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Sacopã - RJ

História:

A família Pinto, também conhecida como família Sacopã, habita há quase 90 anos o território hoje situado à Rua Sacopã, nº 250, bairro da Lagoa, zona sul do Rio de Janeiro - RJ. Em 2007, o grupo reunia aproximadamente 500 pessoas, das quais cerca de vinte residiam no local. Situado atualmente num dos endereços mais valorizados do Rio de Janeiro, a história da família Pinto se entrelaça à história do bairro da Lagoa e é marcada por uma trajetória de resistência. O território familiar foi ocupado por Manoel Pinto Jr. em 1929, quando se mudou de Nova Friburgo para a capital a procura de trabalho. Manoel passou a trabalhar na região da Lagoa e participou, inclusive, da construção da atual Rua Sacopã. Após ter estabelecido moradia no local, sua esposa Eva Manoela da Cruz se mudou com os filhos para o bairro em 1939. 
 
Manoel Jr., Eva e seus sete filhos - Sebastião, Édimo, Maria Bernardina, Maria Laudelina (Tia Neném), João, Antônio e José Luiz (Luiz Sacopã) - participaram ativamente da história da Lagoa e são reconhecidos por vizinhos mais antigos como uma referência no local, tendo vivenciado as primeira transformações ocorridas ali. De bairro operário para área residencial destina às classes altas, a valorização dos terrenos da Lagoa e a especulação imobiliária intensificaram um processo de remoção de favelas e expulsão de famílias negras e de baixa renda. A família Pinto vem lutando ao longo de décadas pela permanência em seu território, resistindo com a força de sua tradição à especulação imobiliária. 
 
A principal marca da família Pinto é a cozinha da Sacopã, pensão construída por Dona Eva para fornecimento de marmitas para operários que trabalhavam na abertura de ruas na Lagoa. Inicialmente sob o comando da fundadora, a cozinha "é de toda a família", seu caráter comunitário estende-se por gerações, e é considerada uma importante referência para os Pinto. 
 
Neném morreu tem um ano, fez agora em março. A gent era muito ligada, porque era ela que cozinhava, depois passou a pensão pra mim. Ela falou "não para a cozinha, eu te ajudo". Ela dizia "a cozinha é a referência da Sacopã!". Aí ela vinha para a cozinha, descascava um legume, ajudava, me incentivava pra eu não parar. (Albertina [Tina]). 
 
Família e trabalho estão emaranhados para o grupo. Praticamente todos os membros participavam das atividades desenvolvidas na cozinha, principalmente aqueles que residem em Sacopã. Espaço de reunião para as refeições familiares, a cozinha é também espaço de trabalho e sociabilidade, onde encontros informais muitas vezes se transformam em um almoço ou café da manhã mais farto. 
 
Quando tem uns feriados, festas, os familiares sempre se reunem aqui. É o próprio pessoal daqui [...]. Ninguém programa nada, mas aí vem todo mundo. Trazem as comidas para cá e almoça juntos. Compram uma cerveja. Domingo, ninguém como nas suas casas. Come todo mundo mais ou menos aqui [...]. Às vezes, vem outras pessoas da família e alguns vizinhos que estão sempre aí, como Dona Lourdes e a Ivone (Luiz Carlos)
 
A partir da entrada de Tia Neném nas atividades da pensão, a cozinha da Sacopã passou por transformações significativas. Anteriormente, Eva apenas aumentava a quatidade de comida preparada para a família. Tia Neném passou a cozinhar diretamente para os fregueses, que aumentaram a partir da década de 1970 com o início de uma nova etapa de obras na região, dessa vez para construir prédios. Ainda que inicialmente não gostasse muito de cozinhar, Tia Neném foi aos poucos tomando gosto pelo trabalho e aprimorando sua técnica. Sua culinária tornou-se popular no Rio de Janeiro, principalmente através da feijoada, um almoço musical ao som de samba até hoje realizado pelos Pinto.
 
Tia Neném é uma referência fundamental para o grupo, foi "uma espécie de líder que sempre reuniu toda a família" e era muito conhecida dentro e fora da região da Lagoa. Alcançou espaço na mídia na década de 1980, período importante de divulgação da feijoada. Seu talento ímpar para música e culinária conquistou muitos admiradores que frequentavam a Sacopã, inclusive pessoas famosas como o cantos Tim Maia. "Neném" é um apelido carinhoso dado à Maria Laudelina durante sua infância e o termo "tia" foi incorporado por seu posterior envolvimento com o samba, tornando-se tia de todos os frequentadores do almoço musical. O gosto pela música vem também de seus pais: Manoel e Eva eram músicos e animavam as festas famiiares da família ao som de cantos que aprenderam com seus antepassados. A feijoada tornou-se um importante veículo de divulgação da história de resistência da família Pinto à especulação imobiliária, através dela a família construiu importantes redes de relações. 
 
Fonte: Coleção Terra de Quilombos (INCRA/UFMG)
 
 
 
 
 

Origem do nome: O nome deve-se à rua que dá acesso à comunidade “Ladeira Sacopã”.

Processo:
  - Certificada

Período aproximado de formação: Remonta ao período pós-abolição, com a chegada dos pais de Manoel Jr. e Eva.

Município / Localização: Rio de Janeiro

Número de famílias: 7 famílias.

Estágio no processo e regularização territorial: Comunidade reconhecida pelo INCRA como primeiro quilombo urbano do Rio de Janeiro em 2014.

Condições sociais: Ao contrário dos quilombos localizados nas áreas rurais, o quilombo do Sacopã é conhecido como um quilombo urbano e este fato traz outra perspectiva quanto à infra-estrutura do local. O quilombo possui saneamento básico, escolas próximas, posto de saúde ao alcance da comunidade e diversas linhas de ônibus. A comunidade costuma comemorar o dia 13 de maio e também o dia 20 de novembro.

Condições econômicas: A maior parte dos moradores trabalha fora do quilombo. Alguns exercem a profissão de taxistas autônomos, outros trabalham em escritórios na cidade. Há também aqueles que trabalham no interior da comunidade, fornecendo refeições (quentinhas).

Referência:

Coleção Terra de Quilombos - INCRA/UFMG

OVALLE, Luíza Aragon. Entre a casa e a política: uma etnografia das controvérsias da ladeira Sacopã. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Universidade Federal Fluminense, 2013.

MAIA, Patrícia. As múltiplas faces do quilombo Sacopã - Rio de Janeiro. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Sociologa e Direito). Universidade Federal Fluminense, 2010.

 

 

Redação: Valéria Lourenço (Estudante de Letras Literaturas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, campus Nova Iguaçu, moradora de Xerém, Duque de Caxias e que às vezes gosta de passar para o papel o que vê da vida). Daniela Yabeta

Pesquisas: Valéria Lourenço, Comunidade Quilombola Sacopã e Daniela Yabeta

Mais informações: Área: 0,640417ha (Fonte: INCRA)

Verbete atualizado em 30/05/2023


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