrita com a sociedade. A tramitação em regime de urgência prejudica a análise da matéria na sua complexidade e restringe a participação da sociedade civil. A garantia de espaços participativos para o debate do PLC 02/2019, com tempo suficiente para a reflexão, sem a exiguidade de um rito de urgência, certamente contribuirá na construção de uma lei de regularização fundiária que melhor atenda aos anseios sociais. O caráter genérico do PLC coloca em dúvida a existência de um conhecimento prévio da realidade que pretende enfrentar e aponta para a necessidade de estudos que respalde a definição das diretrizes, objetivos, metas, prioridades e indicadores para sua regulamentação. O conhecimento das situações e complexidade da realidade fundiária é o que permite estabelecer orientações e procedimentos consistentes e específicos para as modalidades de regularização fundiária previstas. É certa, por exemplo, a relevância da assistência técnica e da previsão de recursos para que a regularização voltada para a população de baixa renda seja efetiva – e o PLC é omisso quanto a essa realidade. O PLC define, ainda, a sustentabilidade como princípio, nas suas várias dimensões – ambiental, cultural e econômica -, mas deixa em aberto como será o sistema de compensação e pagamento nos procedimentos de regularização fundiária de interesse específico; como a dimensão cultural e simbólica dos territórios populares será abordada, inclusive como critério de priorização; quais as instâncias de mediação e pactuação de conflitos de interesses e mesmo frente à legislação urbanística e ambiental. A ausência de definição de procedimentos e instrumentos de participação e controle social, além de ferir princípios e contrariar disposições da política urbana brasileira e local, torna a executiva remissão á discricionariedade do executivo municipal nas definições do Programa de Regularização Fundiária ainda mais problemática. O Conselho Municipal de Salvador, cuja legitimidade é inquestionável como uma instância de controle social do Programa, não ainda envolvido no processo de elaboração do PLC. Um outro aspecto, também de grande relevância, toca à obrigatória articulação do Programa de Regularização Fundiária como os instrumentos de Política Urbana já existentes. Conforme disposto no artigo 5o do PDDU vigente, este instrumento é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo os seus objetivos, diretrizes, ações estratégicas e prioridades serem observados e respeitados, dentre outros, na “elaboração de planos, de projetos integrantes de políticas de natureza urbanística e ambiental e nas demais normas complementares” (Inciso IV). Para ilustrar, fica evidenciada a necessidade de explicar de que forma o PLC 02/2019 interage com as normas relativas às ZEIS previstas no PDDU/2016. Compreendendo a importância da regularização fundiária, acreditamos que o debate entre os diversos setores da cidade e o aprofundamento das discussões sobre como, por que e para quem regularizar é indispensável. O debate além de agregar contribuições para preencher as lacunas e promover adequações necessárias ao PLC 02/2019, garantirá a legitimidade de um dos Programas mais importantes para o município. Reafirmamos, assim, o compromisso com o futuro de Salvador, sobretudo com as funções sociais e bem-estar de seus habitantes, atuando para a valorização da cidadania e promoção da justiça social.   [1]  Saiba mais: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=367981  

 Revisão: Solange Simonato

Neste ano, especificamente em abril, KOINONIA celebra 25 anos de existência. Anos de muita luta por direitos, desafios e também de alegrias. Conheça KOINONIA.