Mais de 50 representantes de 32 organizações, oriundas de 21 países da América Larina e Caribe, América do Norte e Europa, convocados pela ACT Aliança, estiveram reunidos na Guatemala, de 27 a 29 de março, para discernir e discutir a complexa e instável situação da América Latina e Caribe, bem como suas relações com os processos políticos globais e suas implicações em relação aos Direitos Humanos, a segurança, a democracia, as necessidades humanitárias e o desenvolvimento sustentável. O objetivo foi definir estratégias que contribuam para soluções políticas, reconciliação social e solidariedade na região.
O fortalecimento de setores políticos e econômicos que promovem o conservadorismo; a violência de gênero e feminicídio; intolerâncias contra migrantes; os problemas em torno das mudanças climáticas e o protecionismo praticado para com empresas que se apossam de bens comuns; o crescente fundamentalismo religioso; e a violência contra defensores de direitos humanos, foram alguns dos temas debatidos durantes estes dias.
KOINONIA*, como organização membro da aliança, esteve presente, assim como o Fórum Ecumênico Brasil.
Rafael Soares, diretor de KOINONIA, participou do painel sobre o papel que o fundamentalismo religioso acaba exercendo, trazendo a conjuntura vivida pelo Brasil.
Para Rafael, “o cristianismo tem sido um terreno receptivo para as negações cientificas (como supostas conexões entre vacinas e enfermidades, a questão das mudanças climáticas, etc) negações históricas (sobretudo em relação às literalidades da bíblia), e uma integridade moral, que não restringe ao ambiente particular e que toma espaços coletivos e políticas públicas (como a defesa de abstinência sexual como único método de combata às ISTs e gravidez precoce, por exemplo)”.
“Para os fundamentalistas, não basta negar a universidade, a ciência, a imprensa, como um “lobo solitário”, mas são necessários grupos e instituições que legitimem tão negações como verdades literais e integrais. Isso abarca desde grupos que militam pelo ensino do criacionismo nas escolas, como também comunidades defensoras de teorias conspiratórias como os terraplanistas. Se forma assim uma cosmovisão em que o mundo se divide entre nós, os esclarecidos, portadores da verdade, contra os demais, dominados e doutrinados pelas forças demoníacas, comunistas, secularistas e por aí vai”, completa.
Os membros da ACT Aliança, as organizações ecumênicas e as organizações baseadas na fé, da América Larina e Caribe, estão preocupadas – enfatizam – e muitas delas se veem afetadas pela reação violenta contra os Direitos Humanos e o estado de direito, a redução do espaço de ação da sociedade civil, a diminuição da liberdade de imprensa, a imparcialidade, o aumento da corrupção e a carência de transparência por posições políticas.
Como organizações baseadas na fé, não deixaram de fora a reflexão teológica: “A ação de Deus nos desloca, nos salva, nos exige perseverança e coragem para caminhar junto às lutas de nossos povos na construção de sociedades democráticas, na promoção da justiça econômica e socioambiental, na luta pela justiça de gênero e a justiça para as populações migrantes e deslocadas.”
A partir da região, foram pensadas ações pontuais de trabalho a curto e médio prazo, por exemplo: fortalecer a ação conjunta com agências e programas das Nações Unidas no intuito de impulsionar iniciativas regionais de justiça de gênero e contra todas as formas de violência que transformem marcos legais e eliminem leis discriminatórias; transpor a impunidade; lutar contra a redução do espaço de atuação da sociedade civil; dar visibilidade para a questão da gravidez na juventude; acompanhar as comunidades em seus processos de acesso à justiça.
“A gravidade do sofrimento dos nossos povos nos impele a levantar nossa voz frente aos poderes políticos e econômicos que causam a injustiça e a desigualdade que afetam milhões de vidas.
* Neste ano, especificamente em abril, KOINONIA celebra 25 anos de existência. Anos de muita luta por direitos, desafios e também de alegrias. Conheça KOINONIA (com link: http://koinonia.org.br/quem-somos/sobre-koinonia).
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A seguir, a declaração completa:
Declaração final da Conferência Global sobre a América Latina e o Caribe
27 a 29 de março de 2018, Cidade da Guatemala
Somos mais de 50 representantes de 32 organizações de 21 países da América Latina e do Caribe, América do Norte e Europa convocados pela Ação Conjunta das Igrejas da ACT Aliança¹ para discernir e discutir a situação complexa e volátil na América Latina e no Caribe, a intersecção com os processos políticos globais, bem como seu envolvimento nos direitos humanos, segurança, democracia, necessidades humanitárias e desenvolvimento sustentável. A ACT Aliança é uma coalizão internacional de igrejas e organizações baseadas na fé que trabalham juntas em resposta humanitária, trabalho de desenvolvimento e incidência. No geral, os membros têm uma longa história de promoção da justiça social, dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável. Na Assembleia Geral da ACT Aliança, realizada em Uppsala, Suécia, no final de 2018, os membros da ACT da América Latina e do Caribe apresentaram seus compromissos para atuar conjuntamente¹ em situações políticas, econômicas, sociais e humanitárias, estas cada vez mais complexas. Vemos que a região da América Latina e do Caribe enfrenta uma crise crescente com sérias implicações humanitárias e reações violentas aos direitos humanos e ao estado de direito. Desde junho de 2016, uma onda de eventos políticos negativos está afetando países como Venezuela, Brasil, Nicarágua, Guatemala, Honduras, Colômbia e Haiti. Estas se dão em um contexto de fortalecimento de setores políticos e grupos econômicos que promovem o conservadorismo, as políticas protecionistas e a intolerância contra imigrantes. Este problema é agravado por uma invasão das indústrias extrativistas multinacionais e pelo impacto desigual provocado pelas mudanças climáticas. Essas empresas tiveram acesso injusto a bens comuns, como terra e água, sem proteção ambiental adequada ou tributação justa. Seus efeitos, aliados ao uso crescente de agroquímicos, são sentidos diretamente pelo meio ambiente e comunidades indígenas e camponesas. O impacto desigual das mudanças climáticas exacerba os processos de empobrecimento e migração de grandes setores da nossa população. A violência política tem ceifado centenas de vidas. As execuções extrajudiciais, sumárias e arbitrárias se dirigem cada vez mais às pessoas defensoras dos Direitos Humanos, ativistas sociais e políticos progressistas, povos indígenas, afrodescendentes, mulheres e pessoas LGBTI. O racismo, a xenofobia, o ódio às pessoas empobrecidas, a homofobia e a misoginia estão aumentando em todos os níveis. Estamos cientes de que parte dos conflitos e da violência que vivemos na América Latina e no Caribe, bem como em outras partes do mundo, se baseiam no desenvolvimento do fundamentalismo religioso. No entanto, entendemos que não há fundamentalismo religioso sem fundamentalismo político e econômico que se alimenta das desigualdades, injustiças e iniquidades. De fato, estão sendo desenvolvidas políticas discriminatórias a partir destes setores que ameaçam as convenções e acordos globais alcançados pela comunidade internacional. Os membros da Aliança ACT, organizações ecumênicas e organizações baseadas na fé na América Latina e no Caribe, estão preocupados e afetados pela reação contra os direitos humanos e o estado de direito, a redução do espaço para a sociedade civil, a diminuição da liberdade de imprensa, o aumento da corrupção e a falta de transparência nos processos políticos. A Quaresma nos faz recordar que é um momento particular de transformação pela ação divina que renova a vida. Testemunhamos a caminhada de Deus em nosso continente, de Sua palavra que se eleva profeticamente e nos transforma em esperança. Reconhecemos nas vidas e vozes de tantas mulheres e homens os sinais do Reino da Justiça, e na Sua morte e legado um apelo à ação pela dignidade. Aprendemos com os lutadores indígenas como Berta Cáceres de Honduras, das mulheres negras, como Marielle Franco do Brasil, de Alizon Mosquera, uma das centenas de defensores de direitos humanos mortos na Colômbia. Estamos retumbantes às vozes de milhares de pessoas na caravana dos migrantes na América Central, dos defensores ambientais da comunidade de Granadillas e das meninas vítimas do Lar Seguro Virgem da Assunção, na Guatemala. A ação de Deus nos desloca, nos salva, nos exige perseverança e coragem para caminhar junto às lutas de nossos povos na construção de sociedades democráticas, na promoção da justiça econômica e socioambiental, na luta pela justiça de gênero e a justiça para as populações migrantes e deslocadas. A gravidade do sofrimento dos nossos povos nos impele a levantar nossa voz frente aos poderes políticos e econômicos que causam a injustiça e a desigualdade que afetam milhões de vidas. Estamos cientes de que a busca pela superação da pobreza, da injustiça e da violência nos obriga a levar em conta a diversidade de temas e assuntos envolvidos na construção de soluções com propostas democráticas de solidariedade e de bem comum. Vemos na voz e na ação pública da juventude, a criatividade e a potencialidade de uma voz profética diante da sociedade, dos governos e dos espaços multilaterais. Assumimos o compromisso de aprender com eles, de trabalhar em conjunto e de reforçar a sua participação e envolvimento nos processos decisórios. Reconhecemos, a partir de nossa vocação ecumênica e interreligiosa, que se torna necessário e urgente: ampliar nossas alianças com diferentes organizações religiosas e com a comunidade religiosa; Fortalecer diálogos efetivos com organizações de direitos humanos, movimentos sociais, incluindo o setor privado e agências governamentais e multilaterais, atuando conjuntamente com provocação, reflexão e diálogo para caminhar no ritmo das rápidas mudanças da realidade, que deixam até hoje os paradigmas vigentes pouco válidos. Agradecemos com especial atenção o acompanhamento da presidenta da Comissão Interamericana de direitos humanos (CIDH) Esmeralda Arosemena de Troitiño, de Luis Pedernera Reyna, do Committee on the Rights of the Child, bem como a presença de representantes das Nações Unidas na análise dos desafios e possibilidades de uma maior interação contra os desafios que são apresentados e projetados na América Latina e no Caribe. Assumimos o compromisso de:- Estabelecer uma articulação regional e global que acompanhe as crises políticas e sociais na região, com especial atenção às situações vivenciadas nos países da Venezuela, Brasil, Nicarágua, Guatemala, Honduras, Colômbia e Haiti.
- Promover e apoiar a voz e as estratégias das igrejas e organizações baseadas na fé frente ao fechamento dos espaços da sociedade civil, influenciando aos organismos regionais e globais.
- Acompanhar as comunidades em seus processos de acesso à justiça em nível territorial, apoiando suas demandas e reivindicações.
- Fortalecer a ação conjunta com as agências e programas das Nações Unidas para promover iniciativas regionais e globais de Justiça de gênero e contra todas as formas de violência que transformem quadros jurídicos e eliminem leis discriminatórias.
- Desafiar a impunidade e a redução do espaço da sociedade civil e assegurar às cidadãs e cidadãos, sujeitas e sujeitos de direitos, desmascarando práticas nocivas e corruptas.
- Fortalecer os espaços internos da Aliança, como as comunidades de práticas de Justiça de gênero e outros, para gerar visões e ações conjuntas contra o fundamentalismo religioso e a injustiça.
- Garantir que as lideranças dos direitos humanos e da natureza sejam protegidos.
- Visibilizar e influenciar órgãos oficiais para que a institucionalidade funcione, contra a estigmatização, falta de acesso e a falta de atenção para com defensores de direitos.
- Evidenciar as violações de direitos, a fim de alcançar as agências e governos em instâncias de direitos humanos, reforçando o diálogo com a CIDH, o sistema das Nações Unidas e as organizações nacionais e internacionais de justiça.
- Facilitar a voz das crianças e dos jovens, para que sejam sujeitas e sujeitos plenos de seus direitos. A defesa das crianças e dos jovens deve basear-se na realidade da inequidade e das desigualdades em que este setor serve como justificação e segue sofrendo com as consequências da exclusão.