Pedra do Sal - RJ
História:
A comunidade remanescente de quilombo da Pedra do Sal está localizada na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente no território que ficou popularmente conhecido como Pequena África.
Sua história remonta a época em que toda a região era conhecida como Prainha e era habitada por pescadores e salineiros.
Em meados do século XVIII por ponta do grande número de trapiches e de casas comerciais, a região passou a interagir cada vez mais com a cidade. Tal fato ocorreu devido a iniciativa do segundo Marquês do Lavradio, Dom Luís de Almeida Portugal Soares de Alarcão d´Eça e Melo Silva Mascarenhas (1729-1790), que escolheu a região do entorno da Pedra do Sal para local de desembarque e comércio de africanos escravizados. O objetivo era manter o negócio o mais afastado possível do centro da cidade por conta de seu caráter cruel e insalubre.
Sendo assim, de 1760 até a proibição ao tráfico de africanos escravizados para o Brasil – Lei de 07 de novembro de 1831, a região que ficou conhecida como Valongo, tornou-se o principal cenário de compra e venda de sujeitos escravizados trazidos do continente africano.
No entanto, é preciso destacar que a presença negra não estava apenas restringida aqueles que desembarcavam na condição de escravizados. Os que por aqui viviam, fossem africanos ou nascidos no Brasil, também circulavam pelo entorno atuando em várias atividades ligadas ao infame comércio de almas. Como exemplo, podemos destacar, além de todas as etapas do embarque e desembarque em navios negreiros, o trabalho no preparo de alimentos, cura de doenças e sepultamentos que ocorriam no espaço que ficou conhecido como Cemitério dos Pretos Novos.
Com a proibição ao tráfico de africanos escravizados em 1831, os desembarques deixaram de ser no Valongo e passaram a ser realizados de forma ilegal em locais isolados como a Ilha da Marambaia, em Mangaratiba, na região cafeeira sul fluminense.
Apesar do fim dos desembarques no Valongo, a presença negra continuou forte no entorno da Prainha, pois muitos escravizados continuavam a trabalhar nos trapiches da localidade, muitas vezes como carregadores e estivadores.
Com o passar do tempo, a paisagem da região foi modificada. Com os aterros, construíram um novo cais, abriram a rua nova de São Francisco da Prainha (que corresponde a uma parte da atual Sacadura Cabral) e cortaram a maior parte da Pedra da Prainha. Todo esse trabalho foi realizado por homens escravizados.
No período pós-abolição, o crescimento demográfico e comercial da região entorno da Pedra do Sal continuava oferecendo boas oportunidades de trabalho no porto. Muitos do que por lá buscaram emprego e moradia eram imigrantes pobres ou ex-escravizados que vinham da Bahia e do Vale do Paraíba. Com a chegada deles, a região passou por uma nova transformação relacionada as suas condições econômicas, sociais e religiosas, o que garantia a permanência a sobrevivência desses grupos de trabalhadores. É nesse contexto que o sambista Heitor dos Prazeres rebatiza a localidade com o nome de Pequena África.
Apesar de toda a notoriedade da região da Pequena África, a população negra que lá vivia sofreu vários processos de expulsão, a maioria deles ligados à urbanização da cidade e ao conflito com a Venerável Ordem Terceira da Penitência (VOT).
Sobre a VOT especificamente, o conflito pela posse de imóveis na região remonta a década de 1830. Nessa época, a VOT reivindicou o direito sobre o território que corresponde a igreja de São Francisco da Penitência até a Pedra do Sal. Porém, somente no início do século XX que a reivindicação da VOT foi atendida, através de uma doação realizada pela prefeitura do Rio de Janeiro.
Feita a doação, uma parte dos antigos moradores dos imóveis continuou morando na localidade e a VOT não se importou com a permanência deles. Ao atuar como uma instituição filantrópica, a VOT cobrava apenas um aluguel simbólico as famílias negras que continuaram vivendo por lá.
Muitos anos mais tarde, já na década de 1990, a situação mudou drasticamente pois a VOT mudou seu perfil administrativo e aumentou o valor dos aluguéis de forma exorbitante. Tal atitude foi interpretada como uma estratégia para retirar os antigos moradores.
Esses conflitos se intensificaram em 2002, quando a VOT lançou o projeto social “Humanização do Bairro” que tinha o objetivo de recuperar as casas ocupadas por antigos moradores da região. A implantação do projeto acabou ocasionando o despejo de 30 famílias, destacadamente famílias negras.
Dois anos mais tarde, o “Sal do Samba” - projeto cultural criado por lideranças da Pedra do Sal, juntou-se ao movimento de resistência contra a retirada dessas famílias. Desse encontro nasceu a ARQPEDRA – Associação de Resistência Quilombola da Pedra do Sal. É a partir daí que, as famílias negras ameaçadas de expulsão através das ações de reintegração de posse impetradas pela VOT, se autodeclararam remanescente de quilombo. A ARQPEDRA foi certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2006 e desde então o processo administrativo pela titulação do território como remanescente de quilombo continua em curso.
Origem do nome: A origem do nome deve-se, segundo relatos, ao fato de ter existido carregamento de sal nas redondezas.
Processo:
- Certificada
Município / Localização: Rio de Janeiro
Referência:
CATHARINA, Castro Alexandre. Acesso à justiça e direitos coletivos: análise da cultura jurídica brasileira a partir do caso da comunidade remanescente de quilombo da Pedra do Sal. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Direito. Universidade Federal Fluminense, 2007.
MATTOS, Hebe; ABREU, Martha. Relatório histórico-antropológico sobre o quilombo Pedra do Sal: em torno do samba, do santo e do porto. Rio de Janeiro: MDA/Incra, 2007.
GUIMARÃES, Roberta Sampaio. A utopia da Pequena África: projetos urbanísticos, patrimônio e conflitos na zona portuária carioca. Editora FGV, 2014.
Redação: Daniela Yabeta – 23 de junho de 2020 – Fonte: CORRÊA, Maíra Leal. Quilombo Pedra do Sal – Belo Horizonte: FAFICH, 2016.
Verbete atualizado em 30/05/2023<< Voltar para listagem de comunidades