Uma missão ecumênica promovida pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e o Centro de Estudos Bíblicos (CEBI) levou para Campo Grande e Dourados, no Matro Grosso do Sul, representantes de frentes de luta, organizações, igrejas (Luterana, Presbiteriana, Católica e Aliança dos Batistas do Brasil), representações religiosas (como o Candomblé) e sociedade civil em apoio aos indígenas do estado na luta pela investigação de assassinatos de seus povos. Com fundamental participação, estiveram presentes também membros de KOINONIA, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin), da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), do PAD – Articulação e Diálogo Internacional, e do Conselho Latino Americano de Igrejas (CLAI).
De acordo com informações levantadas pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), nos últimos doze anos, somente no Mato Grosso do Sul, quase 600 indígenas cometeram suicídio e outros 390 foram mortos. Em reunião com o procurador da república Emerson Kalif, no Ministério Público, Magda Pereira, do CLAI, deixou clara a posição do grupo frente aos assassinatos: “Como igreja, não podemos ficar calados diante da violência contra esses povos. Temos que ser a voz deles”.
Para Kalif, a contextualização geral do estado é de beligerância. “Reflete a incapacidade do Estado brasileiro em lidar com o tema. O que causa perplexidade é a sociedade considerar normal a morte de um indígena”.
Na tarde de quarta-feira (7), muitas falas intensas tocaram os mais de 200 indígenas presentes em ato ecumênico na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul. Entre elas a fala do cacique do tekohá Guirá Kambi’i, Ezequiel Kaiowá, que a plenos pulmões disse: “Nós somos legítimos brasileiros, não somos invasores”.
Em fala intensa, Dom Roque, presidente do CIMI, foi amplamente aplaudido ao recorrer à história para relatar o sofrimento dos Guarani-Kaiowá: “Os Guarani-Kaiowá foram caçados e escravizados pelos Bandeirantes, colonizados pela Cia Matte Laranjeiras – que se apropriou de suas terras para poder plantar e comercializar a erva de mate -, pelo Serviço de Proteção aos Índios, pelos governos militares e, finalmente, pelos governos democráticos de hoje, estes por sua vez colonizados pelo grande capital”. Ele ainda concluiu: “Os Guarani-Kaiowá são sobreviventes que vêm da grande aflição”, cobrando de forma enfática um posicionamento da casa pela instalação da CPI do Genocídio Indígena.
Depoimentos de indígenas que sofreram violências, inclusive físicas e sexuais, pela milícia dos fazendeiros também foram relatados. No final da noite, após o povo Terena deixar claro que não se retiraria do plenário enquanto não fosse decidido pela CPI, o presidente da AL/MS, Junior Moch, teve que se comprometer em encaminhar à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) o pedido feito pelo Deputado Pedro Kemp, que já consta com as assinaturas necessárias. A reunião da CCJ para a decisão pela instalação da CPI será realizada na quarta-feira da próxima semana.
A pastora Romi Bencke, secretária geral do Conic, abordou os pontos que movem a missão: visibilizar as agressões sofridas pelos povos indígenas, especialmente os Guarani-Kaiowá, o apoio incondicional ao Conselho Indigenista Missionário por conta da CPI do CIMI, instaurada pela ruralista e deputada Mara Caseiro na Assembleia Legislativa de MS, e a necessidade da criação da CPI do Genocídio. “São estas três bandeiras pelas quais estamos aqui e voltaremos para nossos estados como porta-vozes dessas lutas”, concluiu.
A Missão Ecumênica também levou solidariedade e apoio a várias aldeias da região, entre elas a aldeia urbana, Futuro da Criança, e o tekoha Apika’i, que fica a 5km de Dourados, em condições similares aos cenários de guerra: vivem em barracões, sem estrutura, saneamento básico, alimentação precária e água contaminada. Ainda assim, a cacique da aldeia Damiana desabafou: “Não vamos correr, não vamos voltar, não vamos recuar, mesmo com pistoleiros e máquinas. Nem que fiquemos poucos e nos matem todos, mas não sairemos”.
Rafael Soares de Oliveira, diretor executivo de KOINONIA, lembrou que esta missão é um compromisso de pessoas e instituições com a vida dos povos indígenas: “Não vimos apenas o lamento dos indígenas, mas também sua vontade de lutar, de não abrir mão de um direito que veio de seus avós e será de seus netos. Nos sentimos gente irmanada com os Guarani-Kaiowá com quem celebramos e de quem recebemos bênçãos pela solidariedade. Ninguém se calará ante os fatos e os abraços que pudemos sentir”, concluiu.