Até o ano de 2015, Koinonia, em parceria com terreiros de candomblé da Região Metropolitana de Salvador, desenvolve o projeto Axé com Arte. Apoiada pela Petrobras, a iniciativa tem como objetivo ampliar o acesso de integrantes de casas religiosas de matriz africana da cidade – em especial jovens -, a oportunidades de trabalho, melhoria de renda e a formas de defesa e expansão de seus direitos.
Os terreiros contam com oficinas regulares de práticas produtivas (corte e costura de trajes de cultos; música/toques de atabaques; bordados afro; e culinária afro-brasileira), formação sobre oportunidades para a produção tradicional e direitos humanos, sempre adaptadas às experiências e saberes de cada comunidade.
Localizado no Subúrbio Ferroviário de Salvador, na localidade conhecida como Quilombo da Lagoa, o Ilê Axé Torrun Gunan é uma das casas que participam do projeto. Lá a escolha foi pela oficina de cerâmica, onde a comunidade constrói objetos usados principalmente em ritos de sua tradição religiosa.
Neci Neves da Silva, 32, Ekedy (cargo das zeladoras dos orixás) da casa, é a articuladora local do projeto. Além de fazer parte da construção do processo pedagógico, ela contribui ainda com a formação em direitos, tratando de temas como intolerância religiosa, racismo ambiental e direito à cidade com o público do curso de cerâmica.
“Temos trabalhado muito nossa relação com a natureza, explicando que a preservação do entorno é algo que pode influir diretamente no dia a dia das pessoas. Estimulamos para que o meio ambiente seja encarado como fator de subsistência, porque dali pode-se retirar materiais que servem de base para a produção dos objetos que fazemos nas oficinas. Já a discussão de direitos sempre parte das necessidades que enfrentamos no cotidiano. Por exemplo, se alguém teve de retirar o filho da escola por conta da distância, ampliamos o debate tocando em questões mais gerais da educação e do racismo ambiental”, explica Neci.
Em uma das casas mais tradicionais de Salvador, o Ilê Axé Opô Afonjá, a opção foi por aprender a confeccionar tecidos com o bordado barafunda. A técnica tradicional, atribuída aos escravos, foi aprendida após um trabalho de resgate histórico feito por filhos de santo da casa e hoje é ensinada a cerca de 22 alunas nas oficinas do projeto Axé com Arte.
Nascida e criada na comunidade, Vanísia Bonfim Cardoso, 41, se diz surpresa com tudo o que tem aprendido. “Eu realmente não
esperava aprender tanto sobre direitos e certas questões que normalmente não temos oportunidade para debater. Em muitos temas acho que somos leigas, mas sempre temos opinião para dar porque acontecem com a gente”, observa bem humorada.
A professora de Barafunda e ebômi (quem cumpre os sete anos de obrigação no Candomblé) da casa, Fernanda Teixeira, explica que não há separação entre a formação sobre direitos e aula de bordado. Entre um ponto e outro, o próprio diálogo sobre o cotidiano faz com que surja a demanda por informações sobre o assunto. Fernanda explica que as alunas conhecem muito bem os temas mais consagrados do campo dos direitos, mas os nomeiam a partir de repertórios próprios. O desafio é justamente ampliar tais repertórios.
“O projeto está sendo importante, principalmente para discutir intolerância, racismo, desigualdade de gênero e homofobia. As alunas conhecem tudo, mas não por esses termos. A formação sempre tem como base a experiência delas – o que leva em conta até mesmo polêmicas da ficção televisiva. Não é de surpreender que quando a turma avaliou as oficinas, ela não colocou o bordado como o aprendizado mais importante e sim a troca de informações, o diálogo”, comenta a professora.