Zwinglio M. Dias
“Mortais, mas eternos somos:
eternos em alma,
eternos em gosto,
em mistérios eternos,
eternos sonoros,
eternos, eternos,
–mortais e eternos já somos…” (C. Meireles)
“Lembra-te
Antes que cheguem os maus dias,
e se rompa o fio de prata,
e se despedace o copo de ouro,
e se quebre o cântaro junto à fonte,
e se desfaça a roda junto ao poço….” (Ecles. 12, 1-8)
A Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e o Movimento Ecumênico estão enlutados pela perda de um de seus mais proeminentes inspiradores e artífices, o Reverendo e Professor João Dias de Araújo. Poeta, teólogo e pastor dedicou sua longa e profícua existência à luta em favor do direito à vida por parte dos mais vulneráveis em nossa sociedade. Como parte desse empenho, fez-se também advogado para melhor servir aos que se havia dedicado.
Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil,a qual ele serviu,também, como professor, por longos anos, no Seminário Presbiteriano do Norte, em Recife, João Dias pagou um preço dobrado por sua coerência teológica e seu consequente engajamento na luta por melhores condições de vida e justiça social que caracterizaram o período de seu ministério pastoral. Sofreu perseguição no âmbito da Igreja quando, a partir de 1966, os setores conservadores-fundamentalistas tomaram o poder nessa instituição. Com outros colegas foi expulso do Seminário e excluído da membresia da Igreja ao mesmo tempo em que era denunciado como subversivo aos serviços repressores do governo ditatorial. Mais tarde vai escrever um livro-documento (“Inquisição sem Fogueiras”) que relata o processo de perversão da tradição democrática da Igreja Presbiteriana do Brasil, seu alinhamento às premissas teológicas do fundamentalismo, sua adesão sem subterfúgios à ditadura e as cruéis ações persecutórias contra pastores, leigos e comunidades inteiras que não compactuavam com tais posicionamentos.
Sempre dinâmico, João Dias foi um dos principais articuladores para a criação da Federação Nacional de Igrejas Cristãs, organismo que reuniu comunidades locais, Presbitérios e pastores expulsos discricionariamente da Igreja Presbiteriana do Brasil. Mais tarde vai estar à frente também do processo de transformação dessa federação na Igreja Presbiteriana Unida do Brasil.
Seu compromisso teológico-político o levou à criação, junto com outros colegas e a acolhida do Presbitério de Salvador (Ba) do Cediter, organismo dedicado ao estudo da questão agrária, especialmente no Nordeste brasileiro, e de defesa dos direitos do trabalhadores do campo na região. Também foi iniciativa sua a criação e desenvolvimento do Iteba (Instituto Teológico da Bahia) de caráter ecumênico e dedicado a formação de pastores(as). Ativo e entusiasta promotor da causa ecumênica foram muitas as suas iniciativas nessa área, acompanhando com vigor e determinação os projetos propostos e realizados que resultaram na criação de entidades como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), o Conselho Latino-americano de Igrejas-seção Brasil (Clai- Brasil) e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese) além de outras iniciativas locais e regionais.
Alguém certa vez comparou a vida a uma peça musical. Por mais bela e tocante que venha a ser, a música precisa, em algum momento, ser interrompida para não perder seu encantamento, seu frescor, sua capacidade de nos comover. Entendamos, pois, que a melodia da vida de João Dias acaba de ser interrompida para que possamos ouvi-la de novo, sempre que quisermos e ela possa, outra vez, nos sensibilizar, nos fazer sorrir, nos ajudar a corrigir nossos passos, nos enlevar e nos alertar para os perigos tantos que nos rodeiam…
Ao fazer sua travessia para a “terceira margem do rio” da vida, para usarmos a metáfora de Guimarães Rosa, João Dias deixa um legado precioso na história do Protestantismo brasileiro do século XX: o testemunho de um profeta/poeta esperançado que entendeu que “evangelizar é humanizar” e buscar no bem-estar do(a) outro(a) o sentido da própria vida.“Que estou fazendo se sou cristão?”…
Ao término dos últimos acordes da música que foi sua vida, embora tristes por sua ausência física, nos alegramos por sua “coragem de ser” o que foi e a incorporamos, ainda mais, em nossa vivência, na esperança de que os seus sonhos e a sua ousadia continuem em nossos gestos de amor e solidariedade.
KOINONIA se solidariza, na dor e na saudade, com os familiares de João Dias e com a comunidade maior da Igreja Presbiteriana Unida na certeza de que o Sagrado Mistério da Vida que a todos nos envolve há de confortar nossos corações entristecidos.