Na Bahia, 14 municípios compõem a região de mais de 7mil km², conhecida como Baixo Sul. A população local ultrapassa os 330 mil, dos quais 45% vivem na zona rural, que concentra um grande número de comunidades remanescentes de quilombos. Estas são, mais precisamente, 39, numa área cujos habitantes são 83% negros. O IDH médio da região é de 0,63, abaixo da média nacional de 0,73. Enquanto em todo país, somente 6% da população vive com até meio salário mínimo, no Baixo Sul, mais de 19% das pessoas acima dos 10 anos de idade vivem com essa renda. Entre as mulheres rurais a situação se agrava: mais de 25% delas vivem com até meio salário mínimo.
A desigualdade de gênero, tão clara no aspecto econômico, assume formas distintas, como falta de acesso a direitos, que entre outras consequências tem contribuído para a naturalização da violência contra a mulher, do racismo e da intolerância religiosa. De outro lado, as respostas do Estado têm sido insuficientes. Algo que pode ser constatado a partir do fato de que nenhum dos 14 municípios da área conta sequer com uma delegacia especializada no atendimento à mulher.
Frente a esta realidade, com o apoio de KOINONIA, lideranças femininas da região – muitas delas, além de quilombolas, herdeiras de tradições religiosas de matriz africana -, têm se articulado para superar as desigualdades e as diferentes formas de discriminação (que se cruzam produzindo um contexto desfavorável a todas as dimensões da vida das mulheres do Baixo Sul da Bahia).
“Várias vezes fomos além de criticados, ameaçados de agressão por sermos de Candomblé. Mas o Candomblé é uma religião. E eu sei que em algum momento eu sinto a defesa dos meus Orixás. Hoje me identifico como remanescente de quilombo, de terreiro, como sou. Assim como meus avós e meus tios eram”, conta Dona Moça, Mãe de Santo e liderança quilombola local.
Seu depoimento mostra como a violência de gênero pode se articular com o racismo e a intolerância religiosa para silenciar. Felizmente, revela também que afirmar sua identidade e pertencimento religioso tem sido fundamental para romper o silêncio, nomear as opressões que atingem a ela e sua comunidade e lutar.
As desigualdades de gênero têm sua tradução mais radical na violência contra a mulher – problema que tem exigido estratégias cada vez mais criativas, sobretudo no que diz respeito ao empoderamento da população local para defesa e ampliação de seus direitos.
As mulheres da região têm participado ativamente deste processo de empoderamento frente ao racismo, a desigualdade e violência de gênero e a intolerância religiosa. Dona Moça afirma que manifestar sua fé e sua identidade como formas de enfrentar a violência e a intolerância é fundamental na luta contra a discriminação.
“O Candomblé, na minha vida, é uma religião que me dá forças para seguir em alguns momentos. Então, é uma das coisas que eu já venho trazendo de raiz, apesar de, a princípio, eu não querer. Hoje, tenho orgulho de pertencer ao Candomblé”.
As histórias de mulheres do Baixo Sul foram documentadas em pequenos filmes. O material tem inspirado mulheres de comunidades tradicionais por todo o Brasil a romperem o silêncio e lutar por seus direitos.