Manoela Vianna
Na tarde do dia 4 de agosto, a comunidade da Ilha da Marambaia reuniu-se com autoridades governamentais e parceiros da Campanha Marambaia Livre! na sede do Incra (RJ) e rejeitou a proposta da Marinha de demarcação das terras quilombolas. Os moradores da Ilha solicitaram a publicação do relatório técnico do Incra, uma das últimas etapas necessárias para titulação da área quilombola por eles reivindicada.
Cerca de 20 quilombolas da Ilha da Marambaia reuniram-se com autoridades governamentais da Casa Civil, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra), da Superintendência do Incra do Rio de Janeiro, da Fundação Cultural Palmares (FCP), da Secretária Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e da Delegacia Rural do estado do Rio de Janeiro.
Também participaram do encontro o procurador do Ministério Público Federal, Daniel Sarmento, e representantes de entidades da Campanha Marambaia Livre!, entre elas: Associação de Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), KOINONIA; Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap) e Fase. Estiveram presentes ainda outros simpatizantes da causa, como quilombolas de Sacopã e Pedra do Sal, comunidades localizadas no município do Rio de Janeiro; ambientalistas; representantes do Movimento Negro; e um integrante da Associação de Pescadores do Rio de Janeiro.
A reunião foi marcada pela Casa Civil com o objetivo de apresentar a proposta da Marinha para demarcação das terras quilombolas da Ilha da Marambaia, contrapondo a delimitação da área reivindicada pela comunidade e ratificada pelo relatório do Incra.
A proposta e a reação
O encontro foi conduzido pelo Assessor da Subchefia de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, Luis Henrique Paiva. Ele apresentou o mapa da Ilha da Marambaia com as áreas que devem ser tituladas, segundo o relatório do Incra. Nesse mesmo mapa, o assessor mostrou os territórios que a Marinha não cede em sua proposta. De acordo com o assessor, a proposta da Marinha está baseada nas funções que a organização militar desempenha na Ilha.
Além de mostrar as áreas reivindicadas pela Marinha, Paiva explicou que seria necessário um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que definirá a utilização das áreas comuns aos quilombolas e a Marinha na Ilha.
Após a apresentação do assessor da Casa Civil, a presidente da Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia (Arqimar) Vânia Guerra expôs a decisão da comunidade: os quilombolas da Marambaia não aceitam a proposta da Marinha e querem que o relatório técnico do Incra seja publicado, conforme determina o processo administrativo do Instituto, de acordo com o decreto 4887/2003 . “A luta é a mesma. Queremos que [o governo] cumpra a lei,” afirmou Guerra. A posição expressa por Vânia Guerra foi reafirmada por outras pessoas da comunidade, como Bertolino de Lima Filho: “Se perdermos a área que a Marinha quer perderemos nosso sustento”.
Questionada por Luiz Henrique sobre uma área da Ilha que a comunidade solicitou, mas não ocupa, Vânia respondeu: “Não temos saúde pública na Ilha, essa área que o senhor se refere é a mata. De lá nós tiramos raízes e plantas para fazer remédios. Precisamos da mata preservada.” A área apontada por Luiz Henrique é o Morro da Velha, no qual se encontram nascentes.
Debate
Luiz Henrique explicou que a proposta estava sendo apresentada para agilizar o processo de regularização fundiária da Ilha. Segundo ele, mesmo reprovando a contra-proposta da Marinha a comunidade terá que negociar de qualquer forma, pois há um prazo previsto, pelo processo administrativo do Incra, para isso ocorrer, após a publicação do relatório.
Daniel Sarmento reafirmou a posição do Ministério Público em apoiar qualquer decisão da comunidade, que no caso é a favor da publicação do relatório do Incra.
Luiz Henrique rebateu a fala do procurador afirmando que a publicação do relatório não estava em questão, mas a possibilidade da comunidade fazer alguma concessão. Paiva disse ainda que só a titulação das terras não garantirá os direitos dos quilombolas da Marambaia.
Argumentos da Proposta da Marinha e respostas da comunidade quilombola da Marambaia
Argumentos da Proposta da Marinha | Respostas da Comunidade |
Adestramento Militar. | Segundo a comunidade, mesmo que a área reivindicada por eles seja titulada, ainda há muitas regiões na Ilha para que a Marinha continue realizando adestramento militar. |
Segurança da entrada da Baía de Sepetiba. | De acordo com moradores e ex-moradores da Ilha, é o Exército que protege a entrada da Baía de Sepetiba. Eles também alegam que há falta de fiscalização, assim, muitos barcos, impedidos pela lei de navegar nas proximidades da Ilha, freqüentam o local. |
Proteger um canal de águas profundas existente nas proximidades da Ilha – único do Rio de Janeiro capaz de ser usado por submarinos. | Os quilombolas afirmaram que a Marinha poderia continuar a proteger o canal mesmo com a titulação das terras mencionadas no relatório do Incra. |
Utilizar a Ilha da Marambaia para treinamento com tiros reais – segundo os militares, a Ilha é o único lugar no Estado do RJ para que a Marinha realize esse tipo de treino. | Um pescador destacou a existência de uma ilha chamada Jorge Grande localizada na mesma região da Ilha da Marambaia que é desabitada, assim esta poderia ser um local para as manobras de tiro da Marinha. Além disso, os quilombolas alertaram que os exercícios de tiros reais na Ilha sempre colocam em risco a vida dos pescadores. |
Comunidade pede prazo para relatório do Incra ser publicado
Após a apresentação de argumentos para negar a proposta da Marinha, a comunidade passou a pedir uma data para a publicação do relatório técnico do Incra. Renata Leite, representante do MDA, afirmou que a posição do Ministério também é defender o relatório do Incra, mas que foi preciso algumas negociações para que uma contra-proposta fosse apresentada à comunidade. O procurador Daniel Sarmaneto discordou de Leite: “A questão [regularização fundiária da Ilha] é legal. Política não pode ser obstáculo da lei. (…) esse atraso está fora da lei”.
Diante da insistência pela fixação de um prazo para a publicação do relatório do Incra, o Superintendente regional do Instituto no estado do Rio de Janeiro, Mário Lúcio Melo, encerrou a reunião firmando um compromisso: publicará o relatório. Para isso, segundo Melo, ele ouviu as partes envolvidas no caso e a partir da decisão pela publicação do relatório terá que seguir algumas etapas: produzir um novo documento expondo as razões da Superintendência do Incra-RJ para publicar o relatório e apresentá-lo ao presidente do Incra Nacional, Rolf Hackbar, na quinta-feira, dia 10 de agosto; e finalmente na segunda-feira, dia 14 de agosto, publicar o relatório técnico. Mário Lúcio fez uma ressalva: o relatório não será publicado se ele receber uma ordem de algum órgão superior do governo para que interrompa o processo. “Publicar o relatório é a melhor solução. Que abram os prazos administrativos”, concluiu o superintendente do Incra do Rio de Janeiro.
Após a reunião, os quilombolas expressaram que não estão se sentindo seguros em relação ao processo de titulação de suas terras, mas mesmo assim consideram que tomaram a decisão certa ao rejeitar a proposta da Marinha. Ainda segundo eles, a comunidade saiu desse encontro mais unida para continuar reivindicando seus direitos.
Saiba mais:
Faça o download do arquivo clicando no link no final desa página e veja o mapa da Ilha da Marambaia com as áreas que a comunidade reivindica destacadas e descritas.
A cobertura completa da Campanha Marambaia Livre! está aqui no site de KOINONIA e no Observatório Quilombola: www.koinonia.org.br/oq
Conheça a trajetória dos quilombolas da Marambaia lendo o Dossiê Marambaia: http://www.koinonia.org.br/oq/home_dossie1.htm
Baixe o mapa completo: