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UM TERRITÓRIO: Nhunguara

Por Antonio Carvalho Costa

Nhunguara é uma comunidade situada na divisa dos municípios de Eldorado e Iporanga (SP). O ribeirão de Nhunguara é o nome de um dos principais afluentes do rio Ribeira de Iguape, caminho para a liberdade de negras e negros em meados do século XVIII, depois da decadência da atividade mineradora na região. As pessoas mais velhas do bairro contam que ‘um pessoal que trabalhava como escravo’ fugiu pelo ‘boqueirão de Nhungua­ra’1 como ocorreu também em Ivaporunduva, São Pedro, Pilões e Lavrinha, comunidades vizinhas.

Contam ainda que, por volta da segunda metade da década de 1970, suas terras foram ocupadas por nomes como ‘Altalino’ e ‘Zé Felício’. Esses gran­des fazendeiros são chamados em Nhunguara de ‘arrasadores’ por ‘abrir divisas’, grandes pastos e ocuparem as cabeceiras dos rios que, nas palavras do senhor José Paula (morador), ‘são os lugares que a gente sempre costumava buscar a vida’. As 96 famílias de Nhunguara viveram durante muito tempo da prática de agricultura familiar em roças de mandioca, de arroz e de feijão, mas aos pou­cos se vêm na necessidade de trabalhar, ora como empregados nas terras de fazendeiros, ora como empregadas domésticas em grandes centros urba­nos. Essas comunidades que estão naquelas terras há, pelo menos, duzentos anos hoje se identificam como quilombolas ou ‘povo tradicional’.

Entre os quilombolas ou ‘tradicionais’ e os ‘arra­sadores’ havia duas coisas em comum: ambos estão sujeitos às leis ambientais dos Parques Estaduais e Áreas de Preservação Ambiental e não possuem o título da terra. O que os diferencia, entretanto, é a facilidade com que os ‘arrasadores’ abriam pastos, derrubavam a mata e represavam os rios. Hoje, os ‘ar­rasadores’ se diversificaram. Alguns ainda estão ins­talados nas terras quilombolas e exigem indenizações para deixá-las; outros receberam licenças ambientais para construção de usinas hidroelétricas que, além de ‘matar’ o rio, vão inundar parte das terras qui­lombolas e dos remanescentes de Mata Atlântica da região2. Enquanto isso, os quilombolas de Nhunguara são multados e, vez por outra presos, por praticar costumes ‘tradicionais’ como a coivara; aguardam incentivos do Estado para otimizar o comércio de banana e o artesanato da fibra desta fruta.

Nhunguara foi uma das primeiras comunidades do Vale do Ribeira a se organizar em associação de moradores, formando em 1973 uma entidade civil que, em 1997, passou a se chamar Associação Co­munidade do Quilombo de Nhunguara e em 2007 foi certificada como ‘remanescente de quilombo’ pela Fundação Cultural Palmares (FCP).3

Hoje o quilombo de Nhunguara integra a luta contra o represamento do Rio Ribeira de Iguape, junto ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), e produz artesanato da fibra da bananeira que comercializa para complementar a renda de suas famílias.

Fontes Bibliográficas:

1- Os itens em itálico e entre ‘aspas’ foram extraí­dos de depoimento do Senhor José Paula de França, morador e principal liderança de Nhunguara em 28.02.1997 transcrito no relatório do GT criado pelo Decreto nº 40.723/96 e organizado em: ANDRADE, Tânia. Quilombos em São Paulo: tradições, direitos e lutas. São Paulo: IMESP, 1997.

2 – O território de Nhunguara está sujeito às interfe­rências do projeto de barragem da Usina Hidroelétri­ca de Batatal, projetada pela CESP – Cia. Energética de São Paulo – e às restrições de uso da Área de Pro­teção Ambiental da Serra do Mar. (ANDRADE [org], 1997: 51)

3 – Está registrada no Livro Geral de Cadastro nú­mero 08, registro 875, FL. 87 em 12/02/2007 pu­blicado no Diário Oficial da União em 02/03/2007, seção 1, numero 42, folha 10.

FONTE: Boletim Territórios Negros, v. 8, n. 35, jul./ ago. 2008

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