Em 1966, na Rua Padre Domingos de Brito, no bairro do Garcia, o terreiro banto Unzó Maiala consolidava sua presença entre os candomblés baianos. Consolidava porque 10 anos antes a então líder religiosa, Mameto Laura Mercês, a Mataracira, já fundara o que é hoje a Associação Cultural Maiala. No entanto, o terreno onde atualmente funciona a casa só viria a ser adquirido em 1964. Daí foram dois anos até que o Unzó Maiala abrisse oficialmente suas portas, em 1966.
A Mameto Laura Mercês esteve à frente do terreiro até o ano 2000, quando se afastou das funções rituais por motivos de saúde e pouco tempo depois veio a falecer. Como determina a tradição de culto aos Inquices da casa, o Unzó Maiala permaneceu um ano de portas fechadas em sinal de luto. Mas a memória de dona Laura permanece até hoje nos depoimentos de seus filhos de santo que agora comemoram 50 anos da fundação do terreiro no atual endereço.
Adroaldo Plácido, 58, filho de dona Laura, se emocionou ao falar do legado de sua mãe que sempre acreditou que o terreiro podia ser um espaço de fortalecimento comunitário. “Esses 50 anos pra mim são a glória pelo bem que a casa faz ao entorno. Isso tem um significado especial pra quem acompanhou, porque é um terreiro que lá atrás não tinha nada, nem sequer água encanada e luz. Nos sentimos vitoriosos porque isso tudo é fruto do esforço de uma mulher que trabalhou com os orixás e sustentou seus filhos, numa época que também não era fácil para nós religiosos de matriz africana”.
Mãe Nícia Maria Bittencourt, 66, primeira filha de santo de Laura Mercês e Mãe Pequena da casa (mulher mais importante de um terreiro depois da líder religiosa), lembra que ontem como hoje abrir um terreiro é um ato de resistência. “A perseguição ainda continua, mas é diferente de como era na época da minha feitura de santo há 40 anos. Era um tempo em que ainda pedíamos permissão a polícia pra que o candomblé pudesse acontecer”, compara.
Hoje o Unzó Maiala se define como uma casa cujas funções estão para além dos princípios e obrigações religiosos. O local é um verdadeiro polo para ações sociais e culturais, com portas abertas para pessoas de todas as idades, origens e tradições religiosas.
Atualmente a casa é dirigida por Laura Juliana Borges, a Mameto Tandü, neta de dona Laura Mercês, que assumiu a liderança do terreiro após o período de luto pela morte de sua avó. Com ela Laura Juliana revela ter aprendido a importância de manter o Unzó Maiala aberto à comunidade. Tanto que desde 2003 algumas atividades assumem a forma de projetos sociais voltados tanto para a geração de renda quanto para a garantia dos direitos da população local.
“Em 2003 começamos esse tipo de ação no terreiro, com o projeto ‘Café com Letras’, um carro de cafezinho com historias a respeito de nossa ancestralidade. Isso acabou reunindo a comunidade em uma espécie de estudo coletivo de nossa mitologia. Oferecemos depois um curso de culinária de matriz africana, que mais recentemente passou a contar com a estrutura adequada com a parceria do projeto Axé com arte, de Koinonia”, conta a atual mãe de santo.
Assim, seguindo o legado de dona Laura e a tradição do cuidar nos terreiros, o Unzó Maiala atravessa o tempo articulado a transmissão dos saberes de matriz africana com sua contribuição fundamental para a formação profissional, social e política de sua comunidade. E que venham os próximos 50 anos!