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Itaboraí: da pobreza política à espiritual

Foto: Matheus Costa

Por Pedro Rebelo

A semana chegava ao fim e tudo parecia seguir seu curso, com as turbulências de sempre do momento político vivido, mas não em Itaboraí. Entre os 92 municípios do estado do Rio de Janeiro, a referida cidade da Região Metropolitana, com pouco mais de 200 mil habitantes, preparava-se para as comemorações dos 189 anos de sua emancipação administrativa. O clima de festa, com a previsão de show de artistas famosos, dava a entender que não apenas Itaboraí, mas suas cidades vizinhas fossem desfrutar, entre os dias 19 e 22 de maio, de um belo momento de lazer.

Apesar da importância disto para a região, nada que chamasse a atenção da grande mídia, não fosse a declaração criminosa do pastor Felippe Valadão contra a existência de terreiros de umbanda e candomblé. Um discurso que já seria crime em um culto particular, entre as quatro paredes de sua igreja, mas proferi-lo em um evento político, de interesse público, financiado com dinheiro público torna tudo ainda mais grave e expõe a pobreza espiritual que não é só de Itaboraí, mas do Brasil.

Os casos de Intolerância Religiosa no Brasil cresceram 141% em 2021 e ainda seguem subnotificados. Em mais de 60% dos casos, as vítimas são religiosas e religiosos de terreiros ou mesmo os próprios terreiros. O estado do Rio de Janeiro lidera com o maior número de casos. Entre 2015 e 2019 foram 6700 casos de intolerância religiosa, registrados pela Polícia Civil. Além disso, um levantamento realizado pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ) contabilizou 1355 casos que podem estar relacionados a crimes deste tipo só em 2020. Por isso, é preciso dizer que os ataques contra as religiões de matriz africana e afro-brasileiras não são apenas uma amostra de intolerância, mas principalmente de racismo religioso.

Itaboraí é um município com mais de 300 anos de história, foi palco da escravidão no Leste Fluminense, passou por diferentes períodos de aparente crescimento econômico e recessão financeira, tendo vivido recentemente o sonho dourado da chegada do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), mas viu o sonho se transformar em pesadelo a partir da política da Lava-Jato, que paralisou o projeto, trazendo à cidade uma das maiores ondas de pobreza de sua história. Recentemente elegeu para gerir sua prefeitura uma figura experimentada nos ideais reacionários e no fundamentalismo religioso, consequentes da eleição presidencial de 2018. O caso ocorrido em suas festividades é uma amostra do Brasil racista e intolerante de sempre, que agora não tem mais medo de se expor.

Contudo, não há mais medo para se lutar. Com a circulação da fala do pastor, nas redes sociais, inúmeras articulações se deram, desde a construção de uma manifestação, como a notificação do Conselho Estadual de Promoção da Liberdade Religiosa à prefeitura de Itaboraí, Delegacia de Crimes de Intolerância e Ministério Público até uma representação da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) ao MP.

No domingo, 22 de maio, o povo de terreiro compareceu em massa para uma manifestação pacífica durante o desfile cívico da cidade. Diversas lideranças religiosas, de diferentes cidades estiveram presentes com seus terreiros, bem como lideranças políticas aliadas à causa se fizeram presentes. A população local assistiu a passagem do povo de axé com cantigas e palavras de ordem como Axé e Luta, demonstrando um sentimento misto de solidariedade de uns e um silêncio muito simbólico de outros. O recado foi dado: não aceitaremos mais que declarações como estas passem impune.

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