Manoela Vianna
Acabamos de lançar a nova edição de Tempo e Presença Digital. Neste número, os processos que envolvem a luta pela garantia de direitos das comunidades quilombolas são analisados sobre diversos ângulos por seis articulistas.
Leia abaixo um trecho da apresentação produzida por José Maurício Arruti, assessor do Programa Egbé Territórios Negros de KOINONIA e doutor em antropologia.
Apresentação: uma visão da conjuntura quilombola
Por: José Maurício Arruti
O governo Lula representou, em um primeiro momento, a retomada das condições institucionais de regularização de territórios quilombolas, em especial com o decreto presidencial 4788, de 2003, que revogou o decreto 3912 de 2001 de Fernando Henrique Cardoso e restituiu a eficácia ao artigo 68 (ADCT/CF-88). Desde então, porém, muito em função dos efeitos práticos desta retomada e da contradição em que ela entrou com os interesses políticos e econômicos tanto dos grandes proprietários de terras, quando do Programa de Aceleração do Crescimento, do próprio governo, nós assistimos ao desenho de uma conjuntura senão francamente desfavorável à causa quilombola, no mínimo contraditória e ambígua.
O decreto de 2003 estabeleceu o Incra como o responsável pelo processo de regularização fundiária das comunidades quilombolas, incorporando a possibilidade de desapropriações, estabelecendo a titulação coletiva dos territórios (um titulo inalienável em nome da associação representativa da comunidade) e adotando o princípio do auto-reconhecimento, conforme previsto na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), ratificada pelo Brasil em 2002. Estes últimos aspectos são importantes e inovadores na medida em que incorporam uma perspectiva comunitarista ao artigo constitucional: torna-o um direito de coletividades e não de indivíduos, assim como atribui à noção de “terra” a dimensão conceitual de “território”. Isso significa deixar de conceber a terra quilombola não apenas como o espaço diretamente ocupado ou como o resultado da relação entre um determinado número de hectares por número de famílias, para passar a ser pensado como espaço constituído social e simbolicamente, que leva em conta seus usos, costumes e tradições, recursos ambientais imprescindíveis à sua manutenção, reminiscências históricas que permitam perpetuar sua memória etc.
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