Tapinoã - Prodígio - RJ
História:
Assim como em inúmeras comunidades quilombolas espalhadas por esse Brasil e pela América Latina, em Prodígio, os remanescentes que pertencem a região lutam pela vida de suas sementes e pelo conhecimento tradicional provindo de gerações. As sementes são canais que possibilitam maior aproximação com a cultura afrodescendente e camponesa. Em Prodígio, a forma como a comunidade reproduz sementes crioulas, há gerações, também representa a maneira de compreender como produzem conhecimento e sua história.
Prodígio pertence ao segundo distrito do município de Araruama, localizado na Região dos Lagos, norte do estado do Rio de Janeiro. Para chegar à localidade é preciso percorrer, aproximadamente, vinte e cinco minutos de carro a partir da rodoviária do centro da cidade. Durante o percurso, percebemos a modificação da paisagem de urbanizada para rural em poucos minutos. Além da paisagem marcadamente rural, avistamos uma casa grande, já deteriorada pelo tempo, bem próxima, uma recente construção, com um grande portão. Em frente a casa grande, encontra-se uma igreja católica e logo ao lado dela fica a escola municipal de Prodígio.
A região de Prodígio, foi uma terra sem dono, povoada por caboclos, mocambos de camponeses negros e brancos pobres até o iníciodo século XIX. Tratando de um panorama histórico geral, diante de informações estatísticas, em meado do mesmo século, a população escravizada superava a população livre, revelando que a força de trabalho de escravizados era majoritária nas fazendas locais, que futuramente se constituiu em comunidades rurais remanescentes de quilombos. As primeiras casas-grandes começaram a ser construídas por volta de 1870, inclusive a Fazenda Prodígio. Porém, na mesma década, um surto de “febre palustre” se espalhou pela região, o que levou ao despovoamento do território, principalmente dos donos das terras, seja por morte ou por fuga. Por esse motivo, nos anos finais da escravidão, a região de Prodígio voltou a ser um território camponês mocambeiro.
Após a abolição da escravatura no Brasil, a divisão das terras foi feita em bases coletivas, não só a terra era baseada em uso comum, assim como o poço de água, a casa de farinha e a mata. Os novos “donos da terra” só chegaram na região a partir dos anos 1920, já no período da República Velha. Na década de 1950, um desses herdeiros fez um convite às famílias para morar e plantar na Fazenda Prodígio em troca de um dia de trabalho na plantação de laranja. Dessa forma os quilombolas tomaram posse das casas e roças onde permanecem até os dias de hoje.
Diante dessa vivência coletiva, emergiu um sistema de cooperação e solidariedade entre as famílias que ali se fixaram, exaltando o valor do conhecimento tradicional no contexto de transformação agroecológica. A mandioca tem lugar de destaque na subsistência e plantio local, com pequenos engenhos voltados para a produção de farinha, biju e sola. Na criação de animais como fontes de proteínas, destacam-se as aves, a engorda de porcos e pequenos roedores. Prodígio é referência na região por suas experimentações para a agricultura familiar e camponesa com a guarda e troca de sementes. Essas sementes representam um elemento crucial para fortalecer o diálogo com a comunidade, pois permitem uma aproximação com a cultura afrodescendente e camponesa. A forma como a comunidade reproduz sementes crioulas, em especial de milho, também reflete o conhecimento dessa população, assim como a manutenção dessa história rural.
Sobre a religiosidade e suas manifestações na comunidade, parte dela frequenta a igreja evangélica de Tapinoã, porém membros da comunidade relatam que no passado existia um terreiro de Umbanda ou Candomblé, com a morte do líder religioso, findou a Curimba (termo que define o grupo de pessoas que louvam na Umbanda e Candomblé os Orixás, através da percussão de atabaque e canto), assim chamavam as reuniões no terreiro. Momentos de rezas, canto e de alegria que permanecem na lembrança dos mais antigos.
A comunidade de Tapinoã-Prodígio foi certificada pela Fundação Cultiral Palmares em 2012. Entre as maiores dificuldades enfrentadas nos últimos anos, a organização da comunidade para a regularização da permanência e a mobilização de ações coletivas pela garantia de direitos, foram marcantes. Porém, no dia 28 de setembro de 2017, Paulino da Conceição, o Poli, liderança com a trajetória de luta pela titulação das terras, foi escolhido para representar a comunidade na cerimônia organizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Prodígio, para a entrega da cópia do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, depois de ter sido despejado da casa onde viveu por 51 anos e ter a moradia derrubada, em 2009. O caso foi um incentivo para que a comunidade desse o primeiro passo em direção ao pedido no Incra para a titulação de seu território.
Atualmente, a comunidade é composta por aproximadamente 35 famílias e ocupam um espaço identificado e delimitado de 118 hectares. Contam com a parceria da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para seu desenvolvimento produtivo. Possuem também fossas sépticas biodigestoras e galinheiro ecológico. Parcerias e tecnologias que têm contribuído para a qualidade de vida e para a produção em Prodígio.
Origem do nome:
Processo:
- Certificada
Município / Localização: Araruama
Referência:
CORDEIRO, Nayara Araujo. Titulação como garantia de direitos: limites e entraves para a regularização fundiária das comunidades quilombolas Prodígio e Sobara (Araruama-RJ). Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Serviço Social, 2012.
Redação: MOTA, Ana Carolina. Quilombo de Tapinoâ - Prodígio. IN: Atlas Observatório Quilombola. KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, 2021.
Mais informações: Ana Carolina é professora de História pela SEEDUC/RJ e SEDUC Araruama/RJ, autora do livro Relações étnico-raciais no contexto quilombola: Currículo, docência e tecnologia.
Verbete atualizado em 30/05/2023<< Voltar para listagem de comunidades