No mês de junho, as equipes de KOINONIA do Rio de Janeiro e Bahia foram a campo para seguir com o trabalho de diagnóstico das comunidades participantes do projeto Comércio com Identidade*. A ideia é levantar informações sobre qual atividade ou tipo de produtos as comunidades participantes têm interesse em desenvolver com o projeto.
No Rio de Janeiro, as visitas ocorreram nas comunidades quilombolas de Prodígio, em Araruama, e São Jacinto e Fazenda Espírito Santo, em Cabo Frio. A ideia era conhecer de perto as famílias que têm interesse e potencial para se engajar nas atividades do projeto.
Já na Bahia, as comunidades negras tradicionais visitadas foram Dandara e Mariana, em Camamu, e Laranjeiras, em Igrapiúna; todas localizadas na região do Baixo Sul. A equipe de KOINONIA utilizou as metodologias de cartografia social e de identificação de fortalezas e fragilidades para obter um panorama de qual caminho o projeto Comércio com Identidade deve tomar para cumprir seus objetivos.
Atividades no Rio de Janeiro
Em Prodígio, no dia 28 de junho, a equipe de KOINONIA presenciou uma edição do projeto Defensoria em Ação nos Quilombos, que, em parceria com outros órgãos, como Detran e Incra, realiza a cada mês uma visita a uma comunidade quilombola do estado para atender demandas previdenciárias, de documentação e de regularização fundiária.
Na ocasião, a equipe teve também a oportunidade de visitar algumas famílias de Prodígio. Verificamos que, embora haja uma diversidade de cultivos (principalmente mandioca e alguns derivados, laranja, quiabo e feijão), a comunidade requer assistência técnica para aprimorar seus processos produtivos.
“Chegamos a ter um ótimo serviço de assistência, mas isso faz bastante tempo. De lá para cá, sentimos falta desse serviço por parte do poder público. Ninguém mais vem aqui ver as nossas produções. O trator disponibilizado pela prefeitura demora muito a vir. Precisamos, portanto, de assistência e maquinário”, desabafou Romualdo, uma das lideranças da comunidade.
Além disso, o escoamento da produção é um grande obstáculo. É preciso ainda avançar com a criação da associação quilombola, algo que KOINONIA já está apoiando.
A equipe partiu então para Cabo Frio, tendo como primeira parada a comunidade de São Jacinto Campos Novos. A reunião com representantes da recém-criada associação quilombola permitiu identificar que ainda é preciso maior engajamento da comunidade para implementar o projeto, embora tenha sido possível antecipar que o foco será no fortalecimento da gastronomia e do artesanato.
No último dia da viagem a campo, 30 de junho, foi a vez de visitar o quilombo Fazenda Espírito Santo, também em Cabo Frio. A equipe de KOINONIA teve a oportunidade de conversar com diversas pessoas e ver in loco as dificuldades e potencialidades. A comunidade demonstrou muito entusiasmo e empenho para participar do projeto Comércio com Identidade. Inclusive, já conta com um selo em todas as embalagens e participa de uma Feira Quilombola mensal no centro do município. No entanto, afirmam ter capacidade de produzir e comercializar ainda mais. Como em diversas comunidades quilombolas do interior, a dificuldade ainda é acesso a maquinário e formas de escoamento.
“Se tivéssemos assistência técnica de qualidade, poderíamos aumentar muito mais nossa produção de aipim. A comunidade também está buscando financiamento para termos uma casa de farinha própria, para não depender de ninguém para produzir nossa farinha, que já é bastante conhecida na região”, afirmaram Regina e Rose, representantes da associação quilombola.
Artesanato e turismo de base comunitária também são atividades que podem ser potencializadas no quilombo Fazenda Espírito Santo.
Atividades na Bahia
As visitas na região do Baixo Sul da Bahia ocorreram entre 26 e 28 de junho e tinham como objetivo obter insumos para finalizar o diagnóstico de mais três das 10 comunidades negras rurais participantes do projeto Comércio com Identidade. A equipe visitará mais duas em julho e, assim, terá coberto todas as comunidades participantes.
A primeira a ser visitada foi a comunidade negra rural de Dandara, em Camamu, que é um assentamento da reforma agrária criado em 1997. Ali encontramos uma grande diversidade de cultivos da Mata Atlântica, que orgulha as famílias. O assentamento conta com uma agroindústria completa e tem nove famílias cuja produção é certificada como orgânica. A produção tem destino certo: toda semana vendem para a Rede de Agroecologia Povos da Mata. A juventude também se mobiliza. A partir do trabalho que KOINONIA desenvolve na região, jovens procuraram a prefeitura para implementar um sistema de uma coleta de lixo seletiva. O lixo orgânico é destinado ao adubo da terra, enquanto materiais recicláveis são guardados em local apropriado até que a prefeitura passe uma vez por mês.
Ana Celsa, pesquisadora e educadora popular de KOINONIA, explica que foi o histórico de luta pela terra e de participação no sindicato que permitiu que a comunidade desenvolvesse uma forte organização interna. “As famílias assentadas de Dandara correm atrás mesmo do poder público e de projetos para melhorar a condição de vida local”.
Por outro lado, a comunidade apontou vários problemas que ainda persistem, como transporte público deficiente, acesso precário à comunidade, atendimento de saúde insatisfatório e a crescente violência no campo.
A segunda comunidade visitada foi a comunidade quilombola de Laranjeiras, em Igrapiúna, onde a equipe encontrou alguns desafios. Embora tenham destacado a produção diversificada, a garra das mulheres e a presença de diversas parcerias como pontos fortes, a comunidade ainda enfrenta problemas de energia elétrica, de abastecimento de água no verão e de canais para o escoamento de sua produção.
Finalmente, a equipe chegou ao assentamento Mariana, também em Camamu. Entre as fortalezas, as pessoas participantes destacaram a terra fértil do território e alguns equipamentos comunitários, como uma casa de farinha, uma fábrica de extração de óleo de sementes (como cupuaçu) e o fato de o assentamento ter um trator, maquinário muito almejado pela maioria de comunidades rurais no país. A equipe também observou uma mobilização consistente em relação ao projeto Comércio com Identidade, incluindo a presença de pessoas idosas e juventude.
Aliás, as atividades do projeto, mesmo que incipientes, já começaram a gerar frutos. A comunidade de Mariana está animada e já solicitou que KOINONIA apoie a realização de uma feira no próprio território. A ideia é convidar outras comunidades do entorno para também levarem produtos para comercializar.
“Aqui cultivamos a paz e a união para alcançar o que buscamos, para melhorar. Espero que esse projeto sirva para unir mais a comunidade e fortalecer a vida das pessoas no território”, declarou Vera Lúcia, uma das participantes da atividade.
Atividades previstas
As equipes de KOINONIA do Rio de Janeiro e da Bahia ainda precisam finalizar os diagnósticos em algumas comunidades para começar a definir as consultorias específicas que irão fortalecer as atividades econômicas nas quais as comunidades participantes do projeto vão querer investir, seja produção agrícola, de artesanato ou turismo de base comunitária.
No entanto, já foi possível identificar que as comunidades precisam aprofundar seus conhecimentos sobre políticas públicas, a fim de fortalecer suas associações e melhorar sua qualidade de vida. Para tanto, a equipe de KOINONIA está preparando uma formação que abordará desde a definição mais geral de políticas públicas, passando pelas que são destinadas a comunidades negras e quilombolas até as de acesso a crédito e aquelas que podem promover os empreendimentos locais.
*O projeto Comércio com Identidade é financiado com recursos advindos do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Grupo Carrefour, o Ministério Público Federal e organizações da sociedade civil para a implementação de projetos de combate ao racismo. Saiba mais em: https://www.grupocarrefourbrasil.com.br/nao-vamos-esquecer/.