“Ser chamada pelo nome é autonomia, é sair da relação de dependência com o outro”, diz pedagoga do Programa Transcidadania, Paola Alves, sobre a retificação do nome civil

Nem todas as pessoas se identificam com o nome pelo qual foram registradas quando crianças, uma vez que este nome é incompatível com sua identidade de gênero. Assim, a população transexual tem o direito de entrar com um processo solicitando retificação do nome, que autoriza a modificação do seu prenome de registro em todas as certidões e faz com que o nome civil se adeque a sua identidade de gênero. É incontestável que o nome civil é um dos principais elementos individualizadores da pessoa natural. Trata-se de um símbolo da personalidade do indivíduo, capaz de particularizá-lo no contexto da vida social e produzir reflexos na ordem jurídica. Ter seu nome civil respeitado faz parte da dignidade de ser quem é.
 
Paola Alves passou por todo o processo de retificação de nome e hoje tem seu nome civil de acordo com sua preferência. Para falar sobre a conquista, Paola concedeu uma entrevista exclusiva para KOINONIA que você confere logo abaixo:

KOINONIA: Como foi o processo de retificação do prenome?
Não foi difícil. Eu fui pela Defensoria Pública, passei pelo Centro de Referência da Diversidade (CRD) e recebi encaminhamentos. Eu tive que solicitar o cadastro da minha certidão de nascimento do cartório que eu nasci. Minha mãe fez esse serviço para mim, me ajudando a montar os documentos do dossiê. Tive que tirar três certidões de protesto [que declaram que o nome está limpo, sem dívidas] e também as comprovações por meio de fotos dos momentos da vida. Meus amigos e família tiveram que escrever cartas para dizer há quanto tempo eu estava nessa identidade. O advogado deu entrada no processo e depois de dois meses o resultado de aprovação saiu.           A ação relacionada ao sexo ainda está em andamento, pois é separado. Apesar de ter o nome civil feminino o sexo ainda permanece masculino.            

KOINONIA:  Não basta a auto identificação, é necessário comprovar por meio de outros?
É sempre a fala externa que prevalece. Não é você que tem que dizer por você. Você é visto como uma pessoa louca, então eles tem que testar, para saber se daqui a 5 meses você não vai querer seu nome masculino de volta. Por isso todo mundo fala por você: a/o assistente social, a/o psicóloga/o, a mãe, o irmão, os amigos… Por si só não basta. Você não tem autonomia sobre seu nome e nem sobre você.
 
KOINONIA: Como era para você antes da troca de nome?
Era bem complicado. Na vida prática é que mudam as coisas, porque antes eu dependia da misericórdia do outro. Tinha que pedir “por favor, você pode me chamar assim” e a pessoa que escolhia se me chamaria pelo nome. Tinha que viver implorando um direito que era meu. Eu tinha vergonha de pedir para as pessoas, mas graças a Deus nunca passei por momentos muitos constrangedores. O problema é a relação de dependência com os outros, de ter que contar com a sorte.  Imagine você chegar ao hospital e os atendentes saírem chamando, aos berros, seu nome masculino. É muito constrangimento! Embora tenha o decreto municipal que assegura o nome social para homens e mulheres trans, os hospitais não tem preparação. Falta muita sensibilização na formação de profissionais, pois eles precisam entender que não estão fazendo um favor, mas cumprindo uma lei.
 
KOINONIA: Para você, o que significa ter esse o nome civil hoje?
Para mim, ser chamada pelo meu nome é autonomia, é sair da relação de dependência com o outro. Não preciso mais da misericórdia de ninguém, eles têm a obrigação de me chamar pelo meu nome. É o direito a autonomia que eu não tinha. Meu nome era concebido de acordo com a boa vontade do outro e agora é um direito meu. Isso vem me livrando do constrangimento.
 
KOINONIA: Por fim, o que você diria para a população trans que está em busca dessa conquista?
Para irem à luta, para buscarem os lugares que ajudam, como o Centro de Cidadania LGBT, o Centro de Referência da Diversidade, como outros órgãos que têm preparação para prestar toda ajuda, tanto psicológica, como com serviço social e jurídico. O processo é demorado, mas a pessoa precisa correr atrás. Tem como ser feito, só basta correr atrás.

Paola Alves é pedagoga do Programa Transcidadania, promovido pela Prefeitura de São Paulo, em parceira com KOINONIA e a Secretaria Municipal dos Direitos Humanos.  O Transcidadania tem desenvolvido ações de promoção dos direitos humanos e cidadania, criando oportunidades de melhoria na qualidade de vida para transexuais e travestis. KOINONIA reconhece a retificação do nome como um direito social que promove o alcance de autonomia e acessibilidade da população trans.
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