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Movimento quilombola divulga nota contra mudanças na legislação

Abaixo segue a nota elaborada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) repudiando as alterações propostas pelo Governo Federal à Instrução Normativa do Incra. O movimento quilombola solicita que a Instrução Normativa nº20/2005/Incra seja mantida em seu inteiro teor e, por conseguinte, que o processo de instituição de nova norma imediatamente seja  suspenso, por não ter, das entidades quilombolas que subscrevem, o devido reconhecimento de validade.

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A/C:

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

CONSULTORIA GERAL DA UNIÃO

ILMO. SR. RONALDO JORGE ARAÚJO VIEIRA JUNIOR – Consultor-Geral da União

Ref: Ofício-circular nº05/2007/CGU/AGU

A violência e os conflitos sempre marcaram o meio rural brasileiro. Milhares de lideranças foram assassinadas por defenderem a terra, os recursos naturais e uma reforma agrária pautada na democratização do acesso a terra. Nos últimos meses esse conflito tem se acirrado apenas com uma diferença, esse conflito tem cor, é negro e é quilombola.

A escravização dos africanos no Brasil perpetuou uma concepção de negação e inviabilização da população negra, explicitada no tratamento dado às comunidades quilombolas tanto por parte do Estado quanto pela sociedade. A não aceitação do direito à terra aos quilombolas tem pautado o debate político e jurídico no País. A esperança do povo quilombola em ver seus direitos garantidos e suas terras regularizadas reacendeu com a eleição do governo Lula. Quando da criação do decreto 4887/2003.

No entanto a inoperância do Estado fomentada pela pressão de grupos organizados por  parlamentares, juristas, ruralistas e  multinacionais do agro-negocio nunca permitiu que os direitos conquistados pelos quilombolas se efetivassem. O mesmo governo que reconhece o direito se rende a pressão do agro-negocio e põem em ameaça o direito conquistado com luta e resistência.

Com a justificativa de diminuir o conflito crescente nos território quilombolas, o governo prefere retroceder na garantia dos direitos, estabelecendo revisão em normas que regulamentam a regularização fundiária dos territórios quilombolas.

Questionamos:

Porque ao invés de alterar norma que trata da regularização fundiária dos territórios quilombolas o Governo não se empenha em recuperar as terras públicas concedidas ilegalmente para Aracruz Celulose e o Agro negocio da cana de açúcar, da soja, mamona, etc.?

Porque não apurar os crimes de racismo que os quilombolas estão sofrendo por parte do Movimento Paz no Campo, criado por ruralistas, especificamente para combater o direito quilombola?

Porque não apurar a violência que os quilombolas têm sofrido como prisão, lesão corporal, morte e ameaças por parte da policia que ao invés de nos proteger nos criminaliza?

Para nós resta a conclusão de que o racismo continua pautando a política brasileira no que diz respeito ao povo quilombola.

Por tais motivos e pelos demais abaixo escritos, vimos manifestar nosso repúdio e dizer que não concordamos com a reformulação da Instrução Normativa nº20/2005-Incra que regulamenta o procedimento administrativo para titulação das terras ocupadas pelas comunidades de quilombos no Brasil.  

As mudanças propostas representam grave retrocesso no reconhecimento dos direitos dos quilombolas e afrontam os artigos 215 e 216 da Constituição Federal, o artigo 68 do ADCT da Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT. Assim, ao contrário do que alega a Advocacia Geral da União (Ofício-circular nº05/2007/CGU/AGU), a mudança não trará o aperfeiçoamento das normas referentes à matéria nem tampouco contribuirá para equacionar os conflitos envolvendo as terras das comunidades quilombolas.  

O processo que resultou na proposta de alteração da IN/20/2005/Incra deu-se apenas entre órgãos do governo federal sem transparência ou consulta ampla à sociedade civil nem tampouco às próprias comunidades e suas organizações. A consulta ao povo quilombola se faz necessária tendo em vista determinação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo 142/2002. 

Ao empoderarmos dos termos da Convenção 169 da OIT, temos que uma verdadeira consulta não se confunde com o procedimento adotado pela Advocacia Geral da União que, por meio de ofício dirigido às organizações quilombolas (Ofício-circular nº05/2007/CGU/AGU), convocam os destinatários da correspondência a atender um cronograma pré-estabelecido de duas reuniões em Brasília (entre os dias 10 e 17 de dezembro de 2007) para discutir a minuta de nova instrução normativa.

Da mesma forma, temos que um procedimento democrático e participativo requer a participação dos principais interessados e seus parceiros no início do processo e não na etapa final para referendar um texto já pronto, sob pena de ferir de morte o que foi ratificado pelo Estado brasileiro na Convenção 169 da OIT.

Nossa contrariedade à minuta de instrução normativa apresentada se dá devido as agressões que seu processo causa à Convenção 169 da OIT, mas não é só, ainda somos contra a minuta divulgada pela Advocacia Geral da União, pois nela podemos destacar diversos retrocessos, dos quais, abaixo seguem alguns relacionados:

1º) A nova norma, em seu artigo 3º, restringe a definição do que são terras ocupadas pelas comunidades quilombolas excluindo as áreas detentoras de recursos ambientais necessários à preservação dos costumes, tradições, cultura e lazer e que englobem espaços de moradia, os destinados aos cultos religiosos e os sítios com reminiscências históricas dos antigos quilombos (conforme redação do art. 4º da IN/20/2005/Incra). A nova definição pode resultar na titulação apenas das áreas onde estão localizadas as moradias, sem acesso a recursos ambientais suficientes e necessários para a permanência digna do povo quilombola no espaço que reivindicam. 

2º) O §3º do art. 6º da minuta condiciona o início das atividades de titulação à apresentação da certidão de registro no cadastro geral de remanescentes de comunidade de quilombos da Fundação Cultural Palmares. Tal exigência constitui um retrocesso ao direito à auto-identificação já assegurado na Convenção 169 da OIT e no Decreto 4.887/2003, e nesse sentido é ilegal por negar acatamento àqueles estatutos. Subverte, mais, o sentido da certidão que consta no Decreto 4.887/2003. Ao invés de mero registro para efeito de cadastro, a certidão ganha o status de certificado da condição quilombola. Além disso, tal exigência cria mais um entrave burocrático a agilização dos processos e assim, ao invés de descentralizar e agilizar, a norma concentra e engessa o procedimento.

3º) A nova IN imputa ao relatório de identificação e delimitação um alto grau burocrático e detalhamento que não se justifica em um documento para tal finalidade e estaria mais adequado à pesquisa acadêmica. O relatório deve ser conciso e passível de ser concluído com agilidade a fim de não comprometer o bom andamento do processo. As exigências introduzidas na nova IN representaram um desperdício de tempo e dinheiro público e, mais grave ainda, transformam o RTID em um obstáculo à conclusão dos processos.

Por outro lado, estranhamos que a minuta não exija que as contestações estejam embasadas em estudos do mesmo grau de tecnicidade que o requisitado para o relatório antropológico do RTID. Assim fica discrepante o nível de exigência para identificar o território e a facilidade oferecida para contestá-lo.

4º) Outro obstáculo colocado pela nova norma para elaboração dos relatórios de identificação são as restrições com relação à equipe responsável por sua produção. A nova norma (Artigo 9º § 2º) exige que o RTID seja elaborado por especialista do próprio Incra. É de conhecimento notório que o Incra não dispõe de pessoal suficiente para atender tal demanda. O seu quadro de antropólogos é de cerca de 40 profissionais. Lembramos que, em outubro de 2007, tramitavam no Incra 450 processos sendo que mais da metade ainda não contava com RTID.

Já a eventual contratação de especialista externo ao Incra ganha na nova norma uma restrição inédita e discriminatória (§ 3º do art. 9º) uma vez que fica proibida a contratação do especialista que mantenha “relação jurídica com entidades associativas vinculadas aos remanescentes de comunidades de quilombos objeto do relatório”. Quer nos parecer que tal determinação acima visa garantir que os RTID sejam realizados por profissionais isentos. Esquecem os autores da norma que a realização da pesquisa antropológica implica a proximidade, a identificação e o compromisso do pesquisador com o seu objeto de estudo. De forma, os pesquisadores com maior conhecimento da comunidade estariam sempre suspeitos de parcialidade e impedidos de realizar o RTID.  O compromisso do pesquisador com a comunidade não o impede de produzir um estudo baseado em critérios científicos e de alta qualidade técnica.

5) Por fim, causa estranheza o artigo 15 que tira do âmbito do Incra a decisão sobre a titulação dos territórios quilombolas em claro confronto ao Decreto 4.887/2005. O referido artigo determina que, havendo controvérsia entre os órgãos públicos sobre as medidas cabíveis para regularização de territórios quilombolas incidentes em unidades de conservação, áreas de segurança nacional, áreas de faixa de fronteira e terras indígenas, a decisão deverá ser tomada pela Casa Civil (questões de mérito) ou pela Advocacia Geral da União (questão jurídica).

Tendo em vista as considerações acima expostas, reafirmamos nossa contrariedade à minuta de Instrução Normativa apresentada, na sua integralidade, dando como fundamento os acima alinhavados. De outra banda, solicitamos que a Instrução Normativa nº20/2005/Incra seja mantida em seu inteiro teor e, por conseguinte, seja o processo de instituição de nova norma, imediatamente suspenso, tudo por não ter, das entidades quilombolas que a esta subscrevem, o devido reconhecimento de validade.

Brasília/DF, 10 de dezembro de 2007 (no 59º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos).

RONALDO DOS SANTOS (COORDENAÇÃO EXECUTIVA – CONAQ)

Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (ACONERUQ)

Coordenação das Comunidades Quilombolas do Estado de São Paulo (COQESP)

Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara/MA (MABE)

Comissão Estadual das Comunidades Quilombolas do Espírito Santos

Federação Quilombola de Estado de Minas Gerais (N`GOLO)

Coordenação das Associações Remanescentes de Quilombos do Estado do Pará (MALUNGU)

Associação Quilombola do Estado do Rio de Janeiro (AQUILERJ)

Coordenação das Comunidades Quilombolas do Estado do Paraná.

Federação das Associações das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul (FACQ)

Coordenação Estadual das Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba (CECNEQ)

Associação Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí (QUILOMBOS)

Comissão Estadual de Comunidades Quilombolas de Pernambuco (CECQ)

Coordenação Estadual Quilombola do Amapá (CONERQ-AP)

Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Rio Grande do Norte

Associação do Quilombo Kalunga/GO (AQK)

Coordenação Regional das Comunidades Quilombolas da Bahia (CRQ)

Associação Ecológica do Vale do Guaporé/RO (ECOVALE)

Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Mato Grosso do Sul

Comissão Quilombola de Mato Grosso

Comissão Provisória Quilombola do Estado de Santa Catarina

Comissão Quilombola de Alagoas

Comissão Quilombola de Sergipe

Comissão Quilombola do Ceará

Comissão Quilombola de Tocantins

 

< O Observatório Quilombola publica todas as informações que recebe, sem descartar ou privilegiar nenhuma fonte, e as reproduz na íntegra, não se responsabilizando pelo seu conteúdo.>

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