O “nós por nós” na prevenção do HIV e outras IST
Natália Blanco
Entre os dias 23 e 24, mais de 70 jovens de diferentes regiões do Brasil participaram do Workshop Juventude, Sexualidade e Direitos Humanos em HIV, Hepatites Virais e outras IST, uma iniciativa do projeto Fortalecendo Laços. Como outros nessa temática, o encontro reuniu especialistas, ativistas e pessoas vivendo com HIV. Mas desta vez o que houve de especial foi o fato de a maioria dos participantes – o que incluiu, é claro, os provocadores das discussões – ter sido de jovens, com toda a pluralidade que o termo abriga. Eles não só deram o tom das conversas durante os dois dias, como foram os grandes responsáveis pelo evento desde a concepção.
Foram nove debates transmitidos ao vivo, com ampla participação dos convidados e mais outras dinâmicas de interação, partindo de temas inter-relacionados como as representações da juventude nas políticas e serviços públicos; história do HIV; gerenciamento de risco e prevenção combinada; a importância da participação jovem no controle social do SUS; sexualidades e identidades de gênero; saúde mental na juventude; comunicação; e a experiência dos jovens que vivem com HIV.
No debate “Vivendo com HIV e ponto”, as falas que abriram a troca de ideias foram de Pierre Freitaz, 30, e Caliane Araujo, 21. Mais que tratar de como lidam com a sorologia, eles abordaram uma série de efeitos da discriminação, traço comum à experiência dos jovens que vivem com a infecção.
“Eu soube o que era HIV na escola, com um colega gritando ‘você tem Aids’. Se a mente tivesse esse poder, eu teria me teletransportado daquele lugar. A partir daquele momento, a escola virou um lugar muito punk pra mim”, conta Caliane, que começou a virar o jogo contra o preconceito quando passou a frequentar um grupo de jovens soropositivos na Fundação Poder Jovem. “Foi como se eu fosse de marte e de repente conhecesse outros marcianos”, brincou. “O que mata não é a doença, mas o preconceito, a não aceitação imposta a nós”, lembrou em seguida.
Pierre descobriu sua sorologia entre os 14 e os 15 anos de idade. Ele recordou ter recebido a notícia de uma profissional de saúde de forma que definiu como “fria”. “Recebi o diagnóstico em Pinheiros e andei até Taboão da Serra sem saber o que fazer”, relatou. O trecho percorrido caminhando pode ter de 13km a 15km aproximadamente. A história de Pierre traz o problema da falta de preparo nos serviços públicos de saúde para o acolhimento de pessoas recém diagnosticadas e, sobretudo, os jovens.
“O serviço de saúde ainda tem uma dificuldade de lidar com as pessoas que descobrem ou que vivem com o HIV. Isso até por conta da rotina do dia a dia em que muitos passam por essas situações naquele ambiente. Os técnicos acabam não vendo a pessoa que está ali na frente deles como uma pessoa, com sentimentos, questões e que precisa de um acolhimento especial porque está recebendo um diagnóstico que muda tudo”, avaliou.
O objetivo do workshop foi promover o debate público e a articulação de coletivos jovens, principalmente LGBTs, em torno da prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV e das Hepatites Virais. O que acaba sendo uma aposta destes jovens no fortalecimento das lutas pela superação da discriminação e da falta de informação. Pois, ao contrário do que se pensa, muita gente ainda não tem acesso sequer ao bê-a-bá da prevenção.
“Vivemos na era da informação e os jovens continuam se infectando. Isso porque acontece o efeito bolha: a informação existe, mas ainda não está disponível para uma grande parcela da população. Muito se discute no meio universitário e ativista, mas muita gente que precisa dessa informação ainda não tem. A gente ainda vive num mundo em que mães, quando descobrem que um filho tem HIV, querem separar talheres”, destacou Marcos Borges, infectologista conhecido em seu blog e noYoutube como Doutor Maravilha.
O workshop contou com o apoio do Programa Municipal DST/Aids; Centro de Referência e Treinamento DST/Aids – SP; CRT da Secretaria Estadual da Saúde; Instituto Latino Americano de Promoção e Defesa de Direitos Humanos; Instituto Vida Nova Integração Social Educação e Cidadania; Fundação Poder Jovem; É de Lei; Conexão Saúde Positiva; Coletivo Vertentes; Agência de Notícias da Aids; Hotel BoulevardInn; DKT Brasil, UNAIDS Brasil; e UNICEF Brasil.
O projeto Fortalecendo Laços – Juventude, Sexualidade e Direitos Humanos acontece em parceria com o Programa Municipal DST/Aids, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, através do convênio 026/2015/SMS-G.