Artigo: Resistência à ditadura no exterior

Clarisse Braga com revisão de Manoela Vianna

José Luis Del Roio

Terapia, futebol e Carmem Miranda estiveram entre os temas explorados pelo assessor de KOINONIA Anivaldo Padilha, o jornalista José Luís Del Roio e o brasilianista norte-americano James N. Green para contar sobre a luta contra a repressão militar que se desenrolou internacionalmente. O evento “Sábado Resistente: o exílio como frente de luta” aconteceu no dia 29 de junho, no Memorial da Resistência de São Paulo.

Terapia de comunista
As consequências físicas e psicológicas dos meses encarcerado nos porões da ditadura foram cruéis com Anivaldo Padilha e a terapia foi a solução encontrada por seus amigos durante o seu exílio nos EUA. Na primeira consulta, Anivaldo descreveu a tortura nos mínimos detalhes numa tentativa de, para sempre, enterrar aqueles dias em que ficou preso durante o regime militar.

“Desde quando você tem consciência das suas alucinações?”, esse foi o questionamento feito à Anivaldo pela terapeuta norte-americana. Segundo o militante, a terapeuta acreditava que o seu testemunho só poderia ser fruto de alucinações já que ele não vinha de um país comunista. Para ela, os acontecimentos descritos por seu paciente só ocorriam em países comunistas.

Acabava em futebol

Junto com outros militantes exilados, o jornalista e fundador da Ação Libertadora Nacional (ALN) José Luís Del Roio produziu publicações sobre a situação brasileira em diferentes idiomas e ajudou a escrever milhares de cartões postais, que mais eram pedaços de cartolina com depoimentos da tortura sofrida por companheiros presos, dirigidos aos políticos e líderes influentes.

Desta maneira, longe de casa, ele se mantinha fiel à luta e aos seus companheiros. “Hoje em dia é fácil: vocês têm Facebook; mas naquela época, tudo era mais complicado. Não tínhamos Internet, celular, a ligação internacional era caríssima, não recebíamos os jornais nacionais, rádio e televisão eram internacionais, e quando queríamos saber de alguma notícia do nosso país, perguntávamos para os turistas, aí era só Corinthians e Palmeiras mesmo”, explicou Del Roio sobre a dificuldade de transpor a barreira da comunicação.

Nem tudo era Carmem Miranda
As notícias que chegavam aos EUA sobre o Brasil eram sobre o milagre econômico, o carnaval e o sucesso dos filmes de Carmem Miranda. Quando os ex-presos políticos chegaram ao solo norte-americano, no exílio, o professor de História e Cultura Brasileira da Brown University James N. Green tinha seus vinte e poucos anos. Naquela época, James participava das manifestações contra a Guerra do Vietnã e, consequentemente, conheceu alguns dos militantes brasileiros nesta luta.

Não demorou muito para também protestar contra a ditadura do Brasil. Seu interesse no país o tornou num grande brasilianista e o levou a visitar o país pela primeira vez no início de 1970. No mesmo período, a companhia de teatro norte-americana The Living Theatre desembarcava no Brasil a convite do grupo Teatro Oficina. Foi durante o Festival de inverno de Ouro Preto que o grupo norte-americano foi preso por apresentar uma peça sobre a tortura da ditadura. Na audiência, estava James. “Ao ver aquelas cenas de tortura, eu prometi a mim mesmo que não descansaria até pôr fim à ditadura brasileira”, relembrou James N. Green.

O encontro dos três
O refúgio em outros países após o recrudescimento da ditadura aos movimentos políticos não se tornou uma experiência de derrota para os milhares de exilados. Pelo contrário, unidos em torno de um objetivo sólido, o exílio serviu como uma nova frente de luta contra o regime militar. Os militantes em terras estrangeiras aproveitavam sua situação de liberdade – apesar de muitos ainda usarem a descrição ou até mesmo nomes “frios” por medo da repressão – para denunciar os horrores da tortura e promover a defesa dos presos políticos.

José Luís fez o mesmo roteiro que a maioria dos militantes: primeiro exilou-se nos países sul-americanos Peru e Chile, depois foi para a Argélia e, por fim, rumou à Europa. Anivaldo também seguiu quase que o mesmo itinerário. A primeira nação a receber o ex-preso político foi o Chile de Allende, em seguida, a convite do Conselho Mundial de Igrejas, Anivaldo foi aos EUA com o intuito de palestrar sobre a real situação brasileira; porém, ao final, ele seguiu os passos de todos os exilados: a Europa.

A paixão de James N. Green pela história brasileira foi fruto de uma política norte-americana mal arquitetada. Na década de 1960, após a Revolução Cubana, os EUA temiam que a onda comunista alcançasse também os países latino-americanos, por isso investiu fortemente no estudo destes países. No entanto, ao analisar os impactos desastrosos da influência norte-americana na política da América Latina, os pesquisadores passaram a defender a independência latino-americana do imperialismo estadunidense, segundo Green.
No evento, Padilha e Del Roio trouxeram publicações de revistas e jornais, em diversos idiomas, produzidas na época sobre o Brasil.

Essas revistas hoje pertencem aos acervos pessoais e contém análises político-sociais profundas sobre a conjuntura brasileira. Os maiores desafios encontrados pelos dois em seus exílios foi desmitificar o famoso “Milagre Brasileiro”, pois a sociedade internacional entendia que a economia brasileira estava salva através do regime militar. Para isso, os exilados convidavam especialistas para produzirem artigos com análises minuciosas da economia brasileira.

Os exilados ainda conviviam com os acontecimentos adversos locais que o país que os recebia estava submetido. Alguns deles passaram mais de 10 anos em outros países – no caso do sócio de KOINONIA, foram 13. Nesses anos no exterior, o inimigo não era presente e as formas de combates tradicionais de nada serviam, eles estavam numa guerra contra um inimigo invisível.

De volta à terra natal, os sobreviventes não precisavam mais resistir à ditadura ou enfrentar torturas. Entretanto, eles possuem uma arma extremamente valiosa para a responsabilização de seus algozes: a memória. É com ela que todos os últimos sábados do mês são feitos no Memorial da Resistência de São Paulo durante os “Sábados de Resistência”.

Para mais informações, visite o site do Memorial da Resistência
 

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