Atlas

Santa Rita do Bracuí - RJ

História:

A comunidade de Santa Rita do Bracuí está localizada no município de Angra dos Reis, na região da Costa Verde do Estado do Rio de Janeiro. É formada por descendentes de trabalhadores escravizados na Fazenda Santa Rita, então propriedade do comendador José de Souza Breves. As terras desta fazenda foram doadas para aqueles trabalhadores formalmente através de testamento, no ano de 1879. Conforme o inventário do Comendador (29 de setembro de 1879, primeiro volume, fls 157, v/161, lemos: Declaro que a Fazenda de Santa Rita do Bracuhy, na Comarca de Angra dos Reis, tenho conservado de propósito para della fazer uma applicação caridosa e com inteira satisfação” para a expor por que desejo. Attendendo eu o lastimável estado de penúria que se observa n'aquele logar, deixo em benefício das pessoas alli residentes e que já são meus agregados gratuitos, e de todos para não ficarem privados dos meios de subsistência, o usufruto por três gerações da parte da dita fazenda (…). Declaro que extinta a sucessão de direitos dos meus agregados e libertos, isto é, passadas as três gerações que a lei concede, essas terras serão de pleno direito d'aquelles que existirem. As terras da fazenda dos Breves se tornaram, assim, um local onde seus ex-escravizados, trabalhadores livres e libertos, puderam morar e manter o sustento de suas famílias.

O processo de reconhecimento de direitos específicos para comunidades remanescentes de quilombos foi desencadeado pela Constituição Federal de 1988, que assegurou às comunidades quilombolas o direito à propriedade de suas terras. O Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece que: aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (BRASIL, 1988). Já o Decreto 4.887 de 2003, regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas, definindo quilombos como “grupos etnicorraciais segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. A orientação para o reconhecimento e titulação destas áreas também é feita a partir de legislações estaduais, ainda que prevaleçam as definições federais. No entanto, o número de terras tituladas ainda é muito pequeno, tanto pela burocracia existente como pela morosidade dos organismos competentes, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O Quilombo do Bracuí tem um histórico marcado pela luta de suas terras. No ano de 1970, a comunidade, para se manter no seu território, entrou em conflito com os grileiros e o Condomínio Porto Bracuhy. Naquela época, os moradores ainda não se reconheciam como quilombolas, mas, sim, como trabalhadores rurais de uma comunidade negra rural. 

A chegada da Rodovia Rio-Santos, um empreendimento desenvolvido durante os governos militares (1964-1985), visou a potencialização da atividade turística e de lazer, ocorrendo sem consulta às comunidades tradicionais da região sul do litoral fluminense. A implementação do Projeto Turis, da Embratur, acabou por desapropriar as famílias de suas moradias e áreas de subsistência, configurando-se como uma modernização autoritária. Apesar deste tipo de pressão e de conflitos, a comunidade resistiu com sua cultura e tradição, tendo, hoje, como marco de resistência o jongo e caxambu.

Dança de matriz africana de origem banto, o jongo é considerado um dos pais do samba. Chegou ao Brasil Colônia junto com os negros daquela origem, que foram trazidos para serem escravizados. Os bantos formam um grupo etnolinguístico da África Subsaariana, composto por 400 subgrupos étnicos diferentes, que tiveram grande influência sobre a cultura brasileira, com seus tambores, o canto e a dança, dentre outras coisas. Os tambores do jongo são o tambu e o candongueiro. Os cantos, chamados de ponto, são versos com linguagem metafórica, que podem ser curtos ou longos, de abertura, saudação, visaria, demanda ou fechamento. O jongo também carrega consigo muitas mirongas (mistérios, segredos), ainda que não se configure como uma religião. Na dança, os jongueiros ficam descalços. Em alguns lugares, o casal mais velho presente se dirige para o centro da roda. Em outros, dança apenas uma pessoa no centro da roda. Cada comunidade jongueira tem uma forma de dançar. Vale destacar que, antigamente, nas rodas de jongo só dançavam os mais velhos.

Essa manifestação Cultural era anos atrás um saber tradicional que apenas os Griôs (é como são chamados na África, os contadores de histórias. Eles são considerados sábios muito importantes e respeitados na comunidade onde vivem. Através de suas narrativas, eles passam de geração a geração as tradições de seus povos. Nas aldeias africanas era de costume sentar-se à sombra das árvores ou em volta de uma fogueira para ali passar horas e horas a fio ouvindo histórias do fantástico mundo africano transmitidas por "estes velhos griôts”) detinham o saber. Com o passar dos anos a dança do Jongo que se introduz como manifestação cultural alegrando as comemorações da comunidade como: aniversários, casamento, encontro de núcleos familiares, entre outras festividades, ficou cada vez menos praticado na região por conta das intolerâncias e desmotivações causadas pela sociedade opressora.

Por volta dos anos de 1995, um grupo de descendentes da comunidade negra rural, foi até ao Quilombo de Campinho da Independência, localizado na cidade de Paraty, para fazerem uma simples visita quando, conversando com moradores e militantes da comunidade quilombola, descobriram que suas famílias se encaixavam no perfil como descendentes de escravizados, pois tinham características para se tornar uma comunidade negra rural quilombola, como aquela que estavam visitando.

Retornando para a sua comunidade, o grupo esclareceu a todos sobre a importância do reconhecimento do território. Em 1999 a comunidade passou a se autodeclarar como remanescente de quilombo, mas só em 2011 foi certificada pela Fundação Cultural Palmares. Em 2005 foi fundado a Associação dos Remanescentes de Quilombo de Santa Rita do Bracuí (ARQUISABRA) e no ano seguinte, em 2006, deram entrada no processo pela titulação do território junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que continua em curso. 

Com isso, o território que vem sofrendo desde os anos 1970 com a especulação imobiliária, entre outros fatores que contribuíram para a ocupação desordenada de seu território, ganhou forças buscando políticas públicas para o fortalecimento dos moradores que resistem na região, para que não tenham que deixar o campo, para ir trabalhar nas grandes empresas privada da região, nas casas de família dos grandes condomínios, entre outros campos do mercado de trabalho enriquecedores do capitalismo. 

O território quilombola está sendo violentado a cada dia que se passa, pois seus rios e afluentes estão secando, sofrendo com os impactos e a má gestão dos Governos Federais, Estaduais e Municipais como a falta de saneamento básico, onde o esgoto daqueles que vieram com a especulação imobiliária (os chamados imigrantes), acabam parando nas águas de seus rios e afluentes, impactando diretamente na biodiversidade aquática, além das construções irregulares de casas, mansões, pousadas que são construídas de forma irregular em seus leitos, sacrificando toda a mata ciliar, causando grande assoreamento de seus leitos. 

A fauna da região diminuiu drasticamente, provocado pela perda da Mata Atlântica, seus habitats naturais. Damos como exemplo os brejos onde encontrávamos várias espécies de sapos, pererecas, rãs, socós, mãe d’água (caranguejo de água doce), garças, hoje encontrando apenas territórios aterrados para a construção de casas, desmatamentos para grandes empreendimentos, poluições entre outros fatores de grandes impactos ambientais. 

A florada das plantas e a reprodução dos animais estão com seu relógio biológico descontrolado, pela perda de seus locais de reprodução e animais essenciais para o equilíbrio da biodiversidade, desequilibrando o ciclo de vida da região. 

São poucas as famílias que ainda resistem na prática do cultivo para subsistência, pois pela perda de seu território através da grilagem e aliciamento de seu povo, as áreas de cultivo ficaram mais escassas e a sedução dos mais novos para o mercado de trabalho enriquecedor do poder capitalista, se tornou uma pratica cada vez mais fortalecida pelos imigrantes que invadiram a região, trazendo para área rural o fetiche de um ilusório modo de vida, facilitado pelo atrativo “progresso” da área urbana. 

Mesmo com todas as problemáticas enfrentada pela comunidade negra rural quilombola de Santa Rita do Bracuí, a ideologia de resistência para o fortalecimento da identidade negra, rural, quilombola e jongueira do território, está intrínseco em cada militante da localidade na luta por uma sociedade igualitária, para uma ação transformadora da realidade opressora, com suas práticas culturais e agroecológicas, mantendo assim os saberes tradicionais de sua ancestralidade africana.

 

Origem do nome: Bracuí significa: Árvore de grande porte (andira anthelmia), da família das leguminosas, nativa de quase todas as regiões do Brasil, de copa frondosa, folhas imparipenadas, flores roxas ou róseas e frutos drupáceos, muito apreciados pelos animais, especialmente pelos morcegos; possui várias propriedades medicinais e a madeira é decorativa e resistente; acapu, andiraíba, angelim, angelim-de-folha-grande, lombrigueira, sucupira (Dicionário Michaelis). O território que hoje corresponde a comunidade quilombola, costumava ter essa árvore em abundância. Porém, com a construção da rodovia Rio-Santos, na década de 1970, ocorreu um desmatamento de grande porte. Os quilombolas contam que na época, eles solicitaram a empresa responsável pelas obras para que deixasse um exemplar da árvore. O pedido foi atendido. Hoje, a comunidade acredita que essa árvore possua algum tipo de proteção divina, pois diversas vezes o morro em que esta localizada pegou fogo e a mesma não foi atingida.

Processo:
  - Certificada

Município / Localização: Angra dos Reis

Referência:

ABREU, Martha. "O caso do Bracuhy" In: MATTOS, Hebe e SCHNOOR, Eduardo (Orgs). Resgate: Uma janela para o Oitocentos. Rio de Janeiro: Top Books, 1995.pp 167-195.

CAMPOS, Thiago. O Império dos Souza Breves: Política e escravidão nas trajetórias dos Comendadores Joaquim e José de Souza Breves. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense (UFF). Departamento de História. Niterói, 2010. 

BRAGATTO, Sandra - Descendentes de escravos em Santa Rita do Bracuhy - memória e identidade na luta pela terra. Dissertação de Mestrado. UFRRJ, 1996. 

 

Redação: RAMOS, Emerson Luís. Quilombo de Santa Rita do Bracuí (RJ).IN: Atlas Observatório Quilombola. Observatório Quilombola. KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, 11 de setembro de 2020.

Pesquisas: Emerson Ramos, mais conhecido como Mec, é quilombola de Santa Rita do Bracuí e cursou Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). O titulo de sua dissertação é: Aiê Eletuloju: a porta para o sagrado na comunidade quilombola de Santa Rita do Bracuí.

Verbete atualizado em 30/05/2023


<< Voltar para listagem de comunidades