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Salve o cinema brasileiro!

Daniela Yabeta

Professora do Departamento de História (UNIR-PVH)

Editora do Observatório Quilombola

É muito bom começar a semana com a notícia de que o filme “Democracia em vertigem” da diretora brasileira Petra Costa, foi indicado ao Oscar 2020 como melhor documentário. Para quem ainda não assistiu, o longa-metragem aborda o impacto dos protestos de junho de 2013 na política brasileira, acompanha o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a prisão do ex-presidente Lula e a vitória de Jair Bolsonaro como novo presidente da República no pleito de 2018. O filme foi lançado em junho de 2019 na Netflix, corre lá e assista antes da premiação.

Em outros tempos, talvez eu não comemorasse tanto uma indicação como essa. Mas nesse momento, a boa nova me trouxe alento após um ano tão difícil como 2019. Aliás, grande parte dessa dificuldade está diretamente relacionada aos ataques feitos pelo presidente eleito ao cinema brasileiro. Logo no seu primeiro ano de mandato, Jair Bolsonaro acabou com o Ministério da Cultura (medida provisório 870 de 01 de janeiro de 2019), alterou a Lei Rouanet (que passou a se chamar Lei de Incentivo à Cultura) e investiu numa ofensiva pesada contra a Agência Nacional de Cinema (Ancine).Diante de um cenário de tamanho autoritarismo, a possibilidade de assistir – pela primeira vez, uma mulher brasileira conquistar o Oscar eu já considero uma vitória.

Aliás, para encarar essa onda de conservadorismo, penso que devemos celebrar também nossas vitórias no cotidiano contra essa avalanche de censura que caiu sobre todos nós. Mantendo a conversa no campo cinematográfico, eu – por exemplo, fiquei muito feliz ao ser convidada pelo SESC de Rondônia para participar como debatedora dos filmes: “Orin: música para os Orixás” de Henrique Dias e “Quilombo Mata Cavalo” de Jurandir Amaral – na 3ª Mostra de Cinema, que ocorreu em Porto Velho entre os dias 02 e 07 de dezembro de 2019.

Digo isso por diversos motivos. O primeiro deles está relacionado ao fato de que, nos últimos anos, Rondônia destaca-se com o maior percentual de evangélicos do país. Até aí, nenhum problema, pois o Estado brasileiro é laico e a Constituição de 1988 garante a liberdade religiosa e determina a proteção aos locais de culto e suas liturgias. No entanto, os ataques às religiões de matriz africana praticados por católicos e evangélicos em todo o território nacional têm crescido de forma alarmante. Sendo assim, ter a oportunidade de comentar um documentário que tem como temática a influência dos toques de terreiro na Música Popular Brasileira (MPB) em plena quarta-feira, dia de Santa Bárbara – que no sincretismo religioso representa Iansã, vestida de vermelho e ao lado do babalorixá Marconi de Oxossi do Ilê Axé Odé Fumilayo – terreiro localizado na cidade de Porto Velho, também representou para mim uma grande vitória.

O outro motivo está relacionado ao fato de que Rondônia possui oito comunidades remanescentes de quilombo certificadas pela Fundação Cultural Palmares: 1) Santo Antônio do Guaporé (São Francisco do Guaporé); 2) Pedras Negras (Alta Floresta do Oeste e São Francisco do Guaporé); 3)Forte Príncipe da Beira (Costa Marques); 4) Rolim de Moura do Guaporé (Alta Floresta do Oeste); 5) Laranjeiras (Pimenteira do Oeste); 6) Jesus (São Miguel do Guaporé e Seringueiras); 7) Santa Fé (Costa Marques); 8) Santa Cruz (Pimenteira do Oeste). Dentre elas, apenas a comunidade de Jesus é titulada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Na ocasião da 3ª Mostra de Cinema, ao assistirmos juntos o curta metragem sobre a comunidade quilombola de Mata Cavalo – localizada em Nossa Senhora do Livramento (MT), podemos conhecer um pouco mais a história dos quilombolas mato-grossenses que, assim como os quilombolas de Rondônia, lutam pela regularização do território em que vivem, território esse herdado de seus ancestrais. Através da história de Mata Cavalo discutimos sobre legislação quilombola, o que sem dúvida, impacta na forma sobre como enxergamos as oito comunidades existentes no estado. Poder contribuir nesse momento, representou mais uma vitória para mim.

Os outros filmes que também foram exibidos na 3ª Mostra SESC de Cinema de 2019 foram: 1)Vivi lobo e o quadro mágico (PR); 2)Icamiabas (PA); 3)Hornzz (RJ); 4)Lily´s hair (GO); 5)Quando as coisas se desmancham (PR); 6)Isso me faz pensar (RS); 7)Do outro lado (SP); 8)Cravo, lírio e rosa (RJ); 9)Da curva pra cá (ES); 10)Jéssika (RJ); 11)Plano controle (MG); 12)O céu dos índios (AM); 13)Francisco (AC); 14)Chamando os ventos (AM); 15)Parda (RJ); 16)Catadora de gente (RS); 17)Clandestino (SE); 18)O malabarista (GO); 19)A câmera de João (GO); 20)Abrindo as janelas do tempo (SC); 21)Almofadas de penas (SC); 22) Guará (GO); 23) A praga do cinema brasileiro (DF); 24) Majur (MT); 25) Entre parentes (DF); 27) Navios de terra (MG); 28)Fabiana (SP); 29)A besta pop (PA); 30)No rio das borboletas (AM); 31)Euller Miller entre dois mundos (PR); 32) Poética de barro (MG); 33)Estrangeiro (PB); 34)Tipoia (AL); 35)Aqueles dois (CE); 36)Aurora (SE); 37)Rasga mortalha (PE); 38)Mateus (PE); 39)Parque oeste ((GO); 40)Ilha (BA).

Dos 42 filmes selecionados, 19 dos 27 estados brasileiros foram representados. Os que não pintaram por lá dessa vez, deixo aqui algumas dicas: Amapá – InterAmazônias: uma fronteira musical; Maranhão – Quem toma conta dá conta; Mato Grosso do Sul: Coisa de negro: porandubas e racontos da capoeira em Campo Grande; Piaúi – A irmandade; Rio Grande do Norte – Passo da pátria: porto de destinos; Rondônia – Nazaré é encantada; Roraima – Cruviana Camará; Tocantins –Félix, o herói da barra. É a magia do cinema conectando todo o Brasil.

Para encerrar, existe uma história que durante a primeira exibição pública do filme “A chegada de um trem na estação”, promovida pelos irmãos Lumière, a plateia fugiu da sala acreditando que o trem sairia da tela e atingira todos que estavam por lá. O trem não saiu da tela, mas de certo atingiu aquela plateia e continua atingindo a todos nós até hoje. Enquanto escrevo esse texto, ocorre uma verdadeira batalha na internet entre os que celebram a indicação do filme de Petra Costa ao Oscar 2020 e os que atacam o documentário. Pelo visto, todos foram atingidos por esse trem chamado “Democracia em Vertigem”.

Que o ano de 2020 nos receba com tapete vermelho!

Daniela Yabeta

 

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